Astrônomos observam nascimento de aglomerado de galáxias no Universo primordial

Com o auxílio do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), uma equipe de astrônomos descobriu um vasto reservatório de gás quente no aglomerado de galáxias ainda em formação em torno da galáxia Teia de Aranha — trata-se da mais distante detecção de gás quente efetuada até à data. Os aglomerados de galáxias são uns dos maiores objetos conhecidos no Universo e este resultado, publicado na revista Nature, nos revela quão primordiais são de fato estas estruturas.

https://www.eso.org/public/images/eso2304a/
Esta imagem mostra o proto-aglomerado em torno da galáxia Teia de Aranha (conhecida pelo nome formal de MRC 1138-262), observado quando o Universo tinha apenas 3 bilhões de anos. A maior parte da massa do proto-aglomerado não se encontra nas galáxias que vemos no centro da imagem, mas sim no gás que existe no meio intra-aglomerado. Podemos ver o gás quente deste meio sob a forma de uma nuvem azul sobreposta à imagem. O gás quente foi detectado pelo Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA). Quando atravessa o meio intra-aglomerado, a radiação cósmica de fundo de microondas — uma radiação vestígio do Big Bang — ganha energia ao interagir com os elétrons do gás quente. Trata-se do chamado efeito Sunyaev-Zeldovich e, ao estudar este efeito, os astrônomos conseguiram determinar a enorme quantidade de gás quente que existe no meio intra-aglomerado, mostrando assim que o proto-aglomerado Teia de Aranha está no processo de se tornar num -aglomerado massivo ligado pela sua própria gravidade. Créditos: ESO/Di Mascolo et al.; HST: H. Ford

Os aglomerados de galáxias, tal como o nome sugere, são constituídos por um enorme número de galáxias, que pode chegar a vários milhares. Estas estruturas contêm ainda um imenso meio “intra-aglomerado” gasoso que permeia o espaço entre as galáxias do aglomerado. Este gás tem consideravelmente mais massa do que as galáxias propriamente ditas. Muita da física dos aglomerados de galáxias é bem conhecida, no entanto observações das fases mais primordiais da formação do meio intra-aglomerado ainda são escassas.

Anteriormente, este meio só tinha sido estudado em aglomerados de galáxias próximos e completamente formados. Contudo, detectar o meio intra-aglomerado em proto-aglomerados distantes, isto é, em aglomerados de galáxias ainda a formar-se, permite aos astrônomos observar estas estruturas nas suas fases de formação iniciais. Uma equipe liderada por Luca Di Mascolo, autor principal deste estudo e investigador na Universidade de Trieste, Itália, pretendeu detectar o meio intra-aglomerado num proto-aglomerado do Universo primordial.

Com o auxílio do ALMA, uma equipe de astrônomos detectou um vasto reservatório de gás quente no aglomerado de galáxias ainda em formação em torno da galáxia Teia de Aranha — trata-se da mais distante detecção de gás quente efetuada até à data. Este resultado revela-nos quão primordiais são de facto estas estruturas.
Créditos: ESO
Dirigido por: Angelos Tsaousis and Martin Wallner
Edição: Angelos Tsaousis
Suporte técnico: Gurvan Bazin and Raquel Yumi Shida
Roteiro: Rory Harris and Jonas Enander
Música: Stellardrone — Fermi Paradox [ VER NOTA 1 ]
Imagens: ESO, M. Kornmesser, L. Calçada, ESO/C. Malin (christophmalin.com), ESO/B. Tafreshi (twanight.org)
Consultores: Paola Amico and Mariya Lyubenova

Os aglomerados de galáxias são tão massivos que atraem gás que cai na direção do aglomerado e que, consequentemente, aquece. Elena Rasia, investigadora no Instituto Nacional de Astrofísica italiano (INAF), em Trieste, e coautora do estudo, disse:

Há mais de uma década que simulações cosmológicas fazem previsão quanto a presença de gás quente em proto-aglomerados, no entanto, a confirmação observacional destas previsões tem faltado. Pretendendo obter tal confirmação observacional importante, selecionamos cuidadosamente um dos mais promissores candidatos a proto-aglomerado.

Elena Rasia

Trata-se do proto-aglomerado Teia de Aranha, localizado em numa época em que o Universo tinha apenas 3 bilhões de anos. Apesar de ser o proto-aglomerado mais estudado, a presença do meio infra-aglomerado tem-se mantido elusiva. A descoberta de um grande reservatório de gás quente no Teia de Aranha indicaria que o sistema estaria a caminho de ser tornar um aglomerado de galáxias propriamente dito e duradouro ao invés de se dispersar.

A equipe de Di Mascolo detectou o meio intra-aglomerado do proto-aglomerado Teia de Aranha usando um efeito térmico chamado Sunyaev-Zeldovich (SZ). Este efeito ocorre quando a radiação cósmica de fundo de microondas — uma radiação vestígio do Big Bang — passa pelo meio intra-aglomerado e interage com os electrões do gás quente que se deslocam a altas velocidades, o que faz com que a sua energia aumente um pouco e a sua cor, ou comprimento de onda, varie ligeiramente.

Nos comprimentos de onda adequados, o efeito SZ (Sunyaev-Zeldovich) aparece-nos como um efeito de sombra do aglomerado de galáxias na radiação cósmica de fundo.

Di Mascolo et al.
Esta animação mostra como é que os fótons — partículas de luz — interagem com o gás quente no distante proto-aglomerado em torno da galáxia Teia de Aranha. Os fótons da radiação cósmica de fundo de microondas — uma radiação vestígio do Big Bang — estão representados por traços de luz amarela-avermelhada que percorrem o espaço em direções aleatórias. As galáxias existem no seio de uma nuvem massiva de plasma, com electrões livres a movimentarem-se muito depressa no seu interior. Os fótons da radiação cósmica de fundo interagem com os electrões do gás quente, ganhando um pouco de energia no processo. Como resultado, os seus comprimentos de onda, ou “cores” variam ligeiramente, o que mostramos aqui com os traços de luz azuis. É o chamado efeito Sunyaev-Zeldovich e os astrónomos utilizaram este efeito para estudar a distribuição de gás quente no proto-aglomerado Teia de Aranha, com o auxílio do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA). A distribuição de gás quente medida é mostrada no final da animação como a nuvem azul sobreposta à imagem com as galáxias no fundo. Créditos: ESO/L. Calçada; Di Mascolo et al.; HST: H. Ford

Ao medir estas sombras na radiação cósmica de fundo, os astrônomos conseguem assim inferir a existência de gás quente, estimar a sua massa e mapear a sua forma.

Graças à sua resolução e sensibilidade sem paralelo, o ALMA é a única infraestrutura atual capaz de levar a cabo tais medições nos progenitores distantes de aglomerados massivos.

Di Mascolo et al.

Os investigadores determinaram que o proto-aglomerado Teia de Aranha contém um vasto reservatório de gás quente com uma temperatura de algumas dezenas de milhões de graus Celsius. Tinha sido já detectado anteriormente neste proto-aglomerado gás frio, no entanto a massa de gás quente encontrada neste novo estudo é muito superior, da ordem de milhares de vezes maior. Este resultado mostra que o proto-aglomerado Teia de Aranha deverá efetivamente transformar-se num aglomerado massivo de galáxias dentro de uns 10 bilhões de anos, aumentando ainda a sua massa de pelo menos um fator de dez.

Tony Mroczkowski, coautor do artigo publicado e investigador do ESO, explicou:

Este sistema mostra grandes contrastes. A componente térmica quente destruirá grande parte da componente fria, à medida que o sistema se vai desenvolvendo, estando nós agora a assistir a esta delicada transição. Temos finalmente uma confirmação observacional das já antigas previsões teóricas sobre a formação dos maiores objetos ligados gravitacionalmente que existem no Universo.

Tony Mroczkowski

Estes resultados ajudam-nos a lançar as bases para sinergias entre o ALMA e o futuro Extremely Large Telescope (ELT) do ESO, o qual “irá revolucionar o estudo de estruturas tais como o Teia de Aranha,” conforme informa Mario Nonino, coautor do estudo e investigador no Observatório Astronômico de Trieste. O ELT e os seus instrumentos de vanguarda, tais como o HARMONI e o MICADO, serão capazes de observar proto-aglomerados e mostrar-nos as galáxias que aí residem com muito detalhe. Juntamente com as capacidades do ALMA em traçar o meio intra-aglomerado em formação, disporemos assim de informação crucial sobre a formação das maiores estruturas do Universo primordial.

Esta impressão artística mostra a formação de um enxame de galáxias no Universo primordial. As galáxias formam vigorosamente novas estrelas e interagem umas com as outras. Esta ilustração é similar a Galáxia da Teia de Aranha (conhecida pelo nome formal de MRC 1138-262) e seus arredores, cujo proto-aglomerado é um dos mais estudados pelos astrônomos. Créditos: ESO/M. Kornmesser

Este trabalho foi descrito no artigo científico intitulado “Forming intracluster gas in a galaxy protocluster at a redshift of 2.16” publicado na revista Nature (doi: 10.1038/s41586-023-05761-x).

Nota [1]

StellarDrone [ https://stellardrone.bandcamp.com/ ] é um projeto de Edgaras ZAKEVIČIUS, um dos raros músicos que homenageiam astronomia em suas composições.

STELLARDRONE é um pseudônimo usado pelo músico Edgaras ZAKEVIČIUS. Ele começou a criar música por meio de sintetizadores inspirado por nomes como Tangerine Dream, Mike Oldfield e Alan Parsons, entre outras bandas famosas de rock progressivo, a partir de 2007. Desde então vem lançando álbuns e incentivando que as músicas neles contidas sejam compartilhadas e incorporadas em diversos outros projetos e trilhas sonoras. O NoirLab e o ESO têm usualmente usado suas composições em seus vídeos de divulgação científica.

A faixa 7 do álbum ‘On a Beam of Light’ é ‘FERMI PARADOX’, usada no Esocast.

Fonte

ESO: eso2304 — Science Release – Astronomers witness the birth of a very distant cluster of galaxies from the early Universe

._._.

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

error: Esse blog é protegido!