GAIA revela que as Nuvens de Magalhães são galáxias ligadas por uma ponte de estrelas e gás

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Pálidos véus e a tênue ponte entre as Nuvens de Magalhães representam a distribuição das estrelas RR Lyrae. Créditos: V. Belokurov, D. Erkal, A. Mellinger

As Nuvens de Magalhães, as duas maiores galáxias-satélite da Via Láctea, parecem estar ligadas por uma ponte que se estende por 43.000 anos-luz, conforme nova pesquisa de um time internacional de astrônomos, liderada por investigadores da Universidade de Cambridge. A descoberta foi divulgada na revista MNRAS (Monthly Notices of the Royal Astronomical Society) e se baseia no recenseamento estelar galáctico realizado pelo Observatório Espacial GAIA da ESA.

Há 15 anos que os cientistas esperavam ansiosamente pelos dados do GAIA. A primeira porção da informação do satélite foi divulgada no final de 2016 e está livremente disponível para toda a comunidade. Este conjunto de dados de qualidade sem precedentes é um catálogo das posições e brilhos de 1 bilhão de estrelas na nossa Via Láctea e seus arredores.

O que o GAIA tem enviado à Terra é inédito A resolução angular desse observatório espacial é semelhante à do Telescópio Espacial Hubble mas, tendo em vista que o GAIA possui um maior campo de visão, ele pode cobrir todo o céu em vez de apenas uma pequena parte. Na verdade, para obter imagens digitais do céu, o GAIA tem ao seu dispor o maior número de pixels de qualquer dispositivo espacial. Melhor ainda, o Observatório GAIA não tem apenas um telescópio, mas dois, partilhando o plano focal com um (1) metro de abertura.

Diferentemente dos telescópios convencionais, o GAIA não se limita a apontar e a observar: o GAIA gira constantemente em torno do seu eixo, varrendo o céu inteiro em menos de um mês. Portanto, o GAIA não só mede as propriedades instantâneas das estrelas, como também acompanha as suas mudanças ao longo do tempo. Isto proporciona uma oportunidade perfeita para encontrar uma variedade de objetos, como por exemplo as estrelas que pulsam ou explodem, mesmo que este não seja o objetivo principal do projetado para o GAIA.

O time da Universidade de Cambridge se focou na área que envolve as Nuvens de Magalhães e usou os dados do GAIA para escolher estrelas pulsantes de um tipo em particular: as chamadas RR Lyrae, estrelas muito antigas e muito pouco evoluídas quimicamente. Levando-se em conta que estas estrelas remontam aos primeiros dias da existência das Nuvens de Magalhaes, elas fornecem informações sobre a história do par de galáxias vizinhas. O estudo da Grande e da Pequena Nuvem de Magalhães (GNM e PNM, respectivamente) sempre foi difícil, uma vez que ambas se estendem por uma grande área nos céus. Mas com a visão global do GAIA, essa tarefa se tornou bem mais fácil agora.

Vizinhas da Via Láctea, as Nuvens de Magalhães são os maiores e mais brilhantes exemplos de galáxias anãs satélites. Conhecidas desde o início da história da Humanidade (e pelos europeus desde as primeiras viagens ao hemisfério sul), as Nuvens de Magalhães têm sempre permanecido um enigma. Mesmo sendo uma constante dos céus meridionais, os astrônomos só recentemente ganharam a oportunidade de estudá-las em detalhe.

Se as Nuvens de Magalhães se encaixam ou não na teoria convencional da formação de galáxias, isso depende criticamente da sua massa e da data da sua primeira aproximação à Via Láctea. Os pesquisadores do Instituto de Astronomia de Cambridge encontraram pistas que podem ajudar a responder a ambas as perguntas.

Primeiramente, as estrelas RR Lyrae analisadas pelo observatório GAIA foram usadas para rastrear a dimensão da Grande Nuvem de Magalhães. Os astrônomos descobriram que a GNM possui um “halo” difuso e de baixa luminosidade que se alonga até 20 graus do seu centro. A GNM só seria capaz de atrair e ‘segurar’ estrelas em distâncias tão grandes se fosse substancialmente mais massiva do que se pensava anteriormente, totalizando talvez até 10% da massa de toda a Via Láctea.

O momento exato da chegada das Nuvens de Magalhães na vizinhança da Galáxia seria uma tarefa impossível de se realizar sem o conhecimento das suas órbitas. Infelizmente, as órbitas das galáxias-satélite são muito difíceis de medir: nas grandes distâncias onde residem, o movimento dos objetos no céu é tão pequeno que é simplesmente não observável ao longo de uma vida humana. Na ausência de uma órbita conhecida, o Dr. Vasily Belokurov e colegas encontraram a melhor ideia a seguir: o fluxo estelar.

Os fluxos estelares se formam quando um satélite galáctico (uma galáxia anã ou um aglomerado de estrelas) começa a sentir a força de marés do corpo em torno do qual orbita. A maré estica o satélite galáctico em duas direções: na direção da galáxia hospedeira e também na direção oposta. Como resultado, formam-se duas aberturas na periferia do satélite galáctico: pequenas regiões onde a atração gravitacional do satélite é balançada pela atração da galáxia hospedeira. As estrelas satélites que entram nessas regiões sofrem interações que tornam mais fácil deixar o satélite galáctico completamente e começar a orbitar a galáxia hospedeira. Lentamente, as estrelas começam a abandonar o satélite galáctico, deixando eventualmente um rasto luminoso no céu e assim revelando a órbita do satélite galáctico.

O Dr. Belokurov explicou:

Os fluxos estelares ao redor das Nuvens de Magalhães foram previstos, mas jamais observados. Tendo demarcado as posições das estrelas RR Lyrae através do GAIA no céu, ficamos surpreendidos ao ver uma estreita estrutura tipo-ponte ligando as duas nuvens. Nós pensamos que, pelo menos em parte, esta ‘ponte-cósmica’ é composta por estrelas extirpadas da Pequena Nuvem pela Grande Nuvem. Os restos podem ser, na verdade, estrelas da GNM puxadas pela Via Láctea.

Os cientistas sugerem que a ponte de estrelas RR Lyrae ajudará a esclarecer a história da interação entre as Nuvens de Magalhães e a nossa Galáxia Via Láctea.

Dr. Denis Erkal, coautor do estudo, declarou:

Nós comparamos a forma e a posição exata da ponte estelar mapeada pelo GAIA com simulações de computador da evolução das Nuvens de Magalhães à medida que se aproximavam da Via Láctea. Muitas das estrelas na ponte parecem ter sido removidas da PNM durante a interação mais recente, há cerca de 200 milhões de anos, quando as galáxias anãs passaram relativamente perto uma da outra. Nós achamos que, como resultado dessa passagem rasante, não só as estrelas, mas também o hidrogênio gasoso, foram removidos da PNM. Através da medição do deslocamento entre a ponte de estrelas RR Lyrae e a ponte de hidrogênio, podemos colocar limites na densidade da ‘corona galáctica’ gasosa.

Composta por gás ionizado a uma densidade muito baixa, a quente ‘corona galáctica’ é notoriamente difícil de estudar. No entanto, esse objeto tem sido objeto de intenso escrutínio, porque os cientistas acreditam que pode conter a maior parte do ausente material bariônico, a matéria ordinária. Os astrônomos estão tentando estimar a localização desta matéria em falta (os átomos e íons que compõem estrelas, planetas, poeira e gás). Pensa-se que a maior parte, ou mesmo a totalidade, destes bárions em falta estariam na ‘corona galáctica’. Os cientistas assim esperam, através da medição da densidade coronal a grandes distâncias, solucionar este enigma.

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As Nuvens de Magalhães podem ser vistas mesmo por cima do horizonte e por baixo do arco da Via Láctea. Crédito: D. Erkal

Durante o encontro anterior entre a Pequena e a Grande Nuvem de Magalhães, tanto as estrelas como o gás foram arrancados da PNM, formando uma corrente de marés. Inicialmente, o gás e as estrelas se moviam nas mesmas velocidades. No entanto, à medida que as Nuvens se aproximavam da Via Láctea, a ‘corona galáctica’ exerceu uma força de arrasto sobre ambas. As estrelas, sendo relativamente pequenas e densas, perfuraram através da ‘corona galáctica’ sem nenhuma mudança na sua velocidade. No entanto, o hidrogênio gasoso mais tênue e neutro diminuiu substancialmente de velocidade ao atingir a ‘corona galáctica’. Comparando a posição atual das estrelas e do gás, e tendo em conta a densidade do gás e o tempo que as Nuvens de Magalhães já passaram na corona, a equipe estimou a sua densidade.

O Dr. Erkal concluiu:

A nossa estimativa mostrou que a corona pode constituir uma fração significativa dos bárions ausentes, em concordância com técnicas anteriores e independentes. Com o problema dos bárions faltantes aparentemente elucidado, o modelo atual da formação galáctica se sustenta bem dado o maior escrutínio agora possível com o GAIA.

Fonte

Universidade de Cambridge: A bridge of stars connects two dwarf galaxies

Artigo Científico

O artigo assinado por Vasily Belokurov et al.: Clouds, Streams and Bridges. Redrawing the blueprint of the Magellanic System with GAIA DR1, foi publicado em MNRAS (Monthly Notices of the Royal Astronomical Society) em 8 de fevereiro de 2017

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1611.04614 – Clouds, Streams and Bridges. Redrawing the blueprint of the Magellanic System with Gaia DR1

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