ESO: Primeiros sinais de estranha propriedade quântica do espaço vazio?

Observações VLT de estrela de nêutrons podem confirmar previsão com 80 anos sobre o vácuo

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Esta concepção artística mostra como é que a radiação emitida pela superfície de uma estrela de nêutrons fortemente magnetizada (à esquerda) se polariza linearmente à medida que viaja através do vácuo do espaço que envolve a estrela no seu percurso até chegar à Terra (à direita). A polarização da radiação observada no campo magnético extremamente forte sugere que o espaço vazio que rodeia a estrela de nêutrons está sujeito a um efeito quântico chamado birrefringência do vácuo, uma previsão da eletrodinâmica quântica. Este efeito foi previsto nos anos 1930 mas nunca foi observado até agora. As direções dos campos magnético e elétrico estão marcadas com linhas vermelhas e azuis. Simulações de modelos obtidas por Roberto Taverna (Universidade de Pádua, Itália) e Denis Gonzalez Caniulef (UCL/MSSL, RU) mostram como estas se alinham ao longo de uma direção preferencial quando a radiação passa pela região em torno da estrela de nêutrons. Créditos: ESO/L. Calçada

Ao estudar com o Very Large Telescope do ESO a radiação emitida por uma estrela de nêutrons muito densa e fortemente magnetizada, astrônomos descobriram os primeiras indícios observacionais de um estranho efeito quântico, previsto inicialmente nos anos 1930. A polarização da radiação observada sugere que o espaço vazio em torno da estrela de nêutrons está sujeito a um efeito quântico conhecido por birrefringência do vácuo.

Uma equipe liderada por Roberto Mignani do INAF de Milão, Itália, e da Universidade de Zielona Gora, Polônia, utilizou o Very Large Telescope do ESO (VLT), instalado no Observatório do Paranal no Chile, para observar a estrela de nêutrons RX J1856.5-3754, situada a cerca de 400 anos-luz de distância da Terra [1].

Apesar de ser uma das estrelas de nêutrons mais próximas de nós, a luminosidade muito baixa deste objeto faz com que os astrônomos apenas a possam observar no visível com o instrumento FORS2 montado no VLT, nos limites da atual tecnologia de telescópios.

As estrelas de nêutrons são restos de núcleos muito densos de estrelas massivas — pelo menos 10 vezes mais massivas que o Sol — que explodiram sob a forma de supernovas no final das suas vidas. Possuem também campos magnéticos intensos, bilhões de vezes mais fortes que o do nosso Sol, que permeiam as suas superfícies exteriores e seus arredores.

Estes campos magnéticos são tão fortes que afetam inclusive propriedades do espaço vazio ao redor da estrela. Normalmente, o vácuo sugere-nos um espaço completamente vazio, onde a radiação viaja sem ser modificada. No entanto, em eletrodinâmica quântica — a teoria do vácuo que descreve a interação entre fótons de luz e partículas carregadas, tais como elétrons — o espaço encontra-se repleto de partículas virtuais que aparecem e desaparecem a todo o momento. Campos magnéticos muito intensos podem modificar este espaço, de tal maneira que este afeta a polarização da radiação que passa através dele.

Mignani explicou:

De acordo com a eletrodinâmica quântica, um vácuo altamente magnetizado comporta-se como um prisma no que diz respeito à propagação da radiação, um efeito conhecido por birrefringência do vácuo.

Entre as muitas previsões da eletrodinâmica quântica, a birrefringência do vácuo não teve ainda uma demonstração experimental. Tentativas de detectar este efeito em laboratório não deram qualquer resultado nos 80 anos que passaram desde a publicação do artigo científico de Werner Heisenberg (famoso pelo princípio de incerteza) e Hans Heinrich Euler.

Roberto Turolla (Universidade de Pádua, Itália) declarou:

Este efeito pode ser apenas detectado na presença de campos magnéticos extremamente fortes, tais como os existentes em torno de estrelas de nêutrons, o que mostra, uma vez mais, como as estrelas de nêutrons são laboratórios valiosos para o estudo das leis fundamentais da natureza.

Após análise cuidada dos dados VLT, Mignani e a sua equipe detectaram polarização linear — com um grau significativo de cerca de 16% — que pensam ser provavelmente devida ao efeito de birrefringência do vácuo ocorrendo no espaço vazio que rodeia RX J1856.5-3754 [2].

Vincenzo Testa (INAF, Roma, Itália) comentou:

Até hoje, este é o objeto mais fraco para o qual foi medido um valor de polarização. Foi necessário utilizar um dos maiores e mais eficientes telescópios do mundo, o VLT, e técnicas de análise de dados precisas para aumentar o sinal emitido por uma estrela tão fraca.

Mignani adicionou:

A alta polarização linear que medimos com o VLT não pode ser explicada facilmente pelos nossos modelos, a menos que incluamos o efeito de birrefringência do vácuo previsto pela eletrodinâmica quântica.

Silvia Zane (UCL/MSSL, Reino Unido) comentou:

Este estudo do VLT é o primeiro resultado observacional que vai de encontro às previsões deste tipo de efeitos da eletrodinâmica quântica, originados por campos magnéticos extremamente fortes.

Mignani está entusiasmado com os avanços, nesta área de estudo, que poderão vir de observações feitas com telescópios mais avançados, e afirmou:

Medições de polarização com a nova geração de telescópios, tais como o European Extremely Large Telescope do ESO, podem desempenhar um papel crucial em testes de previsões da eletrodinâmica quântica de efeitos de birrefringência do vácuo em torno de muitas mais estrelas de nêutrons.

Kinwah Wu (UCL/MSSL, Reino Unido) declarou:

Estas medições, feitas agora pela primeira vez no visível, abrem também o caminho a medições semelhantes serem feitas em raios X.

Este trabalho foi descrito no artigo científico intitulado “Evidence for vacuum birefringence from the first optical polarimetry measurement of the isolated neutron star RX J1856.5−3754”, assinado por R. Mignani et al., a ser publicado na revista especializada Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Notas

[1] Este objeto faz parte do grupo de estrelas de nêutrons conhecidas por As Sete Magníficas. São estrelas de nêutrons isoladas, sem companheiras estelares, que não emitem ondas rádio (como os pulsares) e não estão rodeadas por material progenitor da supernova.

[2] Existem outros processos que podem polarizar a emissão estelar à medida que esta viaja pelo espaço. A equipe verificou de forma cuidadosa outras possibilidades — por exemplo, polarização criada pela dispersão da radiação em grãos de poeira — mas considerou pouco provável que dessem origem ao sinal de polarização observado.

Fonte

ESO: eso1641 — First Signs of Weird Quantum Property of Empty Space? VLT observations of neutron star may confirm 80-year-old prediction about the vacuum

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1610-08323v2-evidence-for-vacuum-birefringence-from-the-first-optical-polarimetry-measurement-of-the-isolated-neutron-star-rx-j1856-5%e2%88%923754

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