Os perigos do pouso em Marte

Marte tem sido uma fonte de admiração por vários séculos, inspirando tanto a especulação científica como a imaginação literária.

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Visão geral da entrada, descida e sequência de pouso da sonda Schiaparelli em Marte, com os respectivos tempos, altitudes e velocidades estimados de forma aproximada para os principais eventos indicados. 1. Schiaparelli entra na atmosfera de Marte – 21.000 km/h; 2. O escudo protetor atua durante a desaceleração pela atmosfera – 19.000 km/h; 3. O paraquedas é acionado – 1.700 km/h; 4. O escudo frontal é separado e o radar entra em operação – 320 km/h; 5. A cobertura traseira e o paraquedas são ejetados – 240 km/h; 6. Ignição dos retrofoguetes – 250 km/h; 7. Os retrofoguetes são desligados e inicia a queda livre – 4 km/h; 8. Toque no solo marciano – 10 km/h. Créditos: ESA / ATG medialab

Desde o alvorecer da Era Espacial, nações líderes na exploração do espaço têm tentado utilizar tecnologia moderna para desvendar os mistérios de Marte através da pesquisa por sondas analisando o planeta vermelho por cima e também pelo envio de veículos exploradores robóticos sobre seu terreno poeirento.

Mais de 40 missões foram despachadas para o Planeta Vermelho desde o início dos anos 1960. Seguindo a sequência natural da realização de investigações cada vez mais complexas, as primeiras tentativas para caracterizar Marte envolveram passagens relativamente simples e voos rasantes de curta duração. Estas primeiras missões foram logo seguidas por sondas, que levavam instrumentos cada vez mais sofisticados para mapear Marte e caracterizar suas diversificadas paisagens.

As desventuras Soviéticas tentando pousar em Marte

A primeira tentativa de enviar uma sonda para entrar na atmosfera de Marte ocorreu em novembro de 1962. Entretanto, a espaçonave Soviética Sputnik 24 (Korabl 13) não conseguiu deixar a órbita da Terra. Mesmo se tivesse chegado a Marte, a sonda teria atingido sua superfície em alta velocidade e fracassaria: o seu projeto assumia que a atmosfera marciana era mais espessa do que mais tarde foi determinado em missões subsequentes.

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Réplica em escala 1:1 da Mars 3 no Memorial Museum of Cosmonautics, em Moscou por Armael

Tentativas posteriores de pouso em Marte pelos Soviéticos em 1971 e 1973, também terminaram em fracasso ou, digamos, apenas atingiram sucessos parciais: a sonda Mars 2 colidiu com a superfície de Marte, após entrar na atmosfera sob um ângulo muito íngreme, enquanto a sonda Mars 3 retornou 20 segundos de dados a partir da superfície antes de interromper sua atividade.

A sonda Mars 6 enviou alguns dados úteis da entrada e da descida da sonda na atmosfera em 1974, mas o sinal foi perdido pouco antes do pouso. A sonda Mars 7 errou a trajetória para atingir Marte por 1.300 km devido a problemas eletrônicos, que a impediram de viajar na trajetória correta.

Os Sucessos da NASA

As primeiras missões integralmente bem-sucedidas em Marte ocorreram quando da chegada do módulo de pouso da NASA Viking 1 em 20 de julho de 1976, seguido pela sonda Viking 2 em 3 de setembro de 1976. Desde então, pudemos testemunhar mais cinco operações de pouso com sucesso no Planeta Vermelho, todas as cinco executadas pela NASA (Agência Espacial dos EUA), bem como uma série de tentativas fracassadas. Com o lançamento da ExoMars 2016, a ESA (Agência Espacial Europeia) está agora tentando se juntar à NASA visando se tornar a segunda potência espacial a levar uma sonda e completar uma missão bem-sucedida na superfície marciana.

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Modelo do módulo de pouso Viking em Marte. Créditos: NASA/JPL-Caltech/Universidade do Arizona

Como descer e pousar em Marte?

Com o objetivo de minimizar a possibilidade de uma falha catastrófica, os engenheiros espaciais passam uma grande parte do tempo do seu trabalho na definição de uma estratégia para assegurar que o seu veículo de alta tecnologia irá realizar com segurança a entrada na atmosfera e o procedimento de descida, culminando em um pouso suave e bem-sucedido.

O primeiro problema a ser superado é o da navegação precisa. As janelas de lançamento adequadas ocorrem a cada 26 meses ou mais, quando a Terra e Marte estão relativamente próximos entre si nas suas órbitas. Uma vez que a espaçonave esteja viajando, a jornada com destino à Marte leva em geral cerca de 6 meses.

Assumindo que a trajetória da espaçonave interceptará a órbita de Marte no tempo adequado, a sonda será capaz de iniciar a sua fase de entrada e descida na atmosfera do Planeta Vermelho. A maioria das sondas de Marte, incluindo a entrada da sonda Schiaparelli e a do módulo de descida da missão ExoMars 2016, realizam a manobra de entrada balística de alta velocidade na atmosfera.

As sondas normalmente são liberadas da sua nave espacial de transporte nos dias finais da viagem interplanetária. Como exceções tivemos os módulos de pouso das duas missões Viking, que foram colocados em órbita marciana e só depois liberados das suas sondas orbitais após a identificação dos locais de pouso adequados.

O ângulo de entrada é sumamente importante: se for muito íngreme a sonda pode superaquecer e se queimar; se for muito raso a sonda pode saltar para fora da atmosfera, falhando completamente em atingir Marte.

A sequência inteira de entrada e controle da descida atmosférica é pré-programada no computador embarcado na sonda espacial, uma vez que não há tempo hábil para enviar os comandos operacionais quando a fase final de voo se inicia. No entanto, a sequência de eventos nem sempre ocorre de acordo com o planejado. Por exemplo, no caso da missão Mars Polar Lander da NASA, os retrofoguetes parecem ter se ligado prematuramente, fazendo com que a sonda espacial colidisse com o solo.

A trajetória de descida é modificada pela variação da densidade atmosférica, pela turbulência e pela velocidade do vento, bem como surgem pequenas incertezas na trajetória de chegada, por isso, o local de pouso provável é impreciso e tipicamente demarcado por uma grande elipse. No caso da Schiaparelli, a região em elipse estimada de pouso mede 100 km por 15 km.

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Local de pouso provável (dentro da elipse) da ExoMars 2016 Schiaparelli. Crédito: IRSPS/TAS-I

A possibilidade de ocorrência de tempestades regionais ou poeiras globais antes da chegada também poderá afetar as condições atmosféricas e gerar incertezas na trajetória de descida.

Quando entra na atmosfera superior marciana a uma velocidade de quase de 21.600 km/h (6 km/s), uma sonda espacial demora normalmente 6 a 7 minutos a chegar à superfície. Inicialmente a espaçonave tem que suportar cerca de dois a três minutos de aquecimento extremo, causado pela fricção atmosférica. Protegida por um escudo térmico, a sonda deve ser capaz de sobreviver as temperaturas que atingem vários milhares de graus Celsius e aos embates produzidos pelas ondas de choque atmosféricas.

A sonda espacial desacelera rapidamente e quando a velocidade diminui para cerca de 1.700 km/h (0,47 km/s), a uma altitude de cerca de 10 km, é capaz de abrir um paraquedas supersônico. Pouco tempo depois, a velocidade vai abrandar o suficiente para permitir que o escudo de calor seja descartado.

Na maioria das missões, um radar é utilizado para medir a altura e, por vezes, a aceleração em relação à superfície, afim de decidir quando e como comandar os propulsores ou retrofoguetes para reduzir a velocidade de descida para uns poucos metros por segundo. Para complicar, a fina atmosfera marciana faz com que seja extremamente difícil que isso seja alcançado apenas através de paraquedas (como aqui na Terra).

O procedimento adotado durante a fase final da descida varia de acordo com o tamanho e complexidade do módulo de pouso. As bem-sucedidas sondas Viking, cada uma pesando cerca de 600 kg, dispararam três motores de impulso variável durante os 1.200 m finais da sua descida. A sonda Schiaparelli também irá disparar propulsores para retardar a sua descida final, seguida de uma breve queda livre para a superfície, assim que os motores parem de funcionar.

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Os airbags da Mars Pathfinder em teste

Uma sonda espacial menor, a Mars Pathfinder de 360 kg, introduziu um novo sistema de descida que envolveu baixar o módulo de pouso no final de um longo cabo de 20 m (conhecido como um “freio”). Cerca de 10 segundos antes do pouso, os airbags (bolsas de ar) se encheram de ar para formar uma “bola” de proteção em torno da sonda. Quatro segundos depois, a uma altitude de 98 m, três foguetes sólidos, montados na parte posterior, disparam para desacelerar a descida, e cerca de 2 segundos mais tarde o freio é cortado a 21,5 m acima do solo, liberando o módulo de pouso. O veículo Pathfinder bateu no chão a uma velocidade de 14 m/s e saltou cerca de 12 m para o ar, saltando pelo menos mais 15 vezes antes de parar cerca de 2,5 minutos após o primeiro impacto, a cerca de 1 km do local de choque inicial com o solo.

Um sistema similar de paraquedas, retrofoguetes e airbags foi utilizado nos grandes veículos (Mars Exploration Rovers), que chegaram à superfície em 2004. O Beagle 2 da Grã-Bretanha, também foi equipado com airbags, mas sem propulsores e parece ter desembarcado, mas foi incapaz de comunicar de volta depois de algumas das suas “pétalas” falharem ao abrir.

O maior módulo de pouso de Marte construído até agora foi o Laboratório de Ciência de Marte (MSL – Mars Science Laboratory), que levou o rover Curiosity para a cratera Gale em agosto de 2012. O MSL pesava cerca de 900 kg e media três metros de comprimento, de modo que o sistema de airbag não era viável e um novo “guindaste” foi desenvolvido. Embora o time da missão tenha sido incapaz de testar a tecnologia inovadora antes do lançamento como um sistema integrado, o MSL operou perfeitamente.

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Ilustração do pouso do rover Curiosity, sob o estrado de descida que operou como um guindaste. Créditos: NASA/JPL-Caltech

A sonda que levou o MSL foi capaz de orientar-se durante a entrada na atmosfera de Marte com uma série de manobras em “S”, semelhantes às usadas pelos astronautas que pilotam naves espaciais da NASA. Durante os três minutos antes do pouso, a espaçonave desacelerou a sua descida com um paraquedas, depois dispararam os retrofoguetes montados ao redor da borda do seu estrado superior. Nos segundos finais, o estrado superior agiu como um guindaste, baixando o módulo na posição vertical sobre uma corda, para que o veículo Curiosity pousasse sobre suas rodas.

A Atmosfera Esparsa e o Terreno Acidentado

Como são selecionados os locais de pouso em Marte? Nas décadas de 1960 e 1970, os mapas de Marte detalhados e precisos não estavam disponíveis, de forma que a natureza da superfície de Marte era bem pouco conhecida. Como consequência da ausência de informação, o time da missão Viking decidiu optar pelo procedimento mais seguro, obtendo imagens de potenciais locais de pouso com as duas sondas antes de fazer uma seleção final de onde direcionar suas preciosas máquinas.

Desde então, numerosas sondas em órbita mapearam o Planeta Vermelho em grande nível de detalhe, por isso a ênfase agora é tanto sobre o interesse científico do local como sobre a natureza e segurança relativa do terreno. O Mars Pathfinder, por exemplo, tinha como alvo um antigo leito de rio, enquanto os Exploration Rovers e o MSL se dirigiram para locais onde se acreditava ter existido água na superfície e ambientes potencialmente habitáveis.

Contudo, um mapa dos locais de pouso em Marte mostra que cerca de metade do planeta, até agora, tem sido evitado. Não é por acaso que todas os pousos de sucesso em Marte ocorreram em uma região dominada por terras baixas, em vez de áreas mais acidentadas, como as terras altas com muitas crateras encontradas ao sul do equador marciano. Embora as planícies quase equatoriais e do Norte sejam frequentemente marcadas por pequenas crateras de impacto, pedras de vários tamanhos e dunas empoeiradas, as probabilidades de danos na chegada são muito pequenas.

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Mapa dos locais de pouso das diversas sondas em Marte. Da esquerda para a direita: Phoenix, Viking 1, Pathfinder, Schiaparelli (planejado), Opportunity, Viking 2, Curiosity (MSL) e Spirit. Créditos: imagem de fundo – Equipe Científica MOLA; mapa – ESA

A maioria dos pousos em Marte foram executados em baixas latitudes, sendo a única exceção até hoje o local do módulo Phoenix, uma sonda estacionária que sobreviveu durante cinco meses no ártico polar marciano antes de concluir sua missão por decorrência do extremo frio e da ausência da luz solar.

Outro fator que influencia a escolha do local de pouso é a densidade da atmosfera marciana. Na Terra, a sonda pode abrir o paraquedas ou deslizar de volta através da manta densa de ar na conclusão da sua missão orbital. No entanto, a atmosfera marciana é 150 vezes mais tênue que a da Terra e a pressão do ar sofre alterações de 20% de estação para estação. A pressão à superfície é mais espessa ao longo dos desfiladeiros profundos e mais fraca acima dos vulcões gigantes.

Não surpreendentemente, os projetistas das missões têm optado por direcionar a sua sonda para as áreas de planície onde a maior profundidade e espessura da atmosfera permitem que o atrito atmosférico e a capacidade de frenagem dos paraquedas reduzam a velocidade de queda da sonda espacial na máxima extensão da descida.

As missões ExoMars da ESA não são exceção à regra acima. A sonda Schiaparelli tem como alvo o Meridiani Planum, uma região relativamente plana e lisa perto do equador marciano e muito próxima da atual localização do rover Opportunity da NASA. Três locais perto do equador estão atualmente a ser investigados para a missão ExoMars de 2020, que vai levar primeiro o rover planetário da ESA.

O Fornecimento de Energia

Quase todas as sondas e veículos levados para Marte, desde o Mars Pathfinder em 1997, foram alimentadas por painéis solares. Entretanto, como exceção, o módulo Schiaparelli é incomum por apenas levar pilhas não-recarregáveis, uma vez que a sua vida ativa será limitada a apenas alguns dias de Marte. O motivo é que seu principal objetivo é demonstrar tecnologias de entrada, descida e pouso. A outra exceção foi o MSL (Mars Science Laboratory), movido a energia nuclear, o qual é capaz de operar independentemente da quantidade de luz solar.

O sucesso e a duração das missões de superfície de Marte através da coleta da energia solar dependem da disponibilidade da luz do Sol para iluminar as células solares.

Uma vez que Marte tem estações e períodos de luz do dia parecidos aos da Terra, os orçamentos de energia dos módulos de pouso têm de ser geridos cuidadosamente para que os mesmos possam sobreviver aos dias mais curtos do inverno marciano, o que representa uma outra razão para desembarques perto do equador. Por outro lado, os veículos de exploração móveis (rovers) têm a vantagem de serem capazes de estacionar em locais relativamente ensolarados para que as baterias possam ser adequadamente recarregadas.

O acúmulo de poeira nos painéis solares também pode reduzir a produção de energia elétrica do veículo, embora rajadas ocasionais de vento possam varrer grande parte do revestimento poeirento em tons de marrom. Embora a ExoMars 2020 está planejada para chegar fora da principal época de tempestades de poeira, o time da missão está ciente de que a sonda e o rover movidos a energia solar poderão ocasionalmente ter que encerrar suas operações devido as nuvens de poeira a escurecer os céus marcianos.

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Módulo Exomars 2016 Schiaparelli em 2 de novembro de 2015 – Créditos: Thales Alenia Space/Imag[IN]

Fontes

ESA:

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