20 de junho de 1966 – Padre Lemaitre, o inventor do Big-Bang

Não Há Dia Sem História

20 de junho de 1966

Padre Lemaitre, o inventor do Big-Bang

Padre jesuíta, físico e matemático Georges-Henri Édouard Lemaitre

Padre jesuíta, físico e matemático Georges-Henri Édouard Lemaitre

No dia 20 de junho de 1966, há 50 anos, falecia em Leuven, Bélgica, com a idade de 71 anos, o Físico Padre Lemaître, que ficou conhecido como o “inventor do Big Bang”.

Georges-Henri Édouard Lemaître nasceu em Charleroi, Bélgica, em 17 de julho de 1894. Teve educação fundamental num colégio jesuíta e destacou-se em humanidades. Tudo indicava que fosse seguir estudos em ciências humanas. Mas Lemaître não era uma personalidade simples. Aos dezessete anos entrou na École d’Iingénieur de l’Université Catholique de Louvain (Bélgica), surpreendentemente no curso de engenharia. Na faculdade era um ótimo aluno e poderia ter concluído rapidamente o curso, no entanto, surpreendentemente, foi servir na artilharia do exército belga durante a primeira guerra mundial. De novo uma decisão surpreendente, mas até que não era uma má escolha; ele tinha tudo para seguir a carreira militar. No entanto, no fim da guerra, Lemaître surpreendeu de novo, retomando os estudos, direcionando-se para a física teórica e doutorando-se, em 1920. Agora sim ele poderia, a partir daí, acomodar-se em alguma universidade e garantir uma vida tranqüila. Mas ele era Lemaître e Lemaître não era uma personalidade simples. O que ele fez em seguida foi, novamente, surpreendente: internou-se no seminário de Malina, de onde só saiu em 1923,  ordenado padre. Então era isso que o humanista engenheiro formado em física queria ser? Padre? Não. Lemaître não cabia nos modelos normais de pensamento e de ambições. Ele vai para a América estudar durante um ano (1923-1924) no Harward College Observatory de Cambridge e inicia doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Aprofunda-se no estudo do Universo e da teoria da relatividade. E novamente surpreende. Volta para o sossego de Leuven e assume a cátedra de Teoria da Relatividade na Universidade Católica. E de dentro de uma escola católica, extremo paradoxo, apresenta ao mundo a ideia sensata, mas considerada herege por fundamentalistas, de que a expansão do Universo deve ter começado com uma singularidade inicial.

Para lançar a idéia do estado inicial constrito, denso e quente, do Universo, o Padre Lemaître tinha respaldo nas idéias do matemático russo Alexksandr Friedmann (1888-1925), nas descobertas do astrônomo canadense Edwin Hubble (1889-1953) e era, também, interlocutor contumaz do físico judeu alemão Albert Einstein (1879-1955). As idéias de Lemaître se impuseram. Um de seus seguidores mais ilustres, e mais ferrenho defensor, foi o físico russo naturalizado estadunidense George Gamow, que desenvolveu a Teoria do Big Bang.

Mas a política e a religião têm razões que a física desconhece. No outro lado da Canal da Mancha, talvez sob influências religiosas, a inglesa Brittish Broadcasting Corporation colocou seus microfones à disposição do físico inglês, laico, Fred Hoyle (1915-2001). Hoyle tinha idéias avançadas sobre a evolução do Universo. Avançadas e nada desprezíveis. Um colaborador seu, o físico William Alfred Fowler (1911-1995) recebeu o prêmio Nobel de Física de 1983 exatamente por estudos sobre a formação de elementos químicos no Universo – uma questão relacionada com a formação da matéria escura e conseqüentemente um indício inconfundível da validade das noções semeadas por Fred Hoyle. Hoyle jamais menosprezou os estudos de Lemaître, apenas tinha idéias diferentes. Se lançou o termo “Big Bang”, no calor de um debate com leigos, foi porque achou um simbolismo prático para as idéias de Lemaître – e não para ridicularizá-las. Contudo, no ambiente tumultuado – e nem sempre isento! – dos estúdios de rádio focados no público leigo, o termo foi devidamente trabalhado, possivelmente para se tornar um elemento de desmoralização religiosa de algum segmento. O “Big Bang” tornou-se um adversário de Deus, no entendimento popular. A polêmica infame persiste ainda nos dias de hoje e o nome de Lemaître causa constrangimentos e ocasionalmente risadas. O que é que o Lemaître tinha que ter sido um maldito padre? Por que é que o Lemaître inventou o maldito Big Bang?

Georges Lemaître parece jamais ter cogitado a hipótese de que as suas idéias viessem a ser consideradas “hereges”, como são em certos bolsões subdesenvolvidos. E se cogitou, não se deixou abalar. Foi padre por ser humanista e físico por ter amor à realidade, mas em se tratando dele, pode também ter sido o inverso. Afinal, a verdade pode ser algo bem mais complexo do que uma simples teoria sobre a evolução do Universo. É emblemática esta frase sua: “Existem dois meios de se alcançar a verdade”, disse ele. “Eu decidi seguir ambos”.

Bibllioteca da Universidade de Lueven

Bibllioteca da Universidade de Lueven

Na foto acima vemos a biblioteca da Universidade Católica de Leuven, em cuja Escola de Engenharia Lemaître estudou matemática e física.

._._.

 

4 comentários

2 menções

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    • Vicente Barros em 21/06/2016 às 16:39
    • Responder

    Roca,
    Concordo com você sobre que os jesuítas são notáveis educadores, principalmente porque boa parte de nossa educação foi feita por eles no decorrer de nossa História aqui no Brasil.
    Mas, conheço boas contribuições em pesquisa de outras religiões cristãs. Nacionalmente um grupo que germinou a astrofísica e a radioastronomia no Brasil é de uma universidade presbiteriana. http://www.craam.mackenzie.br/home_craam.html
    Um grande nome da matemática foi o pastor presbiteriano Thomas Bayes https://en.wikipedia.org/wiki/Thomas_Bayes.
    Acredito que são poucas, mas existem outras religiões que fomentam a educação e a pesquisa.

  1. Post brilhante, ROCA!

    Gosto muito de ver quando a religião e ciência andam de mãos dadas e produzem resultados positivos.

    Infelizmente, esses casos são minoria 🙁

    Abraços e parabéns pelo post.

  2. Eu tiro o chapéu pra ese cara, viu Roca. Ele, apesar de religioso, não deixou que a fé cegasse sua razão.
    Aliás, dediquei um post no meu blog sobre este assunto. http://bit.ly/heJpN3

      • ROCA em 20/12/2010 às 20:29

      Jairo,

      Lemaître era um padre jesuíta e os jesuítas são notáveis educadores, matemáticos, físicos, cientistas, etc…

      Eu estudei no Colégio Santo Inácio, jesuíta, e também na Pontifícia Universidade Católica, idem, sei bem como é isso.
      Os jesuítas são exceções… são “pontos fora da curva”.

      Outro exemplo interessante: o observatório Vaticano é coordenado por jesuítas. http://vaticanobservatory.org/

      Desconheço iniciativas como esta em outras religiões… Algum leitor que me corrija citando exemplos e fontes.

  1. […] A primeira, com nome muito sugestivo, é a Eternos Aprendizes. Tem imagens fantásticas do cosmos, além de histórias incríveis, como a que explica a origem do termo The Big Bang – embora ele não tenha batizado, o homem que criou o conceito foi o padre belga Lemaitre. […]

  2. […] as galáxias que se sabia estarem a ser observadas cerca de apenas 800 milhões de anos depois do Big Bang [2]. Os astrônomos não estavam à procura da radiação emitida pelas estrelas, mas sim do fraco […]

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