Metade dos candidatos a exoplanetas gigantes do Kepler são falsos positivos

Esta impressão artística mostra um exoplaneta da classe Júpiter quente 51 Pegasi b, que orbita uma estrela a cerca de 50 anos-luz de distância, na constelação de Pegasus. Este objeto foi o primeiro exoplaneta a ser descoberto em torno de uma estrela tipo Sol em 1995. Vinte anos mais tarde foi também o primeiro exoplaneta a ser detectado diretamente no espectro visível. Créditos: ESO/M. Kornmesser/Nick Risinger (skysurvey.org)

Esta impressão artística mostra um exoplaneta da classe Júpiter quente 51 Pegasi b, que orbita uma estrela a cerca de 50 anos-luz de distância, na constelação de Pegasus. Este objeto foi o primeiro exoplaneta a ser descoberto em torno de uma estrela tipo Sol em 1995. Vinte anos mais tarde foi também o primeiro exoplaneta a ser detectado diretamente no espectro visível. Créditos: ESO/M. Kornmesser/Nick Risinger (skysurvey.org)

Um time [1] internacional de astrônomos, liderado por Alexandre Santerne do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) [2], realizou uma campanha de 5 anos para medir velocidades radiais [3] com o espectrógrafo SOPHIE [4] (Observatory of Haute-Provence na França) e descobriram que 52,3% dos candidatos a exoplanetas gigantes detectados pelo telescópio espacial Kepler (NASA) são na realidade binários de eclipse [5], enquanto que 2,3% são anãs marrons (em Portugal: anãs castanhas) [6].

Alexandre Santerne (IA e Universidade do Porto), o líder do artigo científico [7] comentou:

Pensava-se que a confiabilidade das detecções de exoplanetas do Kepler era muito precisa, entre 10% e 20% não seriam exoplanetas. A nossa extensa pesquisa espectroscópica dos exoplanetas gigantes descobertos pelo Kepler mostra que esta porcentagem é muito mais alta, até acima dos 50%. Isto tem implicações significativas na nossa compreensão da população de exoplanetas no âmbito do Kepler.

Um dos membros da equipe, Vardan Adibekyan (IA e Universidade do Porto) acrescentou:

Normalmente, detectar e caracterizar exoplanetas é uma tarefa difícil, com diversas sutilezas. Com este trabalho, mostramos que mesmo exoplanetas grandes e fáceis de detectar, também não são alvos confiáveis. Em particular, mostramos que menos de metade dos exoplanetas gigantes detectados pelo Kepler estão de fato por lá. O resto são falsos positivos, que resultam de variadas causas astrofísicas.

População selecionada de candidatos a exoplanetas descobertos pelo telescópio espacial Kepler. A profundidade dos trânsitos aparece em função do período orbital. O tamanho de cada marcador é proporcional à magnitude da estrela. Créditos: Santerne et al.

População selecionada de candidatos a exoplanetas descobertos pelo telescópio espacial Kepler. A profundidade dos trânsitos aparece em função do período orbital. O tamanho de cada marcador é proporcional à magnitude da estrela.
Créditos: Santerne et al.

Os trânsitos de exoplanetas gigantes podem ser facilmente imitados por sinais falso-positivos, o que torna essencial uma segunda análise espectroscópica, de modo a confirmar a natureza planetária desses trânsitos e desta forma revelar, por exemplo, sistemas múltiplos.

Susana Barros (IA e Universidade do Porto), pertencente à equipe EXOEarths, comentou:

O Kepler encontrou um grande número de exoplanetas que transitam, até com o tamanho da Terra. Contudo, observações adicionais das velocidades radiais dos candidatos, uma das áreas de especialização do grupo Origem e Evolução de Estrelas e Planetas do IA, é crucial para caracterizar esses sistemas exoplanetários.

A campanha de investigação, que ocorreu entre julho de 2010 e julho de 2015, começou com todos os 8.826 objetos de interesse do Kepler (Kepler Objects of Interest, ou KOI). A amostra foi progressivamente reduzida para 129 KOI’s, em torno de 125 estrelas, ao remover falsos positivos identificados previamente, estrelas demasiado tênues para serem observadas pelo SOPHIE e candidatos com períodos orbitais de mais de 400 dias, para garantir que se conseguiram observar o mínimo de 3 trânsitos.

Alexandre Santerne também pensa que:

Depois de 20 anos explorando planetas jovianos ao redor de outros sóis, ainda temos imensas questões em aberto. Por exemplo, ainda não sabemos quais são os mecanismos físicos que levam à formação de gigantes gasosos com períodos orbitais de apenas alguns dias! Também não percebemos como é que alguns desses exoplanetas estão inchados.

O diâmetro dos exoplanetas gigantes depende da sua atmosfera e do seu interior, com a radiação da sua estrela que aquece sua atmosfera, expandindo-a como um balão de ar quente. Mas a expansão de alguns destes exoplanetas altamente irradiados não consegue ser modelada com processos físicos razoáveis.

Esta pesquisa espectroscópica estabeleceu limites para as massas, que combinadas com os diâmetros determinados graças aos trânsitos [8] detectados pelo observatório espacial Kepler, permitiram o cálculo da densidade destes exoplanetas gigantes. A equipe também descobriu um indício de uma relação entre a densidade destes exoplanetas e a metalicidade das estrelas hospedeiras, mas este resultado precisa ainda de mais confirmações posteriores.

Esta investigação também revelou que os exoplanetas com irradiação moderada não se expandem. Uma caracterização detalhada da estrutura interna destes exoplanetas deve trazer mudanças às teorias de formação e evolução.

Estes resultados foram anunciados na recente conferência Extreme Solar Systems III, no Havaí, EUA, que celebrou 20 anos da descoberta do primeiro exoplaneta em órbita de uma estrela similar ao Sol.

Notas

[1] A equipe de cientistas contou com os seguintes membros: A. Santerne, C. Moutou, M. Tsantaki, F. Bouchy, G. Hébrard, V. Adibekyan, J.-M. Almenara, L. Amard, S. C. C. Barros, I. Boisse, A. S. Bonomo, G. Bruno, B. Courcol, M. Deleuil, O. Demangeon, R. F. Díaz, T. Guillot, M. Havel, G. Montagnier, A. S. Rajpurohit, J. Rey e N. C. Santos.

[2] O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) é a maior unidade de investigação na área das Ciências do Espaço em Portugal, englobando a maioria da produção científica nacional na área. Foi avaliado como “Excelente” na última avaliação que a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) encomendou à European Science Foundation (ESF).

[3] O Método das Velocidades Radiais detecta exoplanetas medindo pequenas variações na velocidade (radial) da estrela, devidas ao movimento que a órbita desses exoplanetas imprime na estrela. A título de exemplo, a variação de velocidade que o movimento da Terra imprime ao Sol é de apenas 10 cm/s (cerca de 0,36 km/h). Com este método é possível determinar o valor mínimo da massa do exoplaneta.

[4] O SOPHIE (Spectrographe pour l’Observation des Phénomènes des Intérieurs stellaires et des Exoplanètes, ou espectrógrafo para a observação de fenômenos no interior de estrelas e de exoplanetas) é um espectrógrafo de alta resolução, com precisão para medir velocidades radiais da ordem dos 2 metros/segundo. Está instalado no telescópio de 1,93 metros do observatório de Haute-Provence (França), o mesmo local onde em 1995 Michel Mayor e Didier Queloz detectaram o primeiro planeta extra-solar em órbita de uma estrela semelhante ao Sol.

[5] Um Binário de Eclipse é um sistema estelar binário, alinhado com a linha de visão do observador. Isto provoca um eclipse, quando uma estrela passa à frente da companheira em um trânsito. Este trânsito pode ser confundido com o trânsito de um exoplaneta gigante.

Ilustração de uma anã marrom (anã castanha). Esses objetos sub-estelares são mais quentes e massivos que os exoplanetas gigantes gasosos, mas não têm massa suficiente para se tornarem estrelas. As suas atmosferas podem ser semelhantes às dos exoplanetas gigantes gasosos. Créditos: NASA/JPL-Caltech

Ilustração de uma anã marrom (anã castanha). Esses objetos sub-estelares são mais quentes e massivos que os exoplanetas gigantes gasosos, mas não têm massa suficiente para se tornarem estrelas. As suas atmosferas podem ser semelhantes às dos exoplanetas gigantes gasosos.
Créditos: NASA/JPL-Caltech

[6] Uma Anã Marron (Anã Castanha), eventualmente designada como “estrela falhada”, é um objeto sub-estelar, sem massa suficiente para iniciar reações de fusão de hidrogênio no seu núcleo. Estão entre os exoplanetas gigantes gasosos e as estrelas anãs classe M (anãs vermelhas). No entanto, o limite que separa os exoplanetas gigantes gasosos das anãs castanhas é ainda alvo de intensos debates. Leia: O que diferencia um exoplaneta gigante de uma anã marrom? Novas pesquisas desafiam os limites teóricos

[7] O artigo “SOPHIE velocimetry of Kepler transit candidates XVII. The physical properties of giant exoplanets within 400 days of period” (arXiv:1511.00643) foi aceito para publicação na revista Astronomy & Astrophysics.

[8] O Método dos Trânsitos consiste na medição da diminuição da luz de uma estrela, provocada pela passagem de um exoplaneta à frente dessa estrela (algo semelhante a um micro eclipse). Através de um trânsito é possível determinar apenas o raio do exoplaneta. Este método é complicado de usar, porque exige que o(s) exoplaneta(s) e a estrela estejam exatamente alinhados com a linha de visão do observador.

Fontes

Phys.org: Half of Kepler’s giant exoplanet candidates are false positives

IA: Metade dos candidatos a exoplanetas gigantes do Kepler são falsos positivos

Artigo Científico

SOPHIE velocimetry of Kepler transit candidates XVII. The physical properties of giant exoplanets within 400 days of period

._._.

1511.00643v1-SOPHIE-velocimetry-of-Kepler-transit-candidates-XVII.-The-physical-properties-of-giant-exoplanets-within-400-days-of-period

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