
Nebulosa protoplanetária
Qual a razão da raridade das estrelas solitárias como o nosso Sol? Para entender disso devemos aprender como os sistemas estelares se formam. Vejamos aqui as conclusões de um recente estudo sobre este tema.
Simulações Computacionais
Ao olhar para o último trabalho de Alan P. Boss e Sandra A. Keiser (Department of Terrestrial Magnetism, Carnegie Institution for Science) nos lembramos o papel crucial que os supercomputadores fazem no tocante aos cálculos astrofísicos. Hoje estamos tão acostumados a estes processos que não damos tanta atenção, mas, imagine onde estaríamos hoje sem esta habilidade de se modelar sistemas gravitacionais em alta escala?
Para entender a formação planetária nós podemos simular um disco protoplanetário em volta de uma estrela jovem e deixar passar um bilhão de anos em um piscar de olhos. Além disso, os modelos têm sido aperfeiçoados, ou seja, podemos colocar o processo em execução com maior fidelidade ao que acontece na natureza.
Para saber o quanto avançamos e quão mais precisas são as técnicas de modelagem sugerimos a leitura do livro: The Copernicus Complex – Our Cosmic Significance in a Universe of Planets and Probabilities (Scientific American/Farrar, Straus e Giroux, 2014) de Caleb Scharf.
Scharf nos conta que na década de 1980 Jacques Laskar (Bureau des Longitudes, Paris), Gerald Sussman e Jack Wisdom (ambos do MIT) desenvolveram aproximações matemáticas que poderiam rastrear mudanças em movimentos orbitais para entender o passado do Sistema Solar. Seu trabalho e a onda de inovação que se sucedeu ajudaram aos cientistas planetários a compreender a divergência exponencial que se observa ao simular períodos de milhões de anos, este sim um fator crucial, explicado por Scharf no livro, de como os movimentos planetários podem ser imprevisíveis:
A física de Newton e suas aplicações por cientistas como Laplace descreviam um universo com o funcionamento de um relógio, uma realidade baseada em leis que sempre levavam você de um ponto A a um ponto B, através do espaço e do tempo. Embora os conceitos de caos e não linearidade fosse bem conhecidos na ocasião em que estes experimentos computacionais numéricos (década de 1980) se realizaram tratando movimentos planetários, esta era a primeira confirmação real que o nosso Sistema Solar não era ‘um relógio’ e muito menos ‘previsível’.
Em outras palavras quando trabalhamos com intervalos de tempo astronômicos, nós começamos a encontrar resultados imprevisíveis em nossas simulações. Estamos observando o caos em ação em sistemas gravitacionais complexos, onde interações menores podem mudar trajetórias inteiras de planetas. A discussão sobre este tema no livro de Scharf celebra a habilidade que os computadores têm em processar modelos destes fenômenos e observar resultados diferentes. Isto é também um lembrete que devemos ser humildes e reconhecer nossas limitações. Devemos considerar que mesmo com informações suficientes nem sempre podemos prever os mesmos resultados…
Aprendendo como as estrelas se formam
O que Alan Boss e equipe modelaram foi a formação de estrelas, usando modelos 3D do colapso de núcleos de nuvens moleculares magnéticas. As simulações detalham como se dá a formação de estrelas em aglomerados de protoestrelas que se separam ao longo do tempo.
O que os cientistas mostram é que os sistemas estelares jovens e as populações de protoestrelas tem uma maior frequência de apresentar sistemas multi-estelares que os sistemas mais antigos. Em outras palavras, muitos sistemas com estrelas singulares como a nossa se originam como restos de sistemas multi-estelares, onde suas estrelas são ejetadas para o espaço para que se atinja a estabilidade. Nas imagens abaixo vemos ilustradas uma simulação em diversos estágios.

A distribuição de densidade no plano central do modelo tridimensional do núcleo de uma nuvem molecular a partir do qual estrelas nascerão. O modelo computa a evolução da nuvem molecular nas escalas do ‘tempo de queda livre’, que é o tempo pelo qual um objeto demora para colapsar através da sua própria gravidade sem a influência de forças externas contrárias. O ‘tempo de queda livre’ é uma métrica comum para as escalas de tempo dos processos astrofísicos. Em (a) o ‘tempo de queda livre’ T é zero, ou seja, trata-se da configuração inicial da nuvem molecular. As demais figuras mostram os estágios subsequentes do colapso: (b) para T = 1,40 (66.080 anos); (c) T= 1,51 (71.272 anos); e (d) T = 1,68 (79.296 anos). O colapso leva um pouco mais neste modelo por causa da presença de campos magnéticos, os quais freiam o processo de queda, mas não são fortes o suficiente para prevenir que a nuvem molecular se fragmente em um sistema com múltiplas protoestrelas (veja figura d). Na simulação as regiões mostradas em (a) e (b) tem cerca de 0,21 anos-luz (2,0 x 10^17 centímetros) de diâmetro enquanto que as regiões exibidas em (c) e (d) tem cerca de 0,02 anos-luz (2,0 x 10^16 cm) de diâmetro. Créditos: Alan Boss e Sandra A. Keiser (Figura 1 do artigo científico)
Alan P. Boss e Sandra A. Keiser nos mostram que quando a nuvem molecular que irá formar um sistema estelar colapsa, a maneira pela qual ela se fragmenta depende da força inicial dos campos magnéticos. Se o campo magnético for forte o suficiente, estrelas singulares emergem, mas a partir de certo nível, mais baixo, a nuvem molecular começa a se fragmentar em múltiplas protoestrelas.
O artigo assinado por Boss e equipe explicou:
Os cálculos produzem aglomerados com massas na faixa de 0,01 a 0,5 M⊙, aglomerados estes que irão continuar a realizar a acreção de massa e interagir gravitacionalmente entre si. Podemos esperar que sistemas múltiplos irão sofrer dramáticas subsequentes evoluções orbitais, através de uma combinação de fusões de objetos e ejeções, seguidas de encontros, resultando finalmente em um aglomerado estelar contendo sistemas hierarquicamente estáveis abrigando múltiplas protoestrelas, sistemas binários e estrelas solitárias. Tal evolução nos parece ser necessária para produzir as estatísticas da quantidade de sistemas binários e sistema múltiplos que observamos em nossa vizinhança solar…
Essas estatísticas são impressionantes. Praticamente dois terços das estrelas distantes até 81 anos-luz da Terra são estrelas binárias ou sistemas com mais de duas estrelas. Além disso, o que nós vemos hoje como estrelas solitárias podem ser, na verdade, estrelas resultantes de ejeções originadas a partir de sistemas múltiplos, ou seja, a formação de binárias em sistemas multi-estrelas parece ser o lugar comum. Isto é interessante porque se desejamos realmente conhecer nosso lugar no Cosmos, então estamos começando a compreender a razão pelas quais os sistemas solares com estrelas solitárias são exceções na nossa galáxia, a Via Láctea.
O artigo intitulado “Collapse and Fragmentation of Magnetic Molecular Cloud Cores with the Enzo AMR MHD Code. II. Prolate and Oblate Cores” foi assinado por Alan P. Boss e Sandra A. Keiser e publicado no The Astrophysical Journal.
Fonte
Centauri Dreams: The Emergence of Solitary Stars
Artigo Científico
._._.
2 comentários
Geraldo Barros
28/10/2014 às 10:16 (UTC -3) Link para este comentário
ROCA muito legal o artigo,
Que interessante eu não sabia disso! Quer dizer que a maioria das estrelas que vemos no céu à noite são na verdade duas estrelas?
Será que isso acontece porque o nosso sol não tem uma massa muito grande? Se ele tivesse 10x mais massa jupiter (na proporção) poderia ter se tornado uma estrela?
ROCA
29/10/2014 às 10:50 (UTC -3) Link para este comentário
A grande maioria dos Sistemas Estelares são compostos por estrelas binárias ou múltiplas.
As estrelas singulares como o nosso Sol são minoria.
O artigo tenta explicar a razão das binárias e múltiplas serem mais comuns.
Não está clara a razão do nosso Sol ser singular. Ou as forças eletromagnéticas impediram de se formar uma segunda estrela ou o Sol foi ejetado de um sistema múltiplo logo no início da formação.
De qualquer forma Júpiter está muito longe (muito mesmo) de uma estrela.
As mais tênues anãs-vermelhas tem 80 vezes (!) a massa de Júpiter (MJ).
As anãs-marrons (estrelas falhadas, que não ‘acenderam’) tem 13 a 80 vezes a massa de Júpiter (MJ). O limite de 13MJ pode variar de acordo com a metalidade da anã marrom, mas o mínimo teórico é 11MJ, para uma altíssima metalicidade.
Como Júpiter sozinho responde por 66% da massa de todos os planetas somados, nosso sistema solar, definitivamente, jamais teve massa disponível para formar um segundo corpo do tipo anã-marrom, muito menos uma estrela anã-vermelha.
Explicações sobre anã-marrons X estrelas estão aqui: http://eternosaprendizes.com/2010/09/09/o-que-diferencia-um-exoplaneta-gigante-de-uma-ana-marrom-novas-pesquisas-desafiam-os-limites-teoricos/
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