
Nesta imagem vemos a galáxia da frente, que atua como lente e que se assemelha à nossa própria Galáxia, a Via Láctea, se esta fosse vista de lado. No entanto, em torno desta galáxia observa-se um anel quase completo, a imagem distorcida de uma galáxia em fusão a formar estrelas que se encontra por trás, muito mais afastada. Esta imagem combina dados do Telescópio Espacial Hubble da NASA/ESA e do telescópio Keck-II no Havaí (que usa ótica adaptativa). Créditos: ESO/NASA/ESA/W. M. Keck Observatory
Através do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) e com suporte de outros telescópios instalados no solo e no espaço, uma equipe internacional de astrônomos obteve a melhor imagem já capturada de uma colisão entre duas galáxias quando o Universo tinha apenas metade da sua idade atual. A equipe usou uma “lupa” do tamanho de uma galáxia para ver detalhes que de outro modo seriam impossíveis de detectar. Este novo estudo da galáxia H-ATLAS J142935.3-002836 mostrou que este objeto complexo e distante se parece com as famosas galáxias Arp 244 (Antennae), uma colisão bem conhecida no grupo local de galáxias.

Este diagrama mostra como é que o efeito de lente gravitacional em torno de uma galáxia normal foca a luz emitida por uma galáxia longínqua, em fusão e a formar estrelas, de modo a criar uma imagem distorcida mas muito mais brilhante. Créditos: ESO/M. Kornmesser
O famoso detetive Sherlock Holmes usava uma lupa para descobrir as pistas quase invisíveis mas importantes dos seus casos. Do mesmo modo, os astrônomos combinaram o poder de muitos telescópios na Terra e no espaço [1] como uma enorme lupa cósmica para estudar um caso de formação estelar vigorosa no Universo primordial.
O autor líder do estudo, Hugo Messias da Universidade de Concepción (Chile) e membro do Centro de Astronomia e Astrofísica da Universidade de Lisboa (Portugal), explicou:
Embora os astrônomos se encontrem normalmente limitados pelo poder dos seus telescópios, em alguns casos a nossa capacidade de observar detalhes é aumentada por lentes naturais criadas pelo Universo. Einstein previu na sua teoria da relatividade geral que, dada bastante massa, a luz não viaja em linha reta mas curva-se, da mesma maneira que a luz é refratada por uma lente normal.
Estas lentes cósmicas são criadas por estruturas massivas como galáxias ou aglomerados de galáxias, as quais defletem a luz dos objetos que se encontram por trás, devido à sua forte gravidade em um efeito chamado lente gravitacional. As propriedades de ampliação deste efeito permitem aos astrônomos estudar objetos que, de outro modo, não seriam visíveis e comparar diretamente galáxias locais com outras muito mais remotas, observadas quando o Universo era significativamente mais novo.
No entanto, para que estas lentes gravitacionais funcionem, a galáxia lente e a que se encontra por trás dela devem estar precisamente alinhadas.
Hugo Messias explicou:
Estes alinhamentos ocasionais são bastante raros e tendem a ser muito difíceis de identificar, no entanto, estudos recentes mostraram que observando nos comprimentos de onda do infravermelho longínquo e do milímetro conseguimos encontrar estes casos de forma mais eficaz.
A H-ATLAS J142935.3-002836 (ou apenas H1429-0028, para simplificar) trata-se de uma destas fontes e foi encontrada pelo rastreamento Herschel Astrophysical Terahertz Large Area (H-ATLAS). Apesar de muito tênue em imagens no visível, esta galáxia encontra-se entre os mais brilhantes objetos encontrados até hoje ampliados gravitacionalmente no infravermelho longínquo, embora o estejamos a observar em uma época em que o Universo tinha apenas metade da sua idade atual.

Nesta imagem vemos a galáxia da frente, que atua como lente e que se assemelha à nossa própria Galáxia, a Via Láctea, se esta fosse vista de lado. No entanto, em torno desta galáxia observa-se um anel quase completo – a imagem distorcida de uma galáxia em fusão a formar estrelas que se encontra por trás, muito mais afastada. Esta imagem combina dados do Telescópio Espacial Hubble da NASA/ESA e do telescópio Keck-II no Hawaii (que usa ótica adaptativa) com dados do ALMA, que mostramos em tons de vermelho. Os dados ALMA deram informação sobre os movimentos do material nas distantes galáxias em fusão e foram cruciais para compreender melhor este objeto complexo. Créditos: ALMA (ESO/NAOJ/NRAO)/NASA/ESA/W. M. Keck Observatory
O estudo deste objeto encontrava-se no limite do que seria possível, por isso uma equipe internacional começou uma campanha de observação de grande magnitude utilizando os telescópios mais poderosos, instalados tanto no solo como no espaço, incluindo o Telescópio Espacial Hubble da NASA/ESA, o ALMA, o Observatório Keck, o Karl Jansky Very Large Array (JVLA), entre outros. Os diferentes telescópios forneceram diferentes informações, que foram posteriormente combinadas e permitiu reunir o melhor conhecimento conseguido até hoje sobre a natureza deste objeto tão invulgar.
As imagens do Hubble e do Keck revelaram um detalhado anel de luz, induzido gravitacionalmente, em torno da galáxia situada em primeiro plano. Estas imagens de alta resolução mostraram igualmente que a galáxia lente é uma galáxia de disco vista de lado, semelhante à nossa própria Galáxia, a Via Láctea, a qual obscurece parte da radiação do campo de fundo devido às enormes nuvens de poeira que contém.
No entanto, este obscurecimento não é problemático nem para o ALMA nem para o JVLA, uma vez que estas duas infraestruturas observam a maiores comprimentos de onda, imunes à poeira. Utilizando os dados combinados, a equipe descobriu que o sistema no fundo se tratava efetivamente de duas galáxias em processo de colisão. A partir desse momento, tanto o ALMA como o JVLA desempenharam um papel fundamental na caracterização do objeto.
Em particular, o ALMA mapeou o monóxido de carbono, o qual permite fazer estudos detalhados dos mecanismos de formação estelar nas galáxias. As observações ALMA permitiram também fazer a medição do movimento do material no sistema de fundo, verificando-se assim que o objeto estava realmente a sofrer colisão galáctica e a formar centenas de novas estrelas por ano. Uma das galáxias em colisão mostra ainda sinais de rotação: uma indicação de que se tratava de uma galáxia em forma de disco antes do encontro.
O sistema destas duas galáxias em colisão assemelha-se a um objeto que se encontra muito mais perto de nós: as Galáxias Antennae. Trata-se de uma colisão espetacular entre duas galáxias, que se pensa que teriam estrutura de disco no passado. Enquanto o sistema Antennae forma estrelas a uma taxa de apenas algumas dezenas de massas solares por ano, a H1429-0028 transforma mais de 400 vezes a massa do Sol em gás em novas estrelas todos os anos.
Rob Ivison, Diretor de Ciência do ESO e coautor do novo estudo concluiu:
O ALMA permitiu-nos resolver esta questão porque nos deu informação acerca da velocidade do gás nas galáxias, informação esta que permitiu separar os diversos componentes, revelando a assinatura clássica de uma colisão de galáxias. Este estudo apanhou a colisão no momento em que esta começa a dar origem a um episódio extremo de formação estelar.
Este trabalho foi apresentado num artigo científico intitulado “Herschel-ATLAS and ALMA HATLAS J142935.3-002836, a lensed major merger at redshift 1.027”, assinado por Hugo Messias et al., publicado online na revista da especialidade Astronomy & Astrophysics em 26 de agosto de 2014.
Nota
[1] Entre os telescópios utilizados neste estudo temos três observatórios do ESO:
Os outros telescópios, redes e rastreamentos usados foram:
- Telescópio Espacial Hubble da NASA/ESA
- Telescópio Gemini South
- Telescópio Keck-II
- Telescópio Espacial Spitzer da NASA
- Jansky Very Large Array
- CARMA
- IRAM
- SDSS
- WISE
Fonte
ESO: Best View Yet of Merging Galaxies in Distant Universe — ALMA applies methods of Sherlock Holmes
Artigo Científico
Herschel-ATLAS and ALMA HATLAS J142935.3-002836, a lensed major merger at redshift 1.027
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