O ALMA investiga ambiente em torno de explosões de raios gama obscurecidas pela poeira cósmica

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Concepção artística do ambiente em torno da explosão de raios gama GRB 020819B, baseada em observações do telescópio ALMA. Créditos: ESO/NAOJ

Observações obtidas com o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) [2] permitiram aos astrônomos mapear diretamente, de forma inédita, o gás molecular e a poeira cósmica em galáxias onde ocorreram explosões de raios gama, as maiores explosões no Universo. Surpreendentemente, observou-se menos gás e muito mais poeira do que o esperado, fazendo com que estas explosões fiquem obscurecidas. Trata-se do primeiro resultado científico do ALMA relativo a observação das explosões de raios gama, evidenciando assim o potencial deste novo telescópio no estudo deste fenômeno.

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Observações da galáxia hospedeira da explosão de raios gama GRB 020819B. As imagens mostram medições na faixa de frequência do rádio do gás molecular (à esquerda) e da poeira (ao centro), ambas obtidas com o observatório ALMA. À direita podemos ver uma imagem na luz visível capturada pelo telescópio Frederick C. Gillett Gemini North. A cruz indica a localização da explosão de raios gama. Créditos: Bunyo Hatsukade (NAOJ), ALMA (ESO/NAOJ/NRAO)

As explosões de raios gama [em inglês: Gamma Ray Burst – GRB] são enormes explosões de radiação, observadas em galáxias distantes. Estes eventos geram os mais brilhantes fenômenos explosivos no Universo. As explosões que duram mais do que alguns segundos são as chamadas explosões de raios gama de longa duração [1] e estão associadas a explosões de supernovas, o fim da vida das estrelas de alta massa.

Em apenas alguns segundos, uma explosão típica de supernova libera mais energia que o nosso Sol ao longo de toda a sua vida de 10 bilhões de anos. A explosão propriamente dita é normalmente seguida por uma emissão de radiação que vai diminuindo gradativamente, conhecida por brilho remanescente. Os cientistas estimam que este brilho pós-evento pode ser causado por colisões entre o material ejetado e o gás circundante.

No entanto, algumas explosões de raios gama não apresentam este brilho remanescente. Os astrônomos as chamam de ‘explosões de raios gama obscuras‘ [ Leia: Astrônomos do ESO esclarecem o mistério das explosões de raios gama obscuras: a presença da poeira cósmica ]. A explicação corrente se baseia na presença das nuvens de poeira circundantes, as quais absorvem esta radiação remanescente.

Nos últimos anos, os cientistas têm estudado diversas galáxias onde ocorrem as explosões de raios gama, no intuito de tentar perceber como é que estes fenômenos se formam. Pensava-se que as estrelas massivas progenitoras das explosões de raios gama se encontrassem em regiões de formação estelar ativa, as quais estariam envoltas por enormes quantidades de gás molecular, o combustível da formação estelar. No entanto, até agora nenhum resultado observacional corroborou esta teoria, mantendo-se assim um mistério de longa data.

Agora, uma equipe japonesa de astrônomos utilizou a rede de antenas do ALMA [2] para detectar a emissão rádio do gás molecular em duas galáxias onde ocorreram estas explosões escuras de raios gama de longa duração, GRB 020819B e GRB 051022, a cerca de 4,3 e 6,9 bilhões de anos-luz de distância, respetivamente. Embora tal emissão de rádio nunca tenha sido previamente detectada nestas galáxias, o ALMA possibilitou esta observação, graças à sua sensibilidade elevada [2].

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Observações da GRB 020819B revelaram um ambiente notavelmente rico em poeira, ao mesmo tempo que foi encontrado gás molecular em torno do centro da galáxia. Créditos: ESO/NAOJ

Kotaro Kohno, professor da Universidade de Tóquio e membro da equipe de investigação que efetuou este trabalho, disse:

Há mais de dez anos que procuramos este gás molecular nestas galáxias, utilizando vários telescópios em todo o mundo. Conseguimos finalmente atingir o nosso objetivo, utilizando o poder do ALMA. Estamos muito entusiasmados com os resultados obtidos. Outro resultado digno de nota, igualmente possível graças à resolução elevada do ALMA [2], foi a descoberta da distribuição do gás molecular e da poeira em galáxias hospedeiras das explosões de raios gama.

Observações da GRB 020819B revelaram um ambiente notavelmente rico em poeira, ao mesmo tempo que foi encontrado gás molecular em torno do centro da galáxia. Esta é a primeira vez que é descoberta uma tal distribuição de material nas galáxias onde ocorrem explosões de raios gama [3].

Hatsukade explicou:

Não esperávamos que as explosões de raios gama ocorressem em meios tão poeirentos, com uma baixa razão de gás molecular relativamente à poeira. Este facto indica-nos que as explosões têm lugar num ambiente completamente diferente da típica região de formação estelar.

Este resultado sugere que as estrelas massivas que morrem com explosões de raios gama mudam o ambiente na sua região de formação estelar antes de explodirem.

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Os cientistas estimam que uma explicação possível para a alta proporção de poeira comparada ao gás molecular no local da explosão de raios gama possa vir da diferença nas reações relativas à radiação ultravioleta. Uma vez que as ligações entre os átomos que formam as moléculas são facilmente quebradas pela radiação ultravioleta, o gás molecular não consegue sobreviver em um ambiente exposto à forte radiação ultravioleta emitida pelas estrelas quentes massivas na região de formação estelar, incluindo a própria estrela que eventualmente explodirá com emissão de raios gama observada. Embora uma distribuição semelhante seja também observada na GRB 051022, este resultado tem ainda que ser confirmado devido à falta de resolução atual (uma vez que a galáxia hospedeira da GRB 051022 está mais afastada do que a da GRB 020819B). De qualquer modo, estas observações do ALMA [4] apoiam a hipótese de que é a poeira que absorve a radiação remanescente, dando origem às explosões de raios gama obscuras.

Hatsukade adicionou:

Os resultados obtidos foram muito além das nossas expectativas. Precisamos agora de fazer mais observações de outras galáxias onde ocorreram GRBs para ver se estas podem ser efetivamente condições ambientais gerais de um local de explosões de raios gama. Aguardamos com muito interesse na sequência deste trabalho, que será executado fazendo já uso das capacidades melhoradas do ALMA. [2]

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19 antenas do ALMA no platô Chajnantor, a 5.000 metros acima do nível do mar. Créditos: (ESO/NAOJ/NRAO)/W. Garnier (ALMA)

Notas

[1] As explosões de raios gama de longa duração, com mais de dois segundos, correspondem a 70% de todas as explosões de raios gama observadas. Avanços na última década mostraram a existência de outra classe destas explosões, que duram menos de dois segundos, as explosões de raios gama de curta duração, que têm muito provavelmente origem na fusão de estrelas de nêutrons, não estando associadas nem a supernovas nem a hipernovas.

[2] A sensibilidade do ALMA nestas observações foi cerca de cinco vezes melhor que a de outros telescópios semelhantes. As observações científicas preliminares do ALMA começaram em 2011 com uma rede parcial de antenas (eso1137). Estas observações foram feitas com uma rede de apenas 24-27 antenas, com separações entre si de, no máximo, 125 metros. A rede completa de 66 antenas (eso1342) oferece grande promessa relativamente ao que o ALMA será capaz de revelar no futuro próximo, quando as antenas estiverem dispostas em diferentes configurações, com distâncias entre si variando de 150 metros até 16 quilômetros.

[3] A proporção de poeira para gás molecular é cerca de 1% no meio interestelar na região da Via Láctea e também em galáxias próximas com formação estelar ativa. Em contrapartida, a proporção é dez ou mais vezes maior na região que rodeia a GRB 020819B.

[4] O Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) é uma infraestrutura astronômica internacional. O sistema de antenas do ALMA é uma parceria entre a Europa, a América do Norte e o Leste Asiático, em cooperação com a República do Chile. O ALMA é financiado na Europa pelo Observatório Europeu do Sul (ESO), na América do Norte pela Fundação Nacional para a Ciência dos Estados Unidos (NSF) em cooperação com o Conselho Nacional de Investigação do Canadá (NRC) e no Leste Asiático pelos Institutos Nacionais de Ciências da Natureza (NINS) do Japão em cooperação com a Academia Sínica (AS) da Ilha Formosa. A construção e operação do ALMA é coordenada pelo ESO, em prol da Europa, pelo Observatório Nacional de Rádio Astronomia (NRAO), que é gerido, pela Associação de Universidades (AUI), em prol da América do Norte e pelo Observatório Astronômico Nacional do Japão (NAOJ), em prol do Leste Asiático. O Observatório ALMA (JAO) fornece uma liderança e direção unificadas na construção, gestão e operação do ALMA.

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A última antena (66ª) do complexo ALMA, entregue para instalação em 30 de setembro de 2013.

Fonte

ESO: Gigantic Explosions Buried in Dust – ALMA probes environment around dark gamma-ray bursts

Artigo científico

Nature: Two gamma-ray bursts from dusty regions with little molecular gas por B. Hatsukade et al.

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