55 Cancri: astrônomos explicam os mistérios do sistema planetário ‘impossível’

Sistema 55 Cancri

Ilustração mostra a estrela classe G (55 Cancri A), seus 4 exoplanetas internos e ao fundo a sua companheira 55 Cancri B, uma pequena anã vermelha que orbita a 1.000 UA de distância.

Ao longo de vários anos os astrônomos tem lutado para explicar como se comportam os exoplanetas que orbitam o sistema binário 55 Cancri (Rho Cancri), que reside a 39 anos-luz de distância na direção da constelação de Câncer. Trata-se de um enorme desafio dada a complexidade intrínseca deste notável sistema estelar.

O que vemos aqui é um sistema binário com uma estrela principal ‘tipo-Sol’ classe G e uma pequena anã vermelha classe M orbitando a uma distância de 1.000 UA [1]. Contudo, ao olhar o diagrama da distribuição dos seus exoplanetas internos ficamos perplexos querendo entender como este sistema se comporta e como vem se mantendo estável por bilhões de anos…

http://science.psu.edu/news-and-events/2014-news/Ford4-2014

Esta ilustração demonstra as distâncias orbitais e tamanhos relativos dos 4 exoplanetas internos do Sistema 55 Cancri, em comparação com os planetas do Sistema Solar interior. Tanto Júpiter quanto o exoplaneta joviano 55 Cancri d estão fora deste diagrama, pois orbitam a uma distância de quase 5 UA [1]. Crédito: Center for Exoplanets and Habitable Worlds, Penn State University

Dada a relativa proximidade de 55 Cancri em relação a Terra, medições diretas permitiram aos astrônomos calcular o diâmetro da estrela classe G central, o que, por sua vez, levou as medições de sua massa, praticamente a mesma que a do nosso Sol (0,95 ± 0,1 M). Tal distância também nos permitiu medir dados importantes sobre grupo interno de exoplanetas.

O sistema estelar 55 Cancri tem sido desde 1997 objeto de numerosos estudos, depois que se descobriu o exoplaneta gigante gasoso 55 Cancri a. Hoje, sabemos da existência de 5 exoplanetas por lá. Destacam-se 55 Cancri a, um gelado gigante gasoso similar a Júpiter não só em tamanho quanto na posição orbital, e a Super Terra 55 Cancri e [4], que orbita extremamente próxima de sua estrela mãe. No início, quando foi descoberta, os astrônomos pensavam que esta Super Terra orbitava em um período de ~3 dias (terrestres). No entanto, novos estudos provaram que 55 Cancri e tem um período bem mais rápido: apenas 17,7 horas! O software desenvolvido por Benjamin Nelson (Penn State University) e Eric Ford (Penn State Center for Astrostatistics) ajudou-os a estimar a massa desta Super Terra em cerca de 8 vezes a massa da Terra [3].

Comparação dos tamanhos entre a Terra e 55 Cancri e que tem o dobro do diâmetro e 8 vezes a massa do nosso planeta.

Comparação dos tamanhos entre a Terra e 55 Cancri e que tem o dobro do diâmetro e 8 vezes a massa do nosso planeta. Crédito: NASA/Spitzer/Caltech

Sabemos também que a Super Terra que transita a estrela a cada 17,7 horas tem o dobro do diâmetro da Terra com uma densidade quase idêntica a do nosso planeta. Obviamente nesta distância curta é impossível que este mundo tórrido possa sustentar qualquer tipo de vida como conhecemos, pois ostenta temperaturas da ordem de 2.300 Kelvin. As simulações computacionais de Nelson e Ford modelam os detalhes de 55 Cancri e do mundos gasosos 55 Cancri b e 55 Cancri c, ambos mais próximos da estrela hospedeira que Mercúrio é do nosso Sol. As técnicas de simulação permitiram entender melhor como objetos tão grandes conseguem orbitar de forma estável, tão perto de sua estrela, sem colidir entre si ou expulsar um destes corpos empacotados nesta apertada região.

Assim, o movimentos dos exoplanetas gigantes gasosos internos devem ser levados em consideração para a medição detalhada das propriedades da Super Terra 55 Cancri e. Ford lembra que a maioria dos estudos anteriores sobre o sistema 55 Cancri ignorava estas interações. Nelson explica a significância de esclarecer os mistérios da estabilidade destas órbitas:

Os dois gigantes gasosos de 55 Cancri interagem de forma tão intensa que podemos detectar a evolução das mudanças em suas órbitas. Essas medidas são excitantes pois nos permitem aprender sobre orbitas que normalmente não são observáveis. Entretanto, as rápidas interações entre os corpos apresentam fortes desafios às modelagens computacionais pois exigem consumo significativo de tempo de processamento para conseguir prever as trajetórias dos exoplanetas e determinar as probabilidades de sobrevivência do sistema por bilhões de anos sem a ocorrência de colisões catastróficas [2].

1.418 observações de alta precisão usando a técnica da velocidade radial a partir de 4 observatórios se juntaram aos estudos dos trânsitos da Super Terra 55 Cancri e para suportar os resultados. A partir destes dados os astrônomos conseguiram prever o comportamento do sistema pelos próximos 100.000.000 de anos. Os cientistas desenvolveram vários modelos que consideraram 4 ou 5 dos exoplanetas à medida que examinavam as instabilidades do sistema, associando o seu trabalho com as medidas por velocidade radial para refinar as massas e os parâmetros orbitais que poderiam produzir soluções dinamicamente estáveis, para solucionar o problema estudado.

O artigo destaca:

Através da combinação de análise estatística rigorosa, modelagem dinâmica e dados observacionais restritivos, nós obtivemos o primeiro modelo dos 5 exoplanetas de 55 Cancri dinamicamente estável.

Outra descoberta notável é que o gigante gasoso 55 Cancri a foi considerado “o exoplaneta mais análogo de Júpiter até hoje” em termos de período orbital e excentricidade.

O artigo científico foi assinado por Nelson et al., intitulado “The 55 Cancri Planetary System: Fully Self-Consistent N-body Constraints and a Dynamical Analysis”, publicado em Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Comparação entre o sistema estelar 55 Cancri e o nosso Sistema Solar. Crédito: NASA/JPL/Caltech

Comparação entre o sistema estelar 55 Cancri e o nosso Sistema Solar. Crédito: NASA/JPL/Caltech

Notas

[1] 1 UA (Unidade Astronômica) é igual a distância da Terra ao Sol, calculada em ~150 milhões de quilômetros.

[2] O que intriga os astrônomos é a capacidade de sustentar esta família estável de exoplanetas empacotados em um complexo sistema estelar com idade estimada em 7,4 a 8,7 bilhões de anos. Para comparar, a idade do Sol é estimada ~4,6 bilhões de anos.

[3] A massa do exoplaneta 55 Cancri e foi estimada neste estudo em 8,09±0,26 M e sua densidade em 5,51±1,321,00 g/cm3. A densidade da Terra é 5,514 g/cm³.

[4] Nomenclatura: a designação formal para o exoplaneta mais interno deveria ser 55 Cancri A e, com os demais exoplanetas nomeados de acordo. Estamos usando aqui as designações do artigo científico, que não traz referência a diminuta e mais distante anã vermelha 55 Cancri B, classe M (massa = 0,13 M), que dista 1.000 UA, uma vez que sua influência gravitacional nos modelo desenvolvidos é desprezível.

Fontes

Centauri Dreams: 55 Cancri A: Stable Orbital Solution

Penn State University: Solved: Mysteries of a Nearby Planetary System’s Dynamics

Artigo Científico

Arxiv.org: The 55 Cancri Planetary System: Fully Self-Consistent N-body Constraints and a Dynamical Analysis

._._.

3 comentários

  1. Falou, falou, falou ,mas não falou o principal: Por quais motivos, tais planetas mantêm-se em orbitas estáveis a despeito de suas curtíssimas distancias entre sí? Falaram de simulações e previsões, mas o bom mesmo que é o porquê, nada.
    Seria devido à massa/gravidade da estrela sobrepujando as interações orbitais entre os corpos? Ou seja, apesar de se empurrarem devido as suas respectivas ressonâncias, acabam voltando ao ponto de partida devido ao arrasto gravitacional de sua estrela associado à velocidade com que orbitam; Afinal, pela lei da inércia qdo um corpo sai de seu ponto inicial, a sua tendência é voltar a sua origem caso não seja sobrepujado por uma força maior, não é ?Seria isso? ou o que?

      • ROCA em 06/05/2014 às 21:46
        Autor

      Oops! Os cientistas mapearam 1.418 observações das velocidades radiais de quatro observatórios, com simulações de computador, revelando que o sistema continuará a ser surpreendentemente estável durante pelo menos outros 100 milhões de anos e você não está satisfeito?

      Leia o artigo para entender como eles fizeram: http://arxiv.org/pdf/1402.6343v2.pdf

      • Denis em 06/05/2014 às 22:17

      Claro que não Roca….conta-se o milagre mas não o santo?
      Entenda meu ressabiamento: a compreensão do porquê isso acontece é de grande valia, pois com um maior conhecimento, isso se aplicaria até mesmo ao nosso próprio sistema solar. Ex: Se o tal motivo for explicado totalmente, poderíamos por exemplo entender as orbitas atuais de nossos próprios planetas, entender a ação gravitacional de todos os corpos daqui, entendendo o porque das orbitas atuais, inclusive poderíamos fazer projeções de distancia entre si de como nosso planetas começaram, evoluíram e aonde parariam. Sei que vc vai dizer: Mas nós já sabemos isso Denis, temos conhecimento, através de cálculos sistemáticos do comportamento dos planetas do nosso sistema solar!Eu respondo: Então porque aquele sistema é regido de forma diferente, sendo que se aqui fosse assim (como lá) teria planeta voando espaço afora; sim, digo isso pois nossos cálculos foram feitos baseados em regras de ressonância, atração gravitacional e afins encontrados aqui e ficou subtendido que se tais regras fossem ligeiramente diferentes, as orbitas não corresponderiam as atuais, tanto que, menciona-se q no futuro, através dessas mesmas regras, a ação gravitacional de Júpiter poderá alterar drasticamente a orbita de mercúrio e lançá-lo em direção a Vênus e até mesmo a nós…entrando nessa mesma lista marte devido a ambos terem orbitas elípticas e excêntricas, e outro motivo é que os próprios cientistas ficaram perplexos ao ver um sistema com tal configuração, já que por ela, tal configuração já teria sido desfeita devido as ressonância entre os corpos e isso não aconteceu e pelo jeito não vai acontecer tão cedo. O que isso significa? Que tem algo faltando em nossa teoria de ressonância orbital, algo falta, pois se não faltasse, não haveria tal configuração e a NOSSA regra seria válida universalmente, porém não é assim, ou seja, TEM ALGO FALTANDO nela..entende?
      Por favor, não me entenda mau, não sou do tipo chato, que contradiz tudo (LONGE, BEM LONGE DISSO)…é que eu sou muito atencioso a detalhes, explicações detalhadas, e gosto de debater fatos interessantes e que possam acrescentar mais ao conhecimento mutuo…Gosto de ser participativo, pois gosto de trocar conhecimento…pq, sem querer te plagiar mas te plagiando, sou um ETERNO APRENDIZ! E o que aprendizes fazem? Perguntas…deduções…observações…ensaios…e por ai vai…e o que ele espera?Feedbacks…corrigindo-o ou atestando-o na veracidade dos fatos.
      entende?
      Abraços!

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