
Imagem: Para ilustrar o efeito temos uma impressão artística que usa a estrela gêmea do Sol sendo eclipsada por uma anã branca a qual distorce e amplifica a luz da estrela maior, mostrando como um sistema binário de ‘auto lente’ poderia ser. Crédito: NASA
As lentes gravitacionais são artefatos cósmicos riquíssimos que nos ajudam a estudar não apenas as galáxias longínquas como também exoplanetas em volta de estrelas da nossa Via Láctea. Como a gravidade distorce o espaço-tempo, a luz, ao passar perto de um objeto massivo, toma o caminho ‘mais curto’ e sob a nossa perspectiva, parece que o raio de luz foi encurvado pelo forte campo gravitacional. Dentro da nossa galáxia este fenômeno é chamado de ‘microlente gravitacional’, capaz de amplificar a luz de um objeto bem mais distante (que visível diretamente) revelando eventualmente um exoplaneta orbitando uma distante estrela. Agora, o observatório espacial Kepler nos revela como funcionam estes efeitos de lentes cósmicas aplicados às estrelas binárias.
Descoberta por um estudante
O estudante de pós-graduação Ethan Kruse, trabalhando em equipe com Eric Agol da Universidade de Washington, descobriu uma ‘auto-lente’ gravitacional em um sistema binário eclipsante onde uma das estrelas é uma anã branca. O estudante fez este achado enquanto buscava por trânsitos nos dados dos arquivos do observatório espacial Kepler, ao pesquisar sobre assinaturas de exoplanetas cruzando em frente de suas estrelas hospedeiras. Vasculhando os dados ele encontrou um curioso trânsito no sistema KOI-3278. Kruse explicou:
Eu encontrei uma distorção que parecia um ‘exoplaneta de cabeça para baixo’. O que se espera de um trânsito é uma queda no brilho da estrela eclipsada, mas o que você vê neste sistema binário é exatamente o oposto: o brilho aumentou, como se fosse um ‘anti-trânsito’.
Em outras palavras, um exoplaneta em trânsito causa uma supressão na luz total da estrela e este efeito é mostrado nas famosas ‘curvas-de-luminosidade’ que assinalam a presença dos tantos mundos descobertos pelo Kepler. O que Kruse viu foi o oposto, um aumento da luminosidade, resultado do trânsito de uma estrela moribunda em frente de outra estrela maior. KOI-3278 é um sistema binário que reside a 2.600 anos-luz de distância da Terra na direção da constelação de Lira.

Gráfico da variação no fluxo de luminosidade de um sistema binário contendo uma estrela classe G tipo-Sol e uma anã branca. Quando a anã branca eclipsa a sua companheira maior, sua gravidade amplifica a luz (“pulse”, na parte inferior do gráfico), fazendo com que a estrela tipo-Sol pareça ligeiramente mais brilhante. Quando a anã branca passa atrás da estrela tipo-Sol ocorre uma ocultação a luz total do sistema diminui (“occultation”, na parte superior do diagrama). Obs.: o diagrama não está ‘em escala’. Crédito: Eric Agol
Agora sabemos que KOI-3278 é composto de um par de estrelas que orbitam em torno do seu centro de massa a cada 88,18 dias (terrestres). Um dos componentes é uma anã-branca. O par orbita separado por uma distância de cerca de 70 milhões de quilômetros (pouco menos da metade da distância da Terra ao Sol, 150 milhões de quilômetros). O acréscimo luminoso é causado pela microlente gravitacional da anã branca ampliando a luz da estrela maior quando a eclipsa. Melhor ainda, o efeito da lente permite aos astrônomos calcular a massa da anã branca em 63% da massa do Sol.
KOI-256: anã vermelha orbita uma anã branca
Há cerca de um ano Philip Muirhead (Caltech) e colegas publicaram suas descobertas, também baseadas em dados do Kepler. Eles reportaram o caso de uma anã branca sendo orbitada por uma anã vermelha classe M. Isso mesmo! Embora a anã vermelha seja bem maior em tamanho que anã branca ela é menos massiva que seu par. KOI-256, a primeira vista, apresentava uma assinatura parecida com a de um exoplaneta gasoso eclipsando uma anã vermelha. No entanto, análises posteriores da velocidade radial dos componentes do Sistema, usando o instrumento Hale no Observatório Monte Palomar, demonstraram que o objeto observado se tratava de uma anã branca. Os dados nos arquivos do Kepler sobre o sistema KOI-256 mostraram também um aumento de luminosidade na ‘curva-de-luz’, similares aos que Kruse descobriu em KOI-3278, embora o efeito de microlente em KOI-256 fosse bem menor que no sistema KOI-3278.
Em ambos os casos, medidas refinadas das massas das anãs brancas foram conduzidas, bem como uma análise mais precisa das massas e temperaturas de ambas as estrelas. Kruse e Agol pensam que este notável fenômeno pode ser usado em observações subsequentes para revelar pormenores mais detalhados, como o tamanho efetivo da anã branca. Assim, eles reservaram tempo no Observatório Espacial Hubble para oportunamente estudarem KOI-3278 de forma mais aprofundada.
Em breve, talvez, vamos achar outros sistemas como este binário para usufruir os efeitos notórios das microlentes. No caso específico de KOI-3278, excepcionalmente, trata-se de um evento repetitivo pois as estrelas orbitam entre si a cada 88,18 dias. Infelizmente, tais repetições periódicas não ocorrem na maioria das observações por microlentes gravitacionais.
O artigo científico sobre KOI-3278 foi assinado por Kruse e Agol, intitulado “KOI-3278: A Self-Lensing Binary Star System,” publicado na Science Vol. 344, No. 6181 (18 April 2014), pp. 275-277 (abstract).
O artigo sobre KOI-256 paper foi assinado por Muirhead et al., intitulado “Characterizing the Cool KOIs. V. KOI-256: A Mutually Eclipsing Post-Common Envelope Binary,” publicado em The Astrophysical Journal Vol. 767, No. 2 (2013), 111 (abstract).
Fontes
Centauri Dreams: Enter the ‘Anti-Transit’
Arxiv.org: KOI-3278: A Self-Lensing Binary Star System
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