ESO bate recorde e localiza o quasar mais distante conhecido

Concepção artística de um Quasar. Crédito: ESO/M. Kornmesser

Grupo multinacional de astrônomos do ESO (Observatório Meridional Europeu) localizou e estudou o quasar mais distante conhecido utilizando o conjunto de supertelescópios “Very Large Telescope” situados no Monte Paranal, deserto de Atacama, Chile. Este ultraluminoso farol cósmico, cujo motor central é movido por um buraco negro supermassivo com uma massa equivalente dois bilhões de vezes a do nosso Sol, passa a ser considerado sem dúvida como o objeto mais brilhante do Universo primitivo.

Farol distante do Universo bebê

“Este quasar é uma importante sonda remanescente do Universo primordial. Trata-se de um objeto extremamente raro que amplia nosso entendimento sobre os buracos negros de massa extrema que surgiram algumas centenas de milhões de anos após o Big Bang”, disse Stephen Warren, o líder do grupo de pesquisadores.

A era da reionização e os quasares

Os quasares são na realidade galáxias ativas muito distantes e extremamente brilhantes cuja luminosidade é fomentada principalmente por vorazes buracos negros supermassivos residentes em seu centro. Seu brilho descomunal os transforma em poderosos faróis que nos informam sobre a época do Universo onde se formaram as primeiras estrelas e galáxias. Este recém-descoberto quasar encontra-se tão afastado que a sua radiação é proveniente da última fase da era da reonização [1].

Observamos o quasar, denominado ULAS J1120+0641 [2], tal como era apenas 770 milhões de anos depois do Big Bang (seu desvio para o vermelho foi calculado z=7,1 [3], quanto maior o valor de z mais distante se encontra o objeto). Assim, sua radiação levou 12,9 bilhões de anos para nos atingir.

Embora objetos mais distantes que o quasar ULAS J1120+0641 já tenham sido observados (tais como a explosão de raios gama GRB 090423 com um desvio para o vermelho z=8,2 (veja em SWIFT detecta o objeto mais distante no Universo visível), e uma galáxia com desvio para o vermelho de z=8,6 (veja em ESO usa o Very Large Telescope para investigar a galáxia mais distante conhecida), este novo quasar é centenas de vezes mais brilhante que estes objetos distantes. Entre os objetos mais brilhantes que permitem estudos em maior nível de detalhe, este quasar é claramente o mais distante.

E o quasar que o ocupa 2º lugar?

Lembramos que o quasar mais distante que está em 2º lugar em distância é observado tal como era 870 milhões de anos depois do Big Bang (seu desvio para o vermelho é z=6,4). Objetos similares mais longínquos não estão disponíveis para se observar em buscas realizadas no espectro luminoso visível, uma vez que a sua radiação, esticada devido à expansão do Universo, situa-se essencialmente na região infravermelha do espectro ao chegar aqui na Terra. O rastreamento cósmico europeu profundo no infravermelho, UKIDSS (sigla do inglês European UKIRT Infrared Deep Sky Survey), que utiliza o telescópio infravermelho do Reino Unido [4], situado no Havaí, foi concebido para resolver a invisibilidade na faixa de frequências ótica (o que nossos olhos conseguem ver) destes objetos longínquos. Uma equipe de astrônomos vasculhou no âmago da base de dados contendo milhões de objetos do UKIDSS no intuito de encontrar aqueles que poderiam ser quasares distantes há muito procurados. Esta busca deu finalmente resultados.

“Demoramos cinco anos para encontrar este objeto,” explicou Bram Venemans, um dos autores deste trabalho. “Estávamos à procura de um quasar com um desvio para o vermelho maior que z=6,5. Encontrar um quasar tão distante, com um desvio para o vermelho maior que z=7, foi uma fantástica surpresa. Este quasar nos permite um olhar profundo dentro da era da reinozação, fornecendo-nos assim uma oportunidade para explorar  uma janela antiga de 100 milhões de anos na história do cosmos, janela essa que se encontrava anteriormente fora do nosso alcance”.

Imagem do quasar mais distante conhecido. O ponto vermelho ao centro da foto é o quasar ULAS J1120+0641. Crédito: ESO/UKIDSS/SDSS

A campanha de observação

A distância ao quasar foi determinada a partir de observações obtidas com o instrumento FORS2 montado no Very Large Telescope do ESO (VLT) e dispositivos montados no Telescópio Gemini Norte [5]. Uma vez que este objeto é relativamente brilhante, foi possível obter um espectro da radiação por ele emitida (o que corresponde a separar a radiação nas suas diversas componentes em função da cor). Esta técnica permitiu aos astrônomos obter interessantes e detalhadas informações sobre este quasar.

Estas observações mostraram que a massa do buraco negro no centro do ULAS J1120+0641 é cerca de dois bilhões de vezes maior que a massa do Sol. Uma massa tão elevada é difícil de explicar em uma época tão primitiva do Universo. As teorias correntes para o crescimento de buracos negros de massa extremamente elevada sugerem um aumento lento da massa à medida que o objeto compacto atrai ferozmente a matéria do seu meio circundante.

“Estimamos que há em todo o céu apenas cerca de 100 quasares brilhantes com desvio para o vermelho maior que 7”, concluiu Daniel Mortlock, o autor líder do artigo científico. “Para encontrar esta galáxia ativa foi necessária uma busca muito minuciosa e demorada, no entanto o resultado compensou o esforço, uma vez que agora poderemos aumentar nosso entendimento sobre alguns dos mistérios do Universo primordial.”

O trabalho foi publicado em artigo científico do exemplar da Nature de 30 de Junho de 2011.

A Equipe

A equipe da campanha foi composta por Daniel J. Mortlock (Imperial College London [Imperial], Reino Unido), Stephen J. Warren (Imperial), Bram P. Venemans (ESO, Garching, Alemanha), Mitesh Patel (Imperial), Paul C. Hewett (Institute of Astronomy [IoA], Cambridge, Reino Unido), Richard G. McMahon (IoA), Chris Simpson (Liverpool John Moores University, Reino Unido), Tom Theuns (Institute for Computational Cosmology, Durham,  Reino Unido e Universidade de Antuérpia, Bélgica), Eduardo A. Gonzáles-Solares (IoA), Andy Adamson (Joint Astronomy Centre, Hilo, EUA), Simon Dye (Centre for Astronomy and Particle Theory, Nottingham, Reino Unido), Nigel C. Hambly (Institute for Astronomy, Edinburgh, Reino Unido), Paul Hirst (Gemini Observatory, Hilo, EUA), Mike J. Irwin (IoA), Ernst Kuiper (Observatório de Leiden, Holanda), Andy Lawrence (Institute for Astronomy, Edinburgh, Reino Unido), Huub J. A. Röttgering (Observatório de Leiden, Holanda).

Notas

[1] A era da reonização:

Cerca de 300.000 anos depois do Big Bang, ou seja, há 13.7 bilhões de anos, o Universo ‘recém-nascido’ tinha esfriado o suficiente para permitir que elétrons e prótons se combinassem formando o hidrogênio neutro (um gás sem carga eléctrica). Este gás escuro frio passou a permear todo o Universo primordial até que as primeiras estrelas se começaram a formar em torno de 100 a 150 milhões de anos mais tarde. A violenta radiação ultravioleta das primeiras gigantescas estrelas (100 a 1.000 vezes a massa do Sol) quebrou lentamente os átomos de hidrogênio, que voltaram ao estado anterior de plasma com seus prótons e elétrons separados, um processo conhecido com a era da reonização, tornando o Universo mais transparente à radiação ultravioleta. Pensa-se que a era da reionização aconteceu entre cerca de 150 a 800 milhões de anos depois do Big Bang.

[2] O objeto ULAS J1120+0641 foi encontrado a partir de dados do UKIDSS Large Area Survey (ULAS). Os números e o prefixo ´J´ referem-se à posição do quasar no céu.

[3] Como a luz viaja pelo Universo a uma velocidade finita, tal resulta em um vislumbre do passado cósmico, isto é, os astrônomos olham para trás no tempo à medida que observam o Universo em distâncias cada vez maiores. A radiação emitida pelo ULAS J1120+0641 levou 12,9 bilhões de anos para chegar aos nossos olhos através dos poderosos telescópios situados sobre a Terra, por isso observamos agora a imagem do quasar quando o Universo tinha apenas 770 milhões de anos de idade. Durante estes 12,9 bilhões de anos o Universo expandiu-se e, devido ao efeito doppler sobre as ondas da radiação emitida pelo quasar, a luz oriunda do mesmo foi esticada, pois esta longínqua galáxia ativa está se afastando em alta velocidade da nossa galáxia. O desvio para o vermelho cosmológico, ou simplesmente desvio para o vermelho, mede a quantidade que o Universo se dilatou entre o momento em que a radiação foi emitida e o momento em que ela chega à Terra.

[4] UKIRT é a sigla do inglês para United Kingdom Infrared Telescope (Telescópio Infravermelho do Reino Unido). É um dispositivo que pertence ao Conselho de Infraestruturas Científicas e Tecnológicas do Reino Unido e é operado pela equipe do Centro de Astronomia Conjunta em Hilo, Havaí.

[5] FORS2 é o acrônimo em inglês para VLT´s FOcal Reducer and low dispersion Spectrograph. As outras ferramenteas usadas para demembrar a radiação do quasar em suas componentes espectrais foram o Gemini Multi-Object Spectrograph (GMOS) e o Gemini Near-Infrared Spectrograph (GNIRS). O Liverpool Telescope, o Isaac Newton Telescope e o UK Infrared Telescope (UKIRT) suportaram também a confirmação das medições feitas nesta campanha de observação.

Fonte

ESO1122 – Most Distant Quasar Found

Artigo Científico

A luminous quasar at a redshift of z=7.085

._._.

12 comentários

1 menção

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  1. Tem como tu postar algum artigo mais completo sobre
    “55 Cancri F”

      • ROCA em 23/07/2011 às 19:10
        Autor

      Vou pesquisar Vitor.

      • ROCA em 25/07/2011 às 18:14
        Autor

      Postei artigo sobre 55 Cancri F.

  2. Adorei esse site, íncrivel! Estão de parabéns pelo conteúdo! Já adicionei o feed de vocês e recomendei no twitter. Adicionem um botão curtir nos artigos para gente poder divulgar.
    Grande abraço e parabéns!

  3. Opa, bom saber dessa atualização. Parabéns e continue com o ótimo trabalho que realiza aqui.

    Abs

  4. Ricardo, muito obrigado pela resposta 🙂

    Eu adicionei o Eternos Aprendizes na minha lista de melhores sites da internet ( ), se houver alguma objeção, por favor, só avisar que eu removo, ok?

    Parabéns pelo blog!

    • jorge moraes em 10/07/2011 às 18:53
    • Responder

    Fico aliviado ao ver novas atualizações neste importantíssimo site: fonte constante de minhas leituras e aprendizado.

    • Vinicius Silva de Souza em 10/07/2011 às 10:11
    • Responder

    Ótimo trabalho! Espero ver mais atualizações nesse site.

      • ROCA em 10/07/2011 às 16:07
        Autor

      Valeu Vinicius pelo apoio e continue nos prestigiando!

  5. Fico feliz em ver que o site voltou a ser atualizado 🙂

    Poderíamos definir um quasar como uma galáxia em formação, que depois de um tempo forma as galáxias como conhecemos? Ou estou equivocado?

      • ROCA em 10/07/2011 às 03:49
        Autor

      Pode-se dizer, em nível macro, que um quasar é uma fase da evolução de uma galáxia massiva. Contudo nem todas as galáxias formam/formaram quasares, pois o buraco negro central deve ser supermassivo! A Via Láctea, como contraexemplo, não possui um buraco negro deste quilate. Provavelmente nossa galáxia jamais foi um quasar, no máximo talvez deve ter tido alguma atividade menos violenta que os quasares no seu centro. Isto vale para galáxias anãs que não formam quasares, obviamente, por carecer de massa para formar este tipo de buraco negro. Repare que a grande maioria dos quasares conhecidos está bem longe de nós, isto é, são fósseis reluzentes de uma época em o Universo era mais jovem.

      Enquanto houver uma quantidade razoável de massa em acresção (espiralando em queda atingindo velocidades altíssimas) pelo buraco negro central a galáxia permanece no seu estado ‘ativo’. No entanto, sabemos, este processo em alguns bilhões de anos pode se encerrar e a galáxia passa a um estado mais ‘comportado’.

  6. O comentário não se refere ao post em questão – embora o assunto também seja interessante.

    Acompanho o blog há bastante tempo e gostaria apenas de parabenizar o autor pelo comportamento didático e paciente ao longo de todo periodo que leio. Se eu tivesse que lidar com a missa-metade dos absurdos que foram postados nos comentários aqui [envolvendo Jesus, ETs, o fim do mundo e teorias da conspiração] teria tido um AVC, mas acho fascinante a capacidade informativa do dono deste espaço que tenta informar e dialogar, mesmo em casos extremos.

    Não entendo nada de astronomia, mas entendo de pesquisa – e adoraria que houvesse, na minha área, alguém disposto a destrinchar a ciência séria para o público como vejo aqui.

    Novamente, parabéns e obrigada!

  1. […] implicação relevante é que estes quasares de “disco espesso” podem abrigar buracos negros que crescem a um ritmo […]

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