Astrofísicos explicam o mistério da inatividade solar de 2008 e 2009

Neste desenho a "Grande Correia Transportadora" (Conveyor Belt, em inglês) aparece como um conjunto de riscos que ligam a superfície estelar com o interior. Crédito: Andrés Muñoz-Jaramillo, CfA de Harvard

Recentemente, durante um prolongado período em 2008 e 2009, o Sol se apresentou praticamente sem as suas manchas solares. Na ocasião os astrônomos ficaram surpresos pois a atividade solar decresceu para os níveis dos mínimos de cem anos, a atmosfera superior da Terra arrefeceu e colapsou, o campo magnético solar se enfraqueceu, permitindo que os raios cósmicos penetrassem o Sistema Solar em quantidade recorde (desde que este evento passou a ser monitorado). A ‘preguiça solar’, contudo, foi um evento notável para os físicos solares que vivenciaram um cenário inédito e indagavam: onde é que foram parar as manchas solares?

Felizmente, o mistério foi agora elucidado e a resposta foi publicada na edição de 3 de março de 2011 na revista Nature.

“As correntes de plasma, internas do Sol, interferiram na formação de manchas solares e prolongaram o mínimo solar,” afirmou o autor líder do artigo, Dibyendu Nandi, membro do Instituto Indiano para a Educação e Pesquisa Científica em Calcutá. “As nossas conclusões se baseiam em um novo modelo computacional que simula o interior do Sol.”

A mecânica solar

Durante anos, os físicos solares têm reconhecido a importância da “Grande Correia Transportadora.” Um vasto sistema de correntes de plasma denominados por ‘fluxos meridionais’ (comparáveis às correntes oceânicas da Terra) que trafegam pela superfície solar, mergulham para o seu interior na região dos pólos e afloram novamente nas proximidades do equador solar. Estas correntes desempenham um papel relevante no ciclo solar que apresenta, em geral, uma duração média de 11 anos. Quando as manchas solares começam a decair, as correntes superficiais varrem os seus restos magnéticos e puxam-nas para dentro da nossa estrela. A 300.000 km sob a superfície solar, o dínamo magnético do Sol amplifica os campos magnéticos decadentes. As manchas solares reanimadas tornam-se flutuantes e sobem até a superfície como uma rolha dentro da água – e voilá! Nasceu um novo ciclo solar.

A equipe liderada por Nandi julga que conseguiu desenvolver um modelo computacional que reproduz os três aspectos físicos mais importantes deste processo:

  1. O dínamo magnético solar;
  2. A “correia transportadora”;
  3. A evolução flutuante dos campos magnéticos das manchas solares.

“De acordo com o nosso modelo computacional, o problema da inatividade solar (o desaparecimento da manchas solares) começou de fato no final da década de 90, durante a ascensão do 23.º Ciclo Solar”, afirmou o co-autor Andrés Muñoz-Jaramillo do Centro Harvard-Smithsonian para a Astrofísica. “Nessa altura, o cinturão de transporte aumentou a sua velocidade.”

A “correia transportadora” rapidamente arrastou os corpos das manchas solares na direção do dínamo interior do Sol para o processo amplificação. À primeira vista, isto poderia parecer que iria incrementar a produção de manchas solares, mas não foi isso que ocorreu. Quando os cadáveres das manchas solares chegaram ao dínamo, estas “cavalgaram” o cinturão através da zona de amplificação demasiadamente rápido para que ocorresse uma completa regeneração (amplificação). Assim, a produção de manchas solares não cresceu naquela ocasião.

Mais tarde, na década de 2000, e de acordo com o modelo, o cinturão de transporte diminuiu novamente sua velocidade, permitindo que os campos magnéticos permanecessem mais tempo na zona de amplificação, mas nesta altura o ‘dano’ já estava feito. As novas manchas solares surgiam em pequenas quantidades. Além disso, o lento movimento do cinturão pouco contribuiu para ajudar à regeneração das manchas solares, em sua viagem de volta à superfície, atrasando sobremaneira o início do 24.º Ciclo Solar.

Desta forma, “o cenário estava montado para presenciarmos o mínimo solar mais profundo dos últimos 100 anos”, afirmou o co-autor Petrus Martens do Departamento de Física da Universidade Estatal do Montana, EUA.

Ciclos solares ao longo dos últimos 100 anos. A curva azul mostra a variação cíclica no número de manchas solares. As barras vermelhas mostram o número acumulado de dias sem manchas solares. O mínimo do 23.º ciclo solar foi o maior da era espacial, com o maior número de dias sem manchas solares. Crédito: Dibyendu Nani et al.

Os colegas e os adeptos da equipe concordam que este novo modelo traz um avanço científico muito importante.

“Compreender e prever as características do mínimo solar é algo que nunca tínhamos sido capazes de fazer e, afinal de contas, trata-se de um conhecimento muito importante,” ressaltou Lika Guhathakurta, membro da Divisão do Instituto de Heliofísica da NASA em Washington, EUA.

Enquanto o Máximo Solar é usualmente curto, dura apenas alguns anos e é pontuado por episódios de proeminências violentas, que duram poucos dias, o Mínimo Solar pode se arrastar por muitos anos. O famoso e misterioso Mínimo de Maunder, ocorrido no século XVII, durou 70 anos e coincidiu com o período mais intenso da Pequena Idade do Gelo da Europa. Os investigadores ainda hoje buscam o entendimento sobre a correlação entre estes dois marcantes eventos.

As anomalias causadas pelo mínimo prolongado

Os astrônomos percebem claramente que durante longos mínimos acontecem fenômenos estranhos. Em 2008-2009, o campo magnético global do Sol se enfraqueceu e o vento solar diminuiu consistentemente. Os raios cósmicos, normalmente impedidos de entrar em grandes quantidades dentro do sistema solar por causa da barreira imposta pelo poderoso campo magnético solar, afluíram livremente e perigosamente até ao Sistema Solar interior. Durante o mais profundo mínimo solar dos últimos 100 anos, o espaço tornou-se um local proibitivo para os astronautas. Além disso, a ação aquecedora dos raios ultravioleta (UV), normalmente fornecida pelas manchas solares, esteve reduzido e por isso a atmosfera superior da Terra começou a arrefecer e a colapsar. Conseqüentemente, o lixo espacial passou a demorar mais tempo a cair (pela ausência do atrito com as camadas externas) e começou a acumular-se na órbita da Terra. E assim por diante…

Nandi nota que o seu novo modelo computacional explica não só a ausência das manchas solares mas também o campo magnético enfraquecido em 2008 e 2009. “É a confirmação que estamos no bom caminho para a compreensão do fenômeno.”

Durante a manior parte do tempo, em 2008 e 2009, o Sol se aprensentou incólume, sem manchas, como na imagem acima capturada em 27 de setembro de 2008. Crédito: SOHO/MDI

Quais são os próximos passos? A sonda SDO (Solar Dynamics Observatory) da NASA pode medir os movimentos do cinturão transportador solar, não só na superfície mas também no seu interior. A técnica é apelidada de heliosismologia e revela o interior do Sol de modo parecido aos ultrasons em numa ecografia. Ao relacionar os dados da SDO com o novo modelo computacional, os cientistas poderão ser capazes de prever como serão os mínimos solares. No entanto, a SDO está a apenas começando e por isso as previsões têm que esperar.

De fato, muito trabalho nos resta ainda por fazer, mas, afirmou Guhathakurta, “finalmente, estamos agora desvendando o mistério do Sol sem manchas”.

Fontes

NASA: Researchers Crack the Mystery of the Spotless Sun

Artigo Científico

Nature: The unusual minimum of sunspot cycle 23 caused by meridional plasma flow variations

._._.

6 comentários

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  1. Gostaria de saber a opinião de vocês sobre esse artigo:
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    Site estadunidense alega que a NASA está escondendo informações sobre um evento espacial catastrófico
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    Não querendo causar pânico generalizado, ou algo similar, mas após nosso post anterior sobre as manobras militares da OTAN e da declaração recente de Barrack Obama, achamos propício trazer a seguinte notícia, publicada no site recognizereality.com, dia 29 de maio passado. Vamos simplesmente chamar o dia de hoje de “dia do alerta”.
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    A NASA e a Agência Espacial Européia (ESA) têm alertado o mundo pelos últimos dois anos de catástrofes que podem afetar a Terra durante o final de 2011 e por 2012.
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    Chamando isso de ‘super eventos únicos de tempestade solar ‘, a NASA alerta que chamas solares podem atingir a Terra e derrubar a infraestrutura tecnológica do hemisfério norte, levando todos aos níveis tecnológicos do final do século XIX. (Interessante que para eles só existe tecnologia no hemisfério norte)
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    A Rússia também tem se preocupado com a situação. E agora, um eminente astrofísico, Alexey Dmitriev, alega que o que está acontecendo é muito pior do que a NASA e a ESA admitem.
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    Cientistas da NASA descobriram em 14 de julho de 2010 que nosso sistema solar está passando por uma nuvem de energia interestelar. Esta nuvem de gás, que é altamente energizada, e está perturbando e atrapalhando o Sol. Em conjunto com o já enfraquecido escudo magnético da Terra, o mundo está se tornando indefeso contra estas erupções solares, bem como contra a intensa radiação.
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    A NASA, a ESA e a Academia Nacional de Ciência dos EUA emitiram um alerta de tempestades solares para 2012, sem precedentes. Mas o que a NASA e o governo dos EUA estão escondendo, de acordo com Dmitriev, é que o Sol — bem como todos os corpos de nosso sistema solar — mergulhou numa nuvem de fótons desconhecida… um cinturão de perigo que poderá precipitar explosões solares gigantescas, anomalias magnéticas, adernando cometas e desestabilizando as órbitas de alguns asteróides.
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    O Dr. Dmitriev revelou que tanto a sonda Voyager 1, quando a Voyager 2 relataram que nosso sistema solar está correndo risco. E mais, Merav Opher, uma investigadora heliofísica da Universidade George Mason, convidada pela NASA, diz que a nuvem de energia interestelar é instável e turbulenta.
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    Coincidentemente, anteontem, tivemos notícia em várias emissoras de TV em rede nacional brasileira de que o Sol teve uma erupção gigantesca. Veja o seguinte link: .
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    O que devemos esperar disso? Há uma possibilidade de perda da tecnologia avançada (pois estas tempestades poderão afetar os equipamentos eletrônicos), super-tempestades poderão ocorrer por todo o planeta, poderá ser dado início a outra era do gelo, bem como aumentarão as incidências de terremotos e atividades vulcânicas, tsunamis e exposição da Terra aos raios radioativos.
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    Em resumo, as pessoas que têm insistido a respeito de eventos catastróficos para os próximos anos podem não estar muito longe da verdade. Se Alexey Dmitriev estiver correto, os eventos que poderão ocorrer em 2012 podem ser sim extraordinários ao ponto de colocar em risco nossa civilização.

      • ROCA em 20/06/2011 às 21:12
        Autor

      Trata-se de artigo alarmista totalmente sem fundamento. Desconsidere! São um monte de mentiras para enganar os leigos!

  2. Muito bom o tema apresentado e os comentários.

    Estou passando pra deixar registrado uma novidade sobre a sonda messenger, que enviou no dia 31 de março mais de 360 imagens. Segundo alguns sites, e jornais, a Nasa irá apresentar outras fotos hoje (6 de abril) à imprensa.

    Desculpe está fugindo do tema aqui debatido, mas é uma notícia muito legal e importante.

    Abraço ao Ricardo e todos.

  3. Tenho uma pergunta tbm: afinal, as manchas solares são os mocinhos ou os vilões da história? Fazem bem ou mal pra nós???

    Quanto ao comentário da Lena, eu creio que isso é fake. A imagem eu já tinha visto em outro site e com certeza é montagem. O vídeo deve ser alguma falha na lente da câmera, pq se fosse outra estrela elas não apareceriam tão próximas assim uma da outra, as luzes se fundiriam. E tbm Betelgeuse não é pq ela ainda é uma Gigante Vermelha e não poderá explodir em Super Nova dentro de mil anos. Ainda que tivesse explodido, sua magnitude seria como a de, no máximo, uma Lua cheia, e não como a do Sol; e tbm, hoje ela já teria desaparecido de Órion.

      • ROCA em 15/03/2011 às 21:12
        Autor

      Excelente pergunta e a resposta, incrivelmente, é AMBOS !!!

      Mocinhos?

      Sim, a existência das manchas solares e a atividade solar em si estimula a sustentação do campo magnético solar, que é gigantesco e protege a Terra (e os demais planetas) dos perigosos `raios cósmicos` que permeiam a nossa galáxia. Raios cósmicos não são propriamente `raios`. Raios cósmicos são partículas iônicas (ex.: um próton) hiper-acelerada (velocidades relativísticas).

      Bandidos?

      A atividade solar intensa é vilã quando gera tempestades solares, explosões solares (solar flares), etc… Estas tempestades são nocivas aos nossos satélites. O vento solar é responsável pela erosão atmosférica (por que Vênus não tem água?). Radiações solares podem ser mortais aos astronautas que se aventuram fora do campo magnético terrestre. Felizmente o Sol é uma estrela pacata e a atmosfera terrestre mais a magnetosfera nos protege eficazmente das ameaças solares.

      Não é isso que encontramos em outras estrelas, não só as mais massivas e mas também as menores que o Sol. As estrelas gigantes são perigosas por serem variáveis (seu brilho varia periódicamente de maneira ostensiva) e as estrelas pequenas (anãs-vermelhas) também são inóspitas por serem instáveis. Uma anã vermelha `em crise` pode variar seu brilho em 40% por alguns minutos…. coitados dos habitantes dos exoplanetas que orbitam anã-vermelhas (em zona habitável, é claro)… Tem que sair correndo para se proteger….

  4. Achei muito interessante esse post. Mas tenho algumas dúvidas, esse mínimo solar prolongado poderia causar um máximo solar prolongado ou um ciclo mais ativo do que costumamos ter? Superando, por exemplo, o pico de 2003?
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    Ouitra dúvida sem muito a ver com o post, mas ainda relacionado ao Sol é sobre o “segundo sol” avistado na China. Aparentemente filmado pelos jornais chineses.
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    http://sp3.fotolog.com/photo/51/11/98/bricioslim/1286595000920_f.jpg <- Imagem
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    Achei estranho não ver nada a respeito aqui, já que até de 2012 vocês falaram.
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    Algumas teorias são: Miragem, Montagem, Beltegeuser, Nibiru/Tyche.
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    Eu não achei nada em jornais ao redor do mundo. Como aqui é sempre o melhor lugar para saber a VERDADE. Queria saber qual a opinião de vocês sobre esse "fenômeno".
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    Abraços e parabéns pelo bom trabalho.

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