Descoberta de Cefeida em sistema binário eclipsante elucida mistério astronômico

Ilustração do sistema binário eclipsante OGLE-LMC-CEP0227 onde uma das estrelas é uma variável Cefeida. Esta descoberta permitiu o refinamento do cálculo da massa da Cefeida, elucidando discrepâncias nas teorias existentes. Crédito: ESO/L.Calçada

Ao descobrir o primeiro sistema binário onde uma estrela tipo Cefeida variável pulsante e outra estrela transitam, passando em frente uma da outra, uma equipe internacional de astrônomos esclareceu um mistério que perdurava há décadas. O alinhamento raro das órbitas das duas estrelas estudadas permitiu fazer uma medição da massa da Cefeida com uma precisão inédita. Até antes desta descoberta, os astrônomos dispunham de duas previsões teóricas incompatíveis para a provável massa das Cefeidas. Este novo resultado mostra que a previsão oriunda da teoria da pulsação estelar é a correta, enquanto que a estimativa feita a partir da teoria de evolução estelar não se alinha com as novas observações.

Descoberta importante elucida discrepância nas duas teorias que estimam a massa das Cefeidas!

Grzegorz Pietrzyński resume esse resultado extraordinário: “Utilizando o dispositivo HARPS instalado no telescópio de 3,6 metros no Observatório de La Silla do ESO, no Chile, juntamente com outros telescópios, medimos a massa de uma estrela Cefeida com uma precisão muito maior do que qualquer estimativa anterior. Este novo resultado permite-nos dizer imediatamente qual das duas teorias existentes e conflitantes utilizadas para prever a massas das Cefeidas está correta.”

As “estrelas variáveis clássicas Cefeidas”, normalmente conhecidas apenas por Cefeidas, são estrelas instáveis mais massivas e muito mais brilhantes do que o Sol [1]. Expandem-se e contraem-se de forma regular, levando desde cerca de alguns dias até alguns meses para completar o ciclo de variação de luminosidade. O tempo que levam a tornarem-se mais luminosas e depois reduzir seu brilho é mais longo para as estrelas que são mais luminosas e mais curto para as que são menos brilhantes. Esta relação tão extraordinariamente precisa permite que as Cefeidas se tornem “velas-padrão” cósmicas, isto é, a medição das Cefeidas é um dos métodos mais eficazes de medição de distâncias das galáxias próximas e a partir daí também auxiliam no mapeamento da escala de todo o Universo [2].

Infelizmente, apesar da sua importância, as Cefeidas ainda não eram completamente compreendidas. A previsão do cálculo de suas massas derivada da teoria das estrelas pulsantes era 20-30% menor que a estimativa feita utilizando a teoria de evolução estelar. Esta discrepância é conhecida desde a década de 1960.

Para resolver este mistério, os astrônomos precisavam encontrar uma estrela dupla que contivesse uma Cefeida e cuja órbita estivesse diretamente alinhada para a Terra. Nestes casos, conhecidos como binários eclipsantes, o brilho conjunto do par diminui tanto quando uma das companheiras passa em frente da outra quanto também quando passa por trás. Assim, os astrônomos poderiam determinar, para estes pares, as massas dessas estrelas com elevada precisão [3]. Infelizmente, nem as estrelas Cefeidas nem os binários de eclipse são fenômenos comuns, por isso a hipótese de encontrar um par de objetos com estas duas características parecia muito pequena. Na realidade, não se conhece nenhuma estrela variável Cefeida que pertença a um sistema binário eclipsante dentro da Via Láctea.

As revelações científicas que um sistema binário nos proporciona

Wolfgang Gieren, outro membro da equipe, continua: “Recentemente, encontramos efetivamente o sistema binário pelo qual ansiávamos na galáxia Grande Nuvem de Magalhães. Este sistema binário contém uma estrela variável Cefeida que pulsa cada 3,8 dias. A outra estrela é ligeiramente maior e mais fria e as duas estrelas orbitam em torno do seu centro de massa no período de 310 dias. A verdadeira natureza de binário deste objeto foi imediatamente confirmada assim que o observamos com o espectrógrafo HARPS em La Silla.”

Os observadores mediram cuidadosamente as variações de brilho deste objeto raro, conhecido como OGLE-LMC-CEP0227 [4], à medida que as duas estrelas orbitavam e passavam em frente uma da outra. Foram utilizados tanto o HARPS quanto outros espectrógrafos para medir os movimentos das estrelas em direção à Terra e também o afastamento desta, ou seja, tanto o movimento orbital das duas estrelas como o movimento de vai-e-vem da superfície da Cefeida à medida que se expande e se contrai.

A partir deste conjunto de dados completo e detalhado os astrônomos determinaram o movimento orbital, os tamanhos e as massas das duas estrelas com enorme precisão – muito superior ao que tinha sido medido anteriormente para uma Cefeida. A massa da Cefeida é agora conhecida com erro inferior a 1% e está completamente de acordo com as previsões feitas a partir da teoria das pulsações estelares. Em contraste, a maior massa prevista pela teoria de evolução estelar foi considera significativamente errônea.

A estimativa muito mais apurada da massa é apenas um dos diversos resultados deste trabalho. A equipe espera encontrar outros exemplos destes pares de estrelas bastante úteis de modo a explorar melhor este método. A equipe pensa também que a partir destes sistemas binários irá eventualmente conseguir determinar a distância à Grande Nuvem de Magalhães com precisão da ordem de 1%, o que significará  uma melhoria considerável no dimensionamento das escalas de distâncias cósmicas.

Os novos resultados da equipe liderada por Grzegorz Pietrzyński (Universidade de Concepción, Chile, Obserwatorium Astronomiczne Uniwersytetu Warszawskiego, Polônia) serão publicados no número de 25 de novembro de 2010 da revista Nature.

A equipe foi composta por G. Pietrzyński (Universidade de Concepción, Chile, Obserwatorium Astronomiczne Uniwersytetu Warszawskiego, Polônia), I. B. Thompson (Carnegie Observatories, USA), W. Gieren (Universidade de Concepción, Chile), D. Graczyk (Universidade de Concepción, Chile), G. Bono (INAF-Osservatorio Astronomico di Roma, Universita’ di Roma, Itália), A. Udalski (Obserwatorium Astronomiczne Uniwersytetu Warszawskiego, Polônia), I. Soszyński (Obserwatorium Astronomiczne Uniwersytetu Warszawskiego, Polônia), D. Minniti (Pontifícia Universidade Católica do Chile) e B. Pilecki (Universidade de Concepción, Chile, Obserwatorium Astronomiczne Uniwersytetu Warszawskiego, Polônia).

Notas

[1] As primeiras estrelas Cefeidas variáveis foram descobertas no século XVIII e as mais brilhantes podem ser vistas facilmente a olho nu a variar de noite para noite. O seu nome vem da estrela Delta Cephei na constelação de Cefeu, a qual foi vista pela primeira vez a variar  por John Goodricke em Inglaterra, em 1784. Curiosamente, Godricke foi também o primeiro a explicar as variações de brilho noutro tipo de estrela variável, os binários de eclipse. Neste último caso, temos duas estrelas em órbita uma da outra passando, em frente uma da outra durante parte das suas órbitas, o que leva a que o brilho total do par diminua. O sistema estelar raro estudado agora contém ao mesmo tempo uma Cefeida e um binário de eclipse. As Cefeidas clássicas são estrelas de grande massa, diferentes de estrelas pulsantes similares de menor massa que não partilham a mesma história de evolução.

[2] A relação período-luminosidade das Cefeidas, descoberta por Henrietta Leavitt em 1908, foi usada por Edwin Hubble nas primeiras estimativas das distâncias ao que nós hoje sabemos serem galáxias. Mais recentemente, estrelas Cefeidas foram observadas tanto pelo Telescópio Espacial Hubble quanto pelo VLT do ESO no Paranal para calcular estimativas muito precisas das distâncias a diversas galáxias vizinhas.

[3] Em particular, os astrônomos podem determinar as massas das estrelas com maior precisão, se ambas parecem ter brilhos semelhantes e, além disso, se as riscas espectrais pertencentes a cada uma delas podem ser observadas conjuntamente no espectro de ambas, como foi observado neste cenário. Isto permite a medição dos movimentos das duas estrelas no seu vai-e-vem em relação ao nosso ponto de vista aqui na Terra, usando o efeito Doppler como ferramenta.

[4] O nome OGLE-LMC-CEP0227 deriva do fato da estrela ter sido descoberta como variável pela primeira vez na busca de microlentes gravitacionais OGLE. Mais informação sobre OGLE encontra-se disponível  em http://ogle.astrouw.edu.pl/.

Fonte

ESO: Pulsating Star Mystery Solved

Artigo científico na Nature

The dynamical mass of a classical Cepheid variable star in an eclipsing binary system Autores: G. Pietrzyński, I. B. Thompson, W. Gieren1, D. Graczyk, G. Bono, A. Udalski, I. Soszyński, D. Minniti & B. Pilecki

._._.

2 comentários

2 menções

  1. Cara, muito bom teu site!
    Estou realmente maravilhada em poder encontrar tanta coisa interessante em um único lugar!!!
    Tenho duas perguntas:
    1ª O período da Cefeida é realmente proporcional à sua luminosidade?

    2ª Por que não tem uma foto tua no site???

    🙂

      • ROCA em 26/11/2010 às 12:19
        Autor

      Obrigado, Sarah!

      Quanto as perguntas, vamos lá!

      1ª O período da Cefeida é realmente proporcional à sua luminosidade?

      SIM. Nos anos 1910 – 1920, a astrônoma Henrietta Swan Leavitt (Universidade de Harvard) notou a presença de diversas cefeidas na galáxias vizinhas Nuvens de Magalhães. Leavitt observou que o período dessas cefeidas é proporcional ao seu brilho. Leawitt formulou uma relação entre o período de variação e a luminosidade aparente dessas estrelas notáveis.

      2ª Por que não tem uma foto tua no site???

      Já tem.

  1. […] Earth’ de MIKE OLDFIELD, é isso que quero dizer. Temos que esperar por Cepheid (homenagem as estrelas variáveis Cefeidas), a faixa número 6, para ouvirmos alguma bateria eletrônica em uma melodia que lembra também o […]

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