Como reage a misteriosa química gelada na lua Europa?

Zoom na superfície congelada da lua Europa de Júpiter. Crédito: NASA/

Zoom na superfície congelada da lua Europa de Júpiter. Crédito: NASA

A frígida camada de gelo da lua de Júpiter, Europa, pode estar escondendo mais do que um oceano presumido: possivelmente pode estar acontecendo uma rápida reação química entre a água e o dióxido de enxofre (SO2) em temperaturas extremamente baixas. Sabemos que estas moléculas reajem facilmente com líquidos (são os ingredientes bem conhecidos que geram chuva ácida na atmosfera terrestre, o ácido sulforoso, através da reação H2O + SO2 H2SO3). Agora, Mark Loeffler e Reggie Hudson do Centro Aeroespacial Goddard da NASA em Greenbelt, Maryland, EUA, anunciaram que este composto químico também reage com gelos em surpreendente velocidade e alto rendimento sob temperaturas centenas de graus abaixo do ponto de congelamento. Dado que esta reação ocorre normalmente sem a ajuda da radiação, ela pode estar acontecendo por todo o espesso manto de gelo de Europa. Esta é uma hipótese que pode reavivar o pensamento atual sobre a química e geologia de Europa e talvez até de outras luas galileanas (Ganimedes e Calisto).

Europa segundo a sonda Galileo. O quadro mostra as regiões escuras e fraturadas de Thera e Thrace. Crédito: Projeto Galileo, Univ. Arizona, JPL, NASA

“Quando se fala sobre a química de Europa, normalmente se discutem as reações causadas pela presença da radiação”, afirmou Mark Loeffler, cientista do Centro Goddard, autor principal do artigo publicado na revista Geophysical Research Letters. Isto porque a temperatura da lua varia entre os 86K e 130K (-187ºC e -143ºC). Neste frio extremo, a maioria das reações químicas necessitam de uma infusão de energia a partir de radiação ou luz. Em Europa, a energia vem das partículas ionizadas das cinturões de radiação de Júpiter. Dado que a maioria destas partículas penetra apenas poucos centímetros dentro da superfície, os modelos da química de Europa em geral param por aí.

“Por baixo do manto superficial de Europa a crosta está fria e sólida. Normalmente não esperamos que as coisas aconteçam muito rápido nestas condições,” explicou o co-autor Reggie Hudson, também de Goddard.

“Mas com a química que descrevemos,” afirmou Loeffler, “podemos ter gelo com uma espessura de 10 ou 100 metros e se houver uma mistura de dióxido de enxofre, uma reação poderá ocorrer.”

“Este é um resultado vital para o entendimento do comportamento da química e da geologia da crosta congelada de Europa,” afirmou Robert E. Johnson, especialista planetário em química induzida por radiação e professor da Universidade da Virgínia em Charlottesville, EUA.

O enxofre de Io e a química em Europa

A partir de observações remotas, os astrônomos já têm a confirmação de que existe enxofre no gelo de Europa. O enxofre, proveniente das explosões dos vulcões da lua de Júpiter, Io, torna-se ionizado e é transportado para Europa, onde fica embebido no gelo. Enxofre adicional poderia vir do vasto oceano residente sob a crosta de gelo de Europa. “Entretanto,” salientou Johnson, “o destino do enxofre implantado ou de qualquer enxofre sob a superficie de Europa não é bem compreendido e depende da geologia e da química da crosta gelada.”

Em experiências que simularam as condições em Europa, Loeffler e Hudson pulverizaram vapor de água e dióxido de enxofre em espelhos com o tamanho de moedas numa câmara de vácuo. Dado que os espelhos estavam a uma temperatura entre 50K e 100K (-223ºC e -173ºC), os gases imediatamente condensaram-se como gelo. À medida que a reação prosseguia, os investigadores usaram espectroscopia infravermelha para observar a diminuição das concentrações de água e dióxido de enxofre e o aumento nas concentrações dos íons positivos e negativos.

Apesar do frio extremo, as moléculas reagiram rapidamente nas suas formas geladas. “A 130K (-143ºC), que representa o extremo morno das temperaturas esperadas em Europa, esta reação é praticamente instantânea,” afirmou Loeffler. “A 100K (-173ºC), podemos saturar a reação em 12 a 24 horas. Se isso não nos soa rápido, devemos nos lembrar que em escalas de tempo geológicas – bilhões de anos – 24 horas é muito mais rápido que um piscar de olhos.”

Experiência em laboratório reproduziu as condições criogênicas de Europa

Para testar a reação, os investigadores acrescentaram dióxido de carbono (CO2) congelado, também conhecido como gelo seco, normalmente encontrado nos corpos gelados do Sistema Solar, incluindo Europa. “Se o dióxido de carbono congelado tivesse bloqueado a reação, não estaríamos tão interessados,” explicou Hudson, “porque aí a reação provavelmente não seria tão relevante para a química de Europa. Seria apenas uma curiosidade laboratorial.” Mas a reação continuou, o que significa que é relevante em Europa bem como nas luas Ganimedes e Calisto além de outros locais onde água e o dióxido de enxofre (SO2) estão presentes.

A reação converteu um quarto até quase um terço do dióxido de enxofre (SO2). “Foi um rendimento inesperadamente alto para esta reação química,” afirmou Loeffler. “Nós teríamos ficado contentes com apenas 5%.” Adicionalmente, estimamos que os íons positivos e negativos produzidos reagem depois com outras moléculas. Isto pode levar a uma química intrigante, especialmente porque o bissulfito (HSO3, sulfito de hidrogênio, conforme a nomenclatura da IUPAC), um tipo de íon de enxofre, juntamente com outros produtos desta reação, são refratariamente estáveis o suficiente para aí permanecer durante algum tempo.

Robert Carlson, cientista do JPL da NASA em Pasadena, Califórnia, que colabora com os dois investigadores, nota que pistas de água e dióxido de enxofre reagindo como sólidos já tinham sido descobertas, mas não devidamente explicadas. “Os resultados de Loeffler e Hudson mostram a existência de reações tipo ácido/base realmente interessantes,” afirmou. “Estou ansioso para ver o que acontece quando se inserem outros componentes e como as menores concentrações de dióxido de enxofre na superfície do satélite afetariam a química lunar em geral.”

Planos para o futuro

O derradeiro teste das experiências laboratoriais será saber se as evidências de quaisquer produtos das reações podem ser descobertas em dados recolhidos durante observações remotas ou em visitas futuras a Europa. Johnson concorda que se o dióxido de enxofre sob a superfície de Europa “reage para formar espécies refratarias, como indicado, então o quadro muda completamente.” Estes resultados não só afetam o nosso conhecimento de Europa, mas também podem ser refinados e testados com a futura missão ao sistema Europa-Júpiter.

Fontes

NASA/JPL: Europa’s Hidden Ice Chemistry

Physorg.com: Europa’s hidden ice chemistry

Artigo Científico

Thermally-induced chemistry and the Jovian icy satellites: A laboratory study of the formation of sulfur oxyanions por Mark J. Loeffler (Astrochemistry Branch, NASA Goddard Space Flight Center, Greenbelt, Maryland, USA) e Reggie L. Hudson (Astrochemistry Branch, NASA Goddard Space Flight Center, Greenbelt, Maryland, USA)

._._.

1 comentário

2 menções

  1. Essa é minha lua preferida, Europa.
    Importante esses experimentos em laboratório, embora tenha ansiedade sim
    pela aproximação e perfuração real de uma sonda nessa lua.

    De acordo com um documentário que assistí, a previsão de envio de uma sonda é para o ano de 2015 e a chegada em 2017; Esta levará um robô que irá explorar todo o intrigante oceano, fazendo também análises autônomas. Resta esperar e torcer pelo melhor, isso inclui no mínimo, o encontro com seres microscópicos. (Equipe do Eternos aprendizes pode ratificar tal noticia?).

    Abraço a toda equipe do site e internautas interessados pelas possibilidades deste vasto universo.

  1. […] considerarmos a presença de um vasto oceano líquido subsuperficial, tal como o que conhecemos em Europa, lua de […]

  2. […] Eternos Aprendizes: “A frígida camada de gelo da lua de Júpiter, Europa, pode estar escondendo mais do que um oceano presumido: possivelmente pode estar acontecendo uma rápida reação química entre a água e o dióxido de enxofre (SO2) em temperaturas extremamente baixas. Sabemos que estas moléculas reajem facilmente com líquidos (são os ingredientes bem conhecidos que geram chuva ácida na atmosfera terrestre, o ácido sulforoso, através da reação H2O + SO2 ? H2SO3). Agora, Mark Loeffler e Reggie Hudson do Centro Aeroespacial Goddard da NASA em Greenbelt, Maryland, EUA, anunciaram que este composto químico também reage com gelos em surpreendente velocidade e alto rendimento sob temperaturas centenas de graus abaixo do ponto de congelamento. Dado que esta reação ocorre normalmente sem a ajuda da radiação, ela pode estar acontecendo por todo o espesso manto de gelo de Europa. Esta é uma hipótese que pode reavivar o pensamento atual sobre a química e geologia de Europa e talvez até de outras luas galileanas (Ganimedes e Calisto). (…)” […]

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