A evolução da Inteligência Artificial é um requisito mandatório para as viagens interestelares? Por que?

Vamos falar de uma “singularidade”, na qual a inteligência artificial chega a tão elevado nível que se situa além da atual capacidade humana de compreensão. Inevitavelmente, tal capacidade superior tem sido considerada no âmbito dos estudos da sobre a exploração interestelar.

Capa do The Eerie Silence livro de Paul Davies

Capa do The Eerie Silence livro de Paul Davies

Alguns autores têm especulado, tal como Paul Davies o fez em The Eerie Silence (O Estranho Silêncio: renovando nossa busca pela inteligência extraterrestre), que qualquer civilização que venhamos a fazer contato no futuro provavelmente será composta tão somente por máquinas inteligentes, conseqüência natural da evolução da tecnologia de engenharia de software. Mas, mesmo sem esta habilidade singular, parece-nos óbvio, à medida que nos distanciamos da Terra, que a inteligência artificial forcosamente terá que desempenhar um papel crescente na exploração do espaço.

Exoplaneta orbitando Alfa Centauri A. A companheira Alfa Centauri B é a estrela mais tênue, à esquerda. Crédito: wikimedia commons

Exoplaneta orbitando Alfa Centauri A. A companheira Alfa Centauri B é a estrela mais tênue, à esquerda. Crédito: wikimedia commons

Como visitar Alfa Centauri, o sistema estelar mais próximo de nós?

No futuro, quando conseguirmos desenvolver as tecnologias de propulsão para projetar uma sonda interestelar para visitar o sistema tríplice Alfa Centauri, necessitaremos de uma inteligência artificial a bordo (IA) que possa operar a espaçonave ao longo da viagem. Esta viagem poderá levar alguns séculos, ou no mínimo, décadas.

Não é apenas isso, a bordo a IA terá que fazer os reparos necessários, realizar tarefas essenciais como o controle da navegação espacial, proceder às correções na trajetória, programar e ajustar os controles da missão, corrigindo imprevistos, além de efetuar observações e estudos científicos e auto-planejar e executar a chegada no sistema de destino. E quando surgirem as necessidades que prescindem de respostas imediatas, a IA terá que fazer tudo isso sem ajuda humana, tendo em vista o longo tempo (anos!) que levariam os sinais de rádio, emitidos pelo pessoal de acompanhamento na missão da Terra, para alcançar a nave interestelar.

Colaboração em Marte

Já vivenciamos estas restrições na comunicação em grandes distâncias hoje, em pequena escala. Devemos refletir como é complicado para a equipe da NASA coordenar a execução das simples e rotineiras operações nos jipes robóticos atualmente em Marte. A boa notícia foi que, recentemente, o robô explorador Opportunity recebeu uma atualização de software, um novo sistema bem mais inteligente, chamado AEGIS (Autonomous Exploration for Gathering Increased Science), ou seja, Automação da Exploração para Incrementar a Atividade Cientifica. O sistema tem sido considerado um bom pacote de software, que ajuda o jipe marciano a identificar os melhores alvos para a captura de fotografias de Marte, que ele retorna em pacotes de dados para a Terra. O pacote de software AEGIS teve que ser enviado para as 3 estações de transmissão que encaminharam o programa para a nave Odyssey, que orbita Marte. A Odyssey, por sua vez retransmitiu o pacote para o rover Opportunity na superfície do Planeta Vermelho. Um novo artigo, NASA JPL’s AEGIS Project Brings AI to Mars na H+ Magazine explora o AEGIS em termos do que esta tecnologia pode trazer como benefícios para o futuro da inteligência artificial no espaço.

O robô explorador Opportunity recebeu recentemente um pacote de software com Inteligência Artificial. Crédito: NASA

O robô explorador Opportunity recebeu recentemente um pacote de software com Inteligência Artificial. Crédito: NASA

Em suma, devemos pensar que o tempo de viagem a Marte da informação – velocidade da luz – é medida em minutos, e não as horas que leva para chegar ao sistema externo. Afinal, Marte, orbitando em média a 228 milhões de quilômetros do Sol, pode ficar entre 56 até 400 milhões de quilômetros da Terra. Assim, um pacote de comandos enviado a partir do controle central da NASA na Terra a um dispositivo localizado em Marte pode levar entre cerca de 3 a 23 minutos para chegar ao seu destino.

Onde é que as primeiras aplicações de Inteligência Artificial como as do sistema AEGIS podem nos levar? O escritor Jason Louv pediu a Benjamin Bornstein, que lidera a equipe do JPL Machine Learning, para que ele comentasse sobre máquinas bem como sobre o futuro próximo:

“Temos absoluta necessidade de pessoas no circuito, mas eu vejo um futuro onde os exploradores robóticos irão coordenar e colaborar em observações científicas” é o que prevê Bornstein. “Por exemplo, o MER, detector de torvelinhos ou redemoinhos-de-poeira em Marte (em inglês: dust devil), um precursor do sistema AEGIS, adquire uma série de imagens NavCam durante minutos ou horas e envia à Terra apenas os dados que contêm efetivamente as imagens dos pés-de-vento marcianos. Uma versão futura do detector de torvelinhos poderia alertar uma das sondas que orbitam Marte para direcionar eventualmente suas câmeras e monitorar as tempestades de poeira ou outros eventos atmosféricos interessantes, adicionando oportunas observações científicas a partir de cima, se o tempo e os recursos disponíveis permitirem. Assim, o acompanhamento de dust devils e a comunicação entre o jipe explorador e as sondas orbitais são apenas um exemplo de uma possível colaboração inteligente entre robôs exploratórios.”

Outro exemplo: “um sensor sísmico planetário inteligente poderia alertar o radar orbital SAR [Synthetic Aperture Radar], ou uma nova leitura térmica a partir do espaço poderia ser seguida por leituras do espectrômetro no solo marciano.”

“Além disso, para as missões nos planetas exteriores [como em Titã, lua de Saturno], onde os atrasos na comunicação com a Terra são ainda maiores, a autonomia inteligente à bordo oferecerá o potencial para proporcionar um retorno científico muito maior entre as oportunidades de comunicação.”

Armada de robôs exploradores inteligentes invade Titã, lua de Saturno. Crédito: NASA/JPL/Caltech

Armada de robôs exploradores inteligentes invade Titã, lua de Saturno. Crédito: NASA/JPL/Caltech

A comunicação no Sistema Solar exterior e além…

Os atrasos na comunicação devido a limitação da velocidade da luz tornam-se notavelmente críticos quando olhamos para os planetas exteriores e além. A espaçonave Voyager 1, por exemplo, a partir de 12 de abril de 2010, atingiu a distância de 113 UA do Sol, cruzou pelo ‘termination shock’ e saiu da heliosfera. A Voyager 1 está agora se movendo na região ‘além da heliosfera’, denominada heliosheath… Nessa distância, o tempo de comunicação (velocidade da luz) de ida + volta é cerca de 31 horas e 34 minutos. Mas isto é apenas uma das fronteiras do Sistema Solar. Uma sonda enviada para a Nuvem de Oort vai ter muito maior tempo de intercomunicação com a Terra, com intervalos de ida e volta do sinal variando de 82 a 164 semanas!

Concepção artística das sondas Voyager à medida que se aproximam do espaço interestelar. Crédito: NASA/JPL

Concepção artística das sondas Voyager à medida que se aproximam do espaço interestelar. Crédito: NASA/JPL

Alfa Centauri

Estendendo a seguir o raciocínio para uma futura operação robótica de visita a Alfa Centauri, obviamente, o tempo de ida e volta seria drasticamente maior. Assim teremos que enfrentar 4,2 anos de atraso ou mais para que a sonda receba uma mensagem quando estiver visitando Próxima Centauri, com mais outros 4,2 anos para que nós recebamos a resposta de reconhecimento. As chances de realizar alguma coordenação interativa ou solucionar problemas de curto e médio prazo a partir da Terra serão indubitavelmente inexistentes.

Capa do livro Queen Of Angels (primeira edição) por Greg Bear

Capa do livro Queen Of Angels (primeira edição) por Greg Bear

Quão longe pode ir a inteligência artificial a bordo de uma sonda espacial? Greg Bear no seu maravilhoso romance de ficção científica Queen of Angels (Rainha dos Anjos) postula uma Inteligência Artificial que tem que aprender a lidar não só com a situação que encontra no sistema de Alfa Centauri, mas também com o que parece ser o seu sentimento crescente de auto-consciência.

Vamos retornar à questão em um contexto mais amplo. Suponhamos que uma cultura alienígena que tenha chegado a um nível tecnológico muito mais avançado que a nossa (digamos, algo como um milhão de anos de desenvolvimento tecnológico) é executado por inteligências-não-orgânicas que suplantaram a civilização biológica que criou suas primeiras iterações.

É inegável que é muito difícil para nós adivinharmos o que uma cultura alienígena biológica pode fazer? Tente então alargar a questão para um cenário de um mundo “Pós-Singularidade” composto de máquinas cujos primeiros ancestrais foram construídos por não-humanos.

A máquina vai trabalhar lado a lado com a inteligência dos seres que a criaram, ou irá torná-los obsoletos? Se a conjectura de Paul Davies que um contato extraterrestre (SETI) será provavelmente com uma civilização não-orgânica se provar verdadeiro, estamos seguros em crer que a IA que irá executá-la vai agir de acordo com a lógica humana e nossas aspirações? Há muito a especular sobre isto aqui, mas a resposta ao problema não nos parece óbvia.

Em qualquer caso, é evidente que o trabalho de desenvolvimento da inteligência artificial terá que continuar se pretendemos operar quaisquer espaçonaves, sejam simples, sejam complexas, fora do nosso Sistema Solar.

Qualquer outra espécie alienígena empenhada em explorar sua vizinhança estelar terá naturalmente que fazer a mesma coisa. Assim, a idéia de se encontrar com extraterrestres não-biológicos parece tão plausível quanto a de encontrarmos seus criadores biológicos.

O Sistema Solar em escala logarítimica mostra a distância do Sol aos planetas, a Heliosfera, o Meio Interestelar, a nuvem de Oort e as estrelas mais próximas no sistema tríplice Alfa Centauri.

O Sistema Solar em escala logarítimica mostra a distância do Sol aos planetas, a Heliosfera, o Meio Interestelar, a nuvem de Oort e as estrelas mais próximas no sistema tríplice Alfa Centauri.

Fontes e referências

Centauri Dreams: Artificial Intelligence Among the Stars

Physorg.com: The Eerie Science

Exército multifuncional de robôs exploradores irá invadir Titã

H+: NASA JPL’s AEGIS Project Brings AI to Mars

New Scientist Books: The mystery of the silent aliens

._._.

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