Para chegar até Marte primeiro temos que estabelecer uma base em Fobos

Fobos: visão da cratera Stickney fotografada pela câmera HiRISE da MRO (Mars Renonnaissance Orbiter)

Fobos: visão da cratera Stickney fotografada pela câmera HiRISE da MRO (Mars Renonnaissance Orbiter). Será Fobos o próximo grande passo da humanidade na exploração espacial?

Fobos (Phobos) é possivelmente um nome que você começará a ouvir intensamente nos próximos anos. Embora Fobos tenha as dimensões de um asteróide, com apenas dois bilionésimos da massa da Terra, atmosfera nula e gravidade muito fraca, trata-se da maior das duas luas de Marte e está destinada a tornar-se nosso próximo posto avançado no espaço. Fobos será nossa segunda casa.

Como chegar lá?

O impacto da gravidade nos custos das missões

Embora a nossa própria Lua esteja relativamente bem próxima do nosso alcance, podendo ser alcançada em poucos dias, sua gravidade (≈ 1,6 m/s² ou 0,17 g) e velocidade de escape (2,4 km/s) implicam no uso de foguetes relativamente grandes para realizar as operações de pouso e decolagem da sua superfície. Este problema de engenharia espacial também se aplica a Marte, em maior escala, devido a sua maior gravidade (3,7 m/s² ou 0,38 g e velocidade de escape 5 km/s), o que torna o desenvolvimento de missões ao Planeta Vermelho também algo dispendioso, talvez até inexeqüível financeiramente, considerando a atual revisão da política de exploração espacial da NASA pela gestão do Presidente Barack Obama. Em outubro de 2009, um comitê de especialistas independentes, liderado pelo industrialista Norman Augustine, havia concluído que a NASA necessitaria de mais cerca de 3 bilhões de dólares por ano, se realmente almejasse enviar astronautas de volta à Lua, sem considerar Marte, até 2020. Esta necessidade de investimento levou ao governo americano cancelar o programa Constellation em 2010.

Uma opção que o relatório Augustine sugeriu levaria tripulações da NASA até asteróides vizinhos e até os satélites de Marte. “O custo bruto [a maior fração do total do projeto] de uma missão a Marte está em fazer os astronautas chegarem e partirem da superfície marciana”, disse Pascal Lee, presidente do Instituto de Marte em Moffett Field, Califórnia, EUA. “Se esperarmos até que tudo esteja pronto, décadas irão passar. Fobos nos oferece uma maneira de chegar à porta de Marte.”

Base montada em Fobos. Crédito©: Don Dixon/Cosmographica.com

Base montada em Fobos. Crédito©: Don Dixon/Cosmographica.com

 Por que Fobos é um bom local para montar uma base?

Sabendo que Fobos é tão pequeno, o campo gravitacional que gera é muito fraco (a gravidade varia de 1,9 a 8,4 mm/s² ou 190 a 860 µg), tão tênue que uma vez que alcançássemos órbita marciana, necessitaríamos apenas de poucos impulsos para aterrar e decolar de Fobos. Isto significa que é muito mais barato e fácil enviar naves até a distante lua Fobos do que à superfície de nossa própria Lua.

Tendo estabelecido uma base em Fobos, a partir de lá poderíamos facilmente explorar a superfície de Marte usando telescópios e robôs controlados remotamente a partir de Fobos, antes de fazer a descida final até a superfície do planeta quando houvesse dinheiro suficiente. E mais, o controle dos robôs exploradores seria praticamente em tempo real uma vez que Fobos orbita entre 5.839 e 6.123 km de distância da superfície de Marte. Hoje um comando leva pelo menos 8 minutos para partir do centro de comando da NASA para chegar até os robôs exploradores Spirit e Opportunity em Marte. A partir de uma estação de controle em Fobos, os comandos serão praticamente instantâneos. A vantagem aqui é que, entre as luas do Sistema Solar, Fobos é o satélite natural que orbita mais próximo de seu planeta hospedeiro.

Além de ser um ponto de parada extremamente conveniente, há muito mais em Fobos a ser explorado. Na verdade, Fobos é um enigma cósmico a ser elucidado. “Nós sabemos como se formaram os corpos do Sistema Solar que já exploramos, exceto Fobos,” afirmou Lee. “Nós não sabemos como Fobos surgiu.”

Fobos foi descoberto, conjuntamente com a outra lua menor de Marte, Deimos, em 1877 pelo astrônomo americano Asaph Hall no Observatório Naval dos Estados Unidos em Washington, DC. Durante grande parte dos anos que seguiram, os pequenos tamanhos das luas relegaram-nas para meras notas de rodapé nos livros de Astronomia. Fobos é uma rocha irregular, com tamanho estimado em 26,8 x 22,4 x 18,4 km, e Deimos é ainda menor, com 15 x 12,2 x 10,4 km. Por isso haviam sido ignoradas por serem supostamente pequenas rochas espaciais que eventualmente se aproximaram de Marte e foram capturadas por sua gravidade.

Esta visão antiga foi amparada pelas primeiras medições da composição de Fobos, obtidas pelas sondas Mariner 9 e as Vikings 1 e 2 nos anos 70 (veja o infográfico da New Scientist: Missions to Phobos). A luz solar refletida da superfície mostrou que Fobos era relativamente escura, absorvendo mais de 90% da luz solar, e que se assemelhava com meteoritos condritos-carbonáceos. Pensava-se assim que estes antigos objetos celestes sejam originários das partes mais longínquas do cinturão de asteróides, situado em torno do dobro da distância de Marte ao Sol. As medições mais recentes de Fobos revelaram uma provável semelhança com asteróides ainda mais antigos, descobertos apenas no Sistema Solar exterior, bem além do cinturão principal de asteróides (Cinturão de Kuiper). O mesmo se verificou com Deimos.

Enigma espacial: Fobos e Deimos são asteróides capturados? Ou não?

Órbitas de Fobos e Deimos

Órbitas de Fobos e Deimos

Afinal, Fobos e Deimos são asteróides capturados? Não podemos afirmou isto com certeza. As órbitas destas diminutas luas têm trajetórias que não coadunam com a esperada para corpos capturados. Em vez de orbitarem em uma órbita aleatoriamente inclinada, como aconteceria se tivessem sido capturadas em épocas distintas, tanto Fobos como Deimos seguem órbitas que se situam perto do plano equatorial de Marte. O que se passa então?

As órbitas equatoriais são fortes indícios que estas luas se formaram no mesmo local e da mesma nuvem que se agregou para formar Marte. Mas se isto for verdade, então a composição das luas não faz o menor sentido; Fobos e Deimos deveriam ser parecidas com as rochas marcianas, e não com asteróides condritos-carbonáceos. Em um esforço para entender a composição e origem de Fobos, a sonda Mars Express da ESA (Agência Espacial Européia) fez uma corajosa seqüência de vôos rasantes, passando a uma distância mínima de 460 km em 2006 e 270 km em 2008.

Nestas distâncias, a minúscula gravidade de Fobos alterou a velocidade da sonda por apenas alguns milímetros por segundo. Isto já foi o suficiente para que os controladores da missão aqui na Terra conseguissem identificar o seu efeito no rastreamento do seu sinal de rádio, detectando uma variação no sinal de apenas uma parte em um bilhão.

“Foi uma realização incrível, por todos que estiveram envolvidos”, afirmou Martin Pätzold da Universidade de Colônia na Alemanha e líder da experiência científica de rádio da Mars Express. Isto permitiu com que a massa de Fobos fosse medida com uma precisão 100 vezes maior que as medidas anteriores e também levantou a possibilidade da própria lua se tornar em uma “sonda de prospecção” para informar dados sobre a estrutura interna de Marte  (veja “Probing Mars”).

Durante os vôos rasantes, a câmara HRSC (High Resolution and Stereoscopic Camera) a bordo da Mars Express mapeou a superfície de Fobos, o que permitiu construir um modelo tridimensional da lua com precisão inédita a medição do seu volume. Embora este modelo seja menos preciso que o valor estimado de sua massa, a determinação do volume permite a determinação da densidade média usando o valor ultra-acurado da massa. A densidade apurada de Fobos constitui em um dos paradoxos mais interessantes do sistema solar.

“A densidade média é espantosamente baixa. Deve ser um corpo poroso,” afirmou Pätzold. Por isso em vez de consistir em um singelo bloco de rocha sólida, Fobos deve ter provavelmente vastas cavernas no seu interior, o que pode proteger os futuros astronautas dos malefícios da radiação espacial, o que seria mais um fator positivo para estabelecermos por lá uma base.

Ilustração da sonda Phobos-Grunt. Crédito: Agência Espacial Russa

Ilustração da sonda Phobos-Grunt. Crédito: Agência Espacial Russa

O pouso em Fobos

No entanto, sem amostras reais do satélite, a sua composição permanece largamente desconhecida. Se foi um asteróide capturado, o material de que é feito será menos denso que uma rocha comum, e sua fração oca estaria em torno de 15%. Se Fobos tiver uma composição similar à das rochas marcianas, então o vazio interior de Fobos deve ser bem maior, até 45%.

Estes dilemas causam fortes dores de cabeça nos cientistas planetários. Se Fobos for constituído por rochas tipo-Marte, o tamanho deste vazio significa é improvável que a lua tenha se formado a partir dos pequenos grãos de poeira em órbita de Marte, pois isto levaria à formação de um corpo sólido. Como alternativa, Pätzold e Pascal Rosenblatt do Observatório Real da Bélgica em Bruxelas, pensaram em uma seqüência de eventos na qual um impacto gigante em Marte expeliu grandes quantidades de detritos para órbita. Estes escombros então se agregaram por acresção em ângulos fortuitos para formar o aglomerado que agora chamamos de Fobos.

Para testar esta sugestão, a Mars Express irá dar um rasante na lua em Março de 2010, executando um novo “flyby” mais próximo. A sonda passará a apenas 60 km da superfície, fornecendo à equipe maiores detalhes sobre o campo gravitacional de Fobos.

“O campo gravitacional está relacionado com a distribuição interna de massa”, afirmou Rosenblatt. Por isso, quando a Mars Express estiver sobre um vazio interior, não será tão influenciada como quando estiver sobrevoando de rocha sólida.

Ilustração mostra o radar MARSIS da sonda Mars Express da ESA. Crédito: ESA

Ilustração mostra o radar MARSIS da sonda Mars Express da ESA. Crédito: ESA

Os pesquisadores irão também usar o instrumento MARSIS (Mars Advanced Radar for Subsurface and Ionospheric Sounding) para estudar o interior de Fobos. Durante os fly-bys anteriores, a equipe do MARSIS descobriu como incrementar o uso do seu radar. Agora esperam usar este radar penetrante para vasculhar seu interior. “Estamos confiantes em observar estruturas subsuperficiais em Março de 2010, mas aqui entram em jogo muitos fatores,” afirmou Andrea Cicchetti do Italian Institute of Physics of Interplanetary Space in Rome, que pertence ao time do MARSIS.

A equipe é especialmente hábil para determinar a composição da lua cujo espectro sugere a hipótese de asteróide capturado. Rosenblatt pensa, no entanto, que existe uma cláusula de fuga. “O espectro superficial pode ser o resultado da influência de milhares de milhões de anos de clima espacial,” afirmou. Sem uma atmosfera para protegê-las, as rochas marcianas que se agregaram em acresção para formar Fobos podem ter sido alteradas superficialmente pelas partículas carregadas ejetadas pelo Sol ao longo de bilhões de anos, mascarando a sua verdadeira identidade e enganando os espectrômetros. Qual a solução? Pousar em Fobos e trazer amostras para análise aqui na Terra.

A missão Phobos-Grunt

Isto é exatamente o que a Rússia planeja fazer no final de 2011 com a sonda Phobos-Grunt (‘Phobos-solo’ em russo). “Não podemos compreender a origem de Fobos sem saber a composição desta lua e a missão Phobos-Grunt irá dizer-nos exatamento isso”, afirmou Rosenblatt.

A Phobos-Grunt deverá fornecer também aos cientistas planetários informações cruciais sobre o Planeta Vermelho. Durante os últimos quatro bilhões de anos, os impactos de meteoritos em Marte devem ter expelido escombros para o espaço. Fobos deve ter “arado” através destas correntes de detritos, algumas das quais deviam conter grandes quantidades de rocha, como nos mostra a sua enorme cratera Stickney com 9 quilômetros de diâmetro.

A maioria dos impactos deve ter sido bem menores, o que provavelmente explica as “estrias” que abundam na superfície de Fobos. O mapa recente pela Mars Express mostrou que estas linhas são originárias do apogeu frontal de Fobos, o ponto que está sempre virado na direção do movimento da lua e é por isso o alvo natural para a coleta de detritos orbitais.

Fobos é um depósito de amostras de Marte

O fato excitante é que a Natureza já tem recolhido amostras de Marte há bilhões de anos e as tem armazenado em Fobos, um dos locais mais fáceis de se alcançar em todo o Sistema Solar. Tudo que precisamos fazer é ir até lá e colhê-las. “Fobos é a Biblioteca de Alexandria de Marte,” afirmou Lee. “As amostras do jovem planeta Marte devem estar muito melhor preservadas em Fobos do que em Marte propriamente dito.” Podem até conter a assinatura química da vida marciana, embora Lee realce fortemente o “pode” na afirmação.

Além disso, a Phobos-Grunt pode ser apenas a primeira de série de missões cada vez mais ambiciosas à maior lua de Marte. “Marte deveria permanecer como destino final para a exploração tripulada,” disse Leroy Chiao, antigo astronauta e membro do comitê Augustine. “Mas se nós [o comitê] tivéssemos pedido diretamente a quantia necessária para aterrar em Marte, nós teríamos perdido credibilidade.”

Para criar uma ponte, Lee encara Fobos como um ponto de parada ideal enquanto as técnicas de engenharia e equipamentos necessários para permitir pousar em Marte com segurança e menor custo são desenvolvidas pela NASA. Ele já estudou a viabilidade de uma hipotética missão Canadense a Fobos. Ele argumentou o seu caso tão bem que Lee está agora envolvido num estudo parecido para a NASA.

De um lar ao outro

Ele realça que só o ir a Fobos permitiria aos astronautas praticar técnicas-chave para alcançar órbita marciana, como a aerofrenagem, na qual uma nave perde velocidade ao “surfar” a atmosfera do planeta.

E tem mais: Fobos poderia tornar-se um armazém de peças e suprimentos para foguetes e outros equipamentos, construídos com o passar do tempo por missões robóticas. Quando os astronautas lá chegassem, equipamentos gastos ou avariados poderiam ser facilmente substituídos.

Se a missão a Fobos seguir em frente, teria como alvo a misteriosa estrutura em Fobos conhecida como o Monolito. Esta intrigante plataforma rochosa sólida eleva-se da superfície até 90 metros. “É o edifício do Empire State de Fobos”, comentou Lee, brincando.

Foto que mostra o Monolito, obtida pela sonda Mars Global Surveyor em 1998. Esta rocha encontra-se a poucos quilômetros da cratera Stickney. Crédito: NASA/USGS

Foto que mostra o Monolito, obtida pela sonda Mars Global Surveyor em 1998. Esta rocha encontra-se a poucos quilômetros da cratera Stickney. Crédito: NASA/USGS

A espaçonave pousaria perto do Monolito e poderia estudar esta rocha exposta e depois viajar até outras partes da lua para recolher mais amostras. Levantaria depois vôo para visitar Deimos, recolhendo material da lua menor. Finalmente, regressaria ao planeta Terra. “Seria uma missão excitante,” afirmou Lee. “Uma missão deste tipo poderia decolar da Terra já em cinco anos após a obtenção da sua verba.”

A decisão?

A decisão está agora nas mãos da Casa Branca, enquanto consideram o Relatório Augustine. Nem mesmo Chiao tem idéia do resultado provável destas deliberações. “Tal como todos nós, estou apenas à espera que o governo decida como quer agir,” afirmou.

Pousar em Fobos é uma maneira de ficar bem perto de Marte. Mas, isto seria como viajar até um destino e não ter a coragem de bater à porta? Segundo Lee, NÃO,  “existem várias pessoas que se candidatam a ir nesta viagem espacial, incluindo eu,” afirmou. “Só a vista de Marte seria de cortar a respiração” [Marte está a ~6.000 km de Fobos, ocupa uma área equivalente a 6.400 ‘luas-cheias’, 25% do céu de Fobos e brilha 2.500 vezes a mais que a nossa Lua].

Leroy Chiao, no entanto, afirmou que seria duro fazer parte de uma viagem apenas a Fobos. “Para mim, é difícil imaginar percorrer todo este caminho e não pousar na superfície de Marte,” acrescentou. “Mas se tivesse que escolher entre Fobos e nada, certamente eu escolheria Fobos!”

Fontes e referências

HiRISE: Imagens de Fobos

New Scientist:

._._.

2 menções

  1. […] semana passada, a NASA anunciou planos para construir uma base em Fobos, uma lua com dimensões de 27 × 22 × 18 km (não é redonda). Fobos é uma lua que nos lembra uma […]

  2. […] O maior conhecimento de Fobos permitirá um futuro pouso nesta lua permitindo a exploração humana em Marte. […]

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