Galáxias furtivas vizinhas espreitam a Via Láctea e escapam da detecção

A nossa galáxia, a Via Láctea, brilha gloriosamente no céu noturno. No entanto, galáxias obscuras vizinhas podem ser tênues demais para serem vistas. Aqui vemos o Panorama de todo o céu criado por Axel Mellinger a partir de 3.000 imagens

A nossa galáxia, a Via Láctea, brilha gloriosamente no céu noturno. No entanto, galáxias obscuras vizinhas podem ser tênues demais para serem vistas. Aqui vemos um fantástico panorama de todo o céu criado por Axel Mellinger a partir de 3.000 imagens que ele gerou ao longo de 22 meses. Crédito ©Axel Mellinger.

Embora nossos poderosos telescópios sejam capazes de detectar galáxias distantes nos confins de Universo, cuja luz pode levar até 13 bilhões de anos para chegar até nós, eles às vezes se mostram ineficientes ao tentar ver o que acontece em nossa vizinhança. Novos cálculos estimam que centenas de galáxias anãs vizinhas bem próximas podem estar escapando da detecção devida a sua tênue luminosidade intrínseca.

Em 2008, em entrevista no Instituto de Astrofísica de Canárias, Steven R. Majewski falou da influência das galáxias satélites anãs na formação da Via-Láctea e salientou a provável existência de galáxias escuras, ou seja, galáxias constituídas essencialmente de matéria escura.

A tênue galáxia Segue 1 é mostrada aqui junto com as estrelas ao redor em imagem da Sloan Digital Sky Survey (à esquerda). Marla Geha e equipe da Universidade de Yale editaram a foto para destacar as 24 estrelas conhecidas da Segue 1 (à direita). Créditos: SDSS / Marla Geha

A tênue galáxia Segue 1 é mostrada aqui junto com as estrelas ao redor em imagem da Sloan Digital Sky Survey (à esquerda). Marla Geha e equipe da Universidade de Yale editaram a foto para destacar as 24 estrelas conhecidas da Segue 1 (à direita). Créditos: SDSS / Marla Geha

Nos últimos anos, pesquisas telescópicas têm eventualmente descoberto galáxias obscuras, ou seja, de fraco brilho. Entre estas se destaca a mais tênue galáxia vizinha conhecida, denominada Segue 1, tem apenas 350 vezes o brilho do nosso Sol.

Agora, os astrônomos em recente estudo sugerem que há galáxias obscuras anãs ainda escondidas nas redondezas da Via Láctea. Este tema foi abordado por James Bullock e sua equipe da Universidade da Califórnia em Irvine no artigo Stealth Galaxies in the Halo of the Milky Way (arxiv.org/abs/0912.1873).

Em tese, as galáxias com menos matéria escura que as galáxias anãs encontradas até hoje teriam uma força gravitacional por demais enfraquecida para manter suas estrelas agrupadas, permitindo um maior espalhamento. Estas galáxias difusas seriam extremamente difíceis de serem localizadas por causa do intenso brilho das estrelas de nossa própria galáxia, situadas na frente destas galáxias obscuras, ofuscando-as.

Beth Willman do Haverford College na Pensilvânia, que não estava diretamente envolvida no estudo de James Bullock concorda dizendo que “certamente há uma população de galáxias anãs com luminosidade superficial extremamente baixa que tem escapado da detecção”.

Os astrônomos esperam que futuras pesquisas, tais como a Large Synoptic Survey Telescope, irão encontrá-las em breve, afirmou Beth Willman.

Segue 1, a galáxia furtiva

A galáxia mais tênue já descoberta é a Segue 1 (SEGUE é a sigla para a pesquisa Sloan Extension for Galactic Understanding and Exploration). Ela brilha com a força de apenas centenas de vezes o brilho do nosso Sol, mas está repleta de matéria escura o que a torna interessante como candidata de pesquisas por evidências desta matéria misteriosa que se distribui pelo Universo. Embora a matéria escura não tenha interação com a luz, os cientistas conseguem medir seus efeitos gravitacionais sobre a matéria ordinária e calculam que a matéria escura responda por 85% da massa total do Universo observável. Assim, encontrar galáxias tênues como a Segue 1, densas com relação à matéria escura, fornece pistas de como as galáxias se formam e evoluem, especialmente em menores escalas.

Este mapa mostra diversas galáxias anãs satélites da Via Láctea. Crédito: J. Bullock, M. Geha, R. Powell

Este mapa mostra diversas galáxias anãs satélites da Via Láctea. Crédito: J. Bullock, M. Geha, R. Powell

A galáxia anã Segue 1 está entre as duas dúzias de galáxias anãs satélites que orbitam a Via Láctea. Ela reside próxima de da constelação de Sagitário, em uma região de escombros estelares remanescentes de outra galáxia anã.

Até setembro de 2008, apenas 24 estrelas foram efetivamente confirmadas como componentes de Segue 1. Uma vez que a luz esta galáxia satélite é tão fugaz, os astrônomos pensavam anteriormente que se tratava de apenas um grupo de estrelas pertencentes a um mero aglomerado globular. Mas, observações acuradas feitas por Marla Geha e equipe da Universidade de Yale indicaram que se tratava de uma verdadeira galáxia anã e não um aglomerado estelar.

Perfil da velocidade das estrelas de uma galáxia típica mostrando a Velocidade de rotação da estrela X Distância radial ao centro da galáxia. O perfil tracejado (em branco) considera apenas a matéria bariônica, ou seja, o que é visível para nós. O amarelo considera a matéria escura. Os astrônomos descobriram que os halos de matéria escura que envolvem as galáxias fazem com que a velocidade das estrelas seja conforme o perfil B e não como o perfil A. Esta é uma das evidências que comprovam a existência da matéria escura. Para entender melhor o que representa este gráfico e saber mais sobre o que é matéria escura, clique nesta figura para acessar a palestra legendada da Patrícia Burchat no TED.

Perfil da velocidade das estrelas de uma galáxia típica mostrando a Velocidade de rotação da estrela X Distância radial ao centro da galáxia. O perfil tracejado (em branco) considera apenas a matéria bariônica, ou seja, o que é visível para nós. O amarelo considera a matéria escura. Os astrônomos descobriram que os halos de matéria escura que envolvem as galáxias fazem com que a velocidade das estrelas seja conforme o perfil B e não como o perfil A. Esta é uma das evidências que comprovam a existência da matéria escura. Para entender melhor o que representa este gráfico e saber mais sobre o que é matéria escura, clique nesta figura para acessar a palestra legendada da Patrícia Burchat no TED.

A matéria escura impede que as estrelas velozes da Segue 1 escapem

Os cientistas analisaram o perfil rotacional desta galáxia e mediram a velocidade de suas estrelas e encontraram velocidades típicas da ordem de 5 km/s, cerca de 10 vezes mais velozes do que seria se apenas a gravidade dos objetos brilhantes fosse considerada no cálculo. Assim, a análise da rotação desta galáxia indica a presença massiva da matéria escura, diferenciando-a do que se esperaria do comportamento de um aglomerado globular.

No caso da Segue 1, as estrelas estão envolvidas em um halo de matéria escura que previne que elas escapem do seu grupo tendo em vistas suas velocidades elevadas. Embora o brilho total desta galáxia seja menos de 350 vezes a luminosidade do Sol ela deve ter a massa de pelo menos 450.000 sóis e possivelmente deve ter 20 vezes esta quantidade se ela tiver tamanho similar ao das outras galáxias anãs.

Há uma pequena quantidade de gás neste sistema, o que sugere que praticamente toda a sua massa é feita efetivamente de matéria escura. Assim, Segue 1, “é a galáxia com a maior predominância de matéria escura até agora já observada no Universo [Observável]”, declarou Marla Geha.

Essa curva mostra que a massa contida dentro do raio de 15 kpc – duas vezes a distância do Sol ao centro galáctico – é de 2×10^11 MSol, ou seja, o dobro da massa contida dentro da órbita do Sol. A distância de 15 kpc corresponde ao limite da estrutura espiral visível da Galáxia (onde visível, aqui, significa o que pode ser detectado em qualquer comprimento de onda). Portanto, era de se esperar que, a partir desse ponto, a curva de rotação passasse a decrescer, pois se a maior parte da massa da Galáxia estivesse contida até esse raio, o movimento das estrelas e do gás situados mais distantes deveria ser cada vez mais lento, da mesma forma que a velocidade dos planetas diminui à medida que aumenta sua distância ao Sol. Surpreendentemente, não é isso o que se observa. Pelo contrário, a curva de rotação aumenta ligeiramente para distâncias maiores, o que implica que a quantidade de massa continua a crescer. A velocidade de rotação, à distância de 40 kpc, corresponde a uma massa de 6×10^11 MSol, o que só pode ser explicado considerando que nossa Galáxia contém matéria não-visível que se estende muito além da matéria visível, e que constitui, no mínimo, dois terços da massa total da Galáxia. Esta é uma indicação da existência da matéria escura (invisível, que não emite luz), externa à órbita do Sol. Conclusão: a curva de rotação observada prova que existe matéria escura em nossa Galáxia e que ela é dominante. Crédito: UFRGS – © Kepler de Souza Oliveira Filho & Maria de Fátima Oliveira Saraiva

Essa curva mostra que a massa contida dentro do raio de 15 kpc – duas vezes a distância do Sol ao centro galáctico – é de 2×10^11 MSol, ou seja, o dobro da massa contida dentro da órbita do Sol. A distância de 15 kpc corresponde ao limite da estrutura espiral visível da Galáxia (onde visível, aqui, significa o que pode ser detectado em qualquer comprimento de onda). Portanto, era de se esperar que, a partir desse ponto, a curva de rotação passasse a decrescer, pois se a maior parte da massa da Galáxia estivesse contida até esse raio, o movimento das estrelas e do gás situados mais distantes deveria ser cada vez mais lento, da mesma forma que a velocidade dos planetas diminui à medida que aumenta sua distância ao Sol. Surpreendentemente, não é isso o que se observa. Pelo contrário, a curva de rotação aumenta ligeiramente para distâncias maiores, o que implica que a quantidade de massa continua a crescer. A velocidade de rotação, à distância de 40 kpc, corresponde a uma massa de 6×10^11 MSol, o que só pode ser explicado considerando que nossa Galáxia contém matéria não-visível que se estende muito além da matéria visível, e que constitui, no mínimo, dois terços da massa total da Galáxia. Esta é uma indicação da existência da matéria escura (invisível, que não emite luz), externa à órbita do Sol. Conclusão: a curva de rotação observada prova que existe matéria escura em nossa Galáxia e que ela é dominante. Crédito: UFRGS – © Kepler de Souza Oliveira Filho & Maria de Fátima Oliveira Saraiva

Na busca pela Matéria Escura

Este é um objeto de uma família de galáxias recentemente descobertas onde a matéria escura se sobressai em relação à matéria bariônica por um fator entre 100 e 1.000. Em uma galáxia espiral gigante como a Via Láctea, sabemos que a relação entre a matéria escura se apresenta com 10 vezes a massa da matéria convencional.

“Estas galáxias são basicamente invisíveis”, disse Beth Willman, “Nós não sabíamos da existência deste tipo de galáxias até 5 anos atrás”. Foi quando pesquisas de larga escala como a Sloan Digital Sky Survey que começaram a descobrir estas galáxias incomuns.

Tendo em vista que a galáxia Segue 1 contém uma alta concentração de matéria escura ela constitui um lugar ideal para procuramos pelas evidências de ocorrências do fenômeno chamado ‘aniquilação da matéria escura’. Nesse tipo de evento estima-se que alguns tipos de partículas candidatas a matéria escura são totalmente destruídas quando colidem entre si, liberando raios gama. Assim, esta assinatura de raios-gama em galáxias obscuras poderia ser detectada por observatórios que ‘enxergam’ raios gama como o Fermi Gamma-ray Space Telescope.

Fontes e referências

New Scientist:

Discover: Astronomers Find a Galaxy Stuffed With Dark Matter

Science Daily:

Space.com:

Cosmos: Milky Way ringed by ‘missing galaxies’

Universe Today: Companion Dwarf Galaxy Almost Invisible

Astronomy.com: Massive, dim galaxy perplexes scientists- This galaxy has more dark matter than any other galaxy in the universe

ArXiv.org:

Eternos Aprendizes:

AstroPT: Segue 1

._._.

3 comentários

2 menções

  1. Roca, vc é um amante da astronomia. Vc é astronomo profissional ou não?

  2. Correto, em tese as galáxias escuras devem realmente existir. Mas trata-se de um assunto ainda em desenvolvimento. As galáxias escuras possuem muito poucas estrelas ou talvez nenhuma. São massivas concentrações de gás e matéria escura.
    .
    Em 2007 Stelios Kazantzidis, da Stanford University’s Kavli Institute for Particle Astrophysics and Cosmology (KIPAC), junto com Lucio Mayer do Swiss Federal Institute of Technology em Zurich e da Universidade de Zurich, Chiara Mastropietro da Universidade de Munich na Alemanha e James Wadsley da McMaster University no Canadá, estudaram o tema e publicaram suas conclusões.
    Scientists elucidate the origin of the darkest galaxies in the universe
    .
    VIRGOHI21 no aglomerado de Virgem é uma potencial canditada a ser uma ‘galáxia escura’, conforme explica o artigo na New Scientist:
    ‘Dark galaxy’ continues to puzzle astronomers
    .
    Nesta página há mais detalhes sobre a estranha galáxia, a VIRGOI21:
    http://www2.naic.edu/~rminchin/virgohi21.html
    .

  3. Podem haver galáxias escuras sem estrelas?

  1. […] Para saber mais sobre os mistérios de Segue 1 leia: Galáxias furtivas vizinhas espreitam a Via Láctea e escapam da detecção […]

  2. […] Neste falamos da Segue 1. Lá há uma foto da Segue 1 a partir da pesquisa SDSS/Marta Geha.http://eternosaprendizes.com/2010/01/29/galaxias-furtivas-vizinhas-espreitam-a-via-lactea-e-escapam-…Deixe uma resposta.Name (required)Mail (hidden) (required)Website/**/Please input symbols from […]

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