ESO VLT: O espectro de um exoplaneta foi capturado pela primeira vez

eso1002a - Spectrum of the planet around HR 8799

Ao estudar um sistema planetário triplo que lembra uma versão amplificada da família de planetas que orbita o Sol, os astrônomos do ESO (European Southern Observatory) conseguiram capturar pela primeira vez o espectro direto (“uma impressão digital química” [1]) de um exoplaneta em órbita de uma estrela distante [2], adquirindo assim novas informações sobre a formação e composição do exoplaneta. Este resultado representa um marco na busca da vida alienígena no Universo.

O espectro de um planeta é como uma impressão digital. O espectro nos fornece informação relevante sobre os elementos químicos que se encontram na sua atmosfera,” disse Markus Janson, primeiro autor do artigo que relata a nova descoberta. “Com esta informação, podemos compreender melhor como é que o exoplaneta se formou e no futuro nós poderemos inclusivamente descobrir possíveis evidências da presença de vida”.

eso1002b - The system around HR 8799

Os pesquisadores capturaram o espectro do exoplaneta gigante gasoso que orbita a jovem e brilhante estrela HR 8799. Este sistema reside a cerca de 130 anos-luz da Terra. A estrela HR 8799 tem 50% mais massa que o Sol e hospeda um sistema planetário que se assemelha a um modelo em larga escala do nosso próprio Sistema Solar. Em 2008, três exoplanetas gigantes foram detectados por outra equipe de pesquisadores. Os exoplanetas têm massas compreendidas entre 7 e 10 vezes a massa de Júpiter. Estão entre 20 e 70 vezes mais afastados da sua estrela hospedeira do que a Terra está do Sol; o sistema possui também dois cinturões de objetos menores, semelhantes aos cinturões de asteróides e de Kuiper do nosso Sistema Solar.

O nosso alvo era o exoplaneta no meio dos três, que tem aproximadamente 10 vezes a massa de Júpiter e apresenta uma temperatura de cerca de 800 graus Celsius,” disse o membro da equipe Carolina Bergfors. “Após mais de cinco horas de tempo de exposição, conseguimos retirar o espectro do exoplaneta da radiação da estrela, que é muitíssimo mais brilhante.”

Através da análise do espectro da radiação de um exoplaneta os cientistas conseguirão determinar sua composição química. Crédito: ESO/M. Janson

Através da análise do espectro da radiação de um exoplaneta os cientistas conseguirão determinar sua composição química. Crédito: ESO/M. Janson

O espectro de exoplaneta capturado diretamente é um feito inédito

Esta é a primeira vez que o espectro de um exoplaneta orbitando uma estrela normal do tipo solar foi obtido de maneira direta. Anteriormente, os únicos espectros obtidos necessitavam que um telescópio espacial observasse a passagem de um exoplaneta por detrás da estrela hospedeira, num chamado “eclipse exoplanetário”. Seguidamente, o espectro podia ser obtido comparando a radiação vinda da estrela antes e depois do referido eclipse. No entanto, este método só pode ser aplicado se a orientação da órbita do exoplaneta é a exata, o que acontece apenas para uma pequena fração de todos os sistemas exoplanetários. O presente espectro, por outro lado, foi obtido a partir de um telescópio terrestre, utilizando o Very Large Telescope do ESO (VLT), em observação direta do exoplaneta, um cenário que independe da orientação da órbita.

Este é um resultado extraordinário, uma vez que a estrela hospedeira é dezenas de milhares de vezes mais brilhante que o exoplaneta. “É como tentar ver do que é composta uma vela, observando-a a uma distância de dois quilômetros, ao pé de uma lâmpada tremendamente brilhante de 300 Watts”, disse Janson.

Esta descoberta foi possível graças ao NACO, instrumento que trabalha no infravermelho, no sistema VLT, apoiando-se na capacidade do sistema de óptica adaptativa do VLT [3]. Esperamos em breve obter imagens e espectros ainda mais precisos de exoplanetas gigantes com o instrumento de próxima geração SPHERE, a ser instalado no VLT em 2011, e também através do futuro European Extremely Large Telescope, em construção.

Nova descoberta trás mais questões

Os novos dados mostram que a atmosfera que envolve este tipo exoplaneta ainda não está bem explicada pelos astrônomos. “Os riscos observados no espectro não são compatíveis com os modelos teóricos atuais,” explicou o co-autor Wolfgang Brandner. “É preciso levar em consideração uma descrição mais detalhada das nuvens de poeira atmosférica ou, de uma maneira alternativa, aceitar que a atmosfera tem uma composição química diferente da anteriormente prevista”.

Os astrônomos esperam obter rapidamente as impressões digitais dos outros dois planetas gigantes do sistema HR 8799 para poder comparar entre si, pela primeira vez, os espectros de três exoplanetas pertencentes a um mesmo sistema. “Assim, iremos entender de uma melhor forma os processos que levam à formação de sistemas planetários como o nosso,” conclui Janson.

Imagem do sistema HR 8799 mostrando seus 3 exoplanetas conhecidos, descobertos pelos astrônomos dos observatórios Gemini e Keck (W.M. Keck Observatory)

Imagem do sistema HR 8799 mostrando seus 3 exoplanetas conhecidos, descobertos pelos astrônomos dos observatórios Gemini e Keck (W.M. Keck Observatory)

Observações

[1] Como costumamos vemos no arco-íris, a luz branca pode dividir-se em diferentes cores. Os astrônomos separam artificialmente a luz que recebem de objetos distantes nas suas diferentes cores (ou “comprimentos de onda”). No entanto, enquanto nós conseguimos com nossa visão distinguir até seis cores no arco-íris, os astrônomos conseguem mapear centenas de nuances coloridas, produzindo um espectro – o registro das diferentes quantidades de radiação que o objeto emite em cada banda de cor estreita. Os detalhes do espectro – os padrões das intensidades relativas das radiações emitidas em determinadas cores – fornece sinais incontestáveis sobre a composição química dos elementos presentes na fonte analisada, que produzem essa radiação. Assim, a espectroscopia, torna-se uma ferramenta fundamental de investigação astronômica.

[2] Em 2004, os astrônomos utilizaram o NACO, montado no VLT, para obter uma imagem e um espectro de um objeto com 5 vezes a massa de Júpiter em torno de uma anã castanha – uma “estrela falhada”, que não tem massa suficiente para realizar a nucleossíntese. Pensa-se, no entanto, que o par se terá formado ao mesmo tempo, como um pequeno binário estelar, em vez da companheira se formar num disco em torno da anã castanha, como um sistema estrela-planeta (ver ESO 28/04, ESO 15/05 e ESO 19/06).

[3] Os telescópios montados na superfície terrestre são atingidos pelo efeito de espalhamento de uma imagem pontual devido à turbulência atmosférica. Esta turbulência faz com que as estrelas pisquem de um modo que muito delicia os poetas, mas que frustra os astrônomos, uma vez que destrói os detalhes mais pormenorizados de uma imagem. No entanto, com as técnicas de óptica adaptativa, esta lacuna pode ser minimizada de maneira a que o telescópio produza imagens tão nítidas quanto possível, ou seja, que se aproximam das condições de observação conseguidas a partir dos telescópios espaciais (como o Hubble e o Herschel). Os sistemas de óptica adaptativa funcionam por meio de um espelho deformável controlado por computador, que neutraliza a distorção da imagem originada pela turbulência atmosférica. Baseia-se em correções ópticas feitas em tempo real, calculadas a alta velocidade (centenas de vezes por segundo) a partir de imagens obtidas por uma câmara especial que monitora a radiação emitida por uma estrela de referência.

Este trabalho foi apresentado em artigo na revista Astrophysical Journal (“Spatially resolved spectroscopy of the exoplanet HR 8799 c”, por M. Janson et al.).

A equipe de pesquisa foi composta por M. Janson (Universidade de Toronto, Canadá), C. Bergfors, M. Goto, W. Brandner (Instituto Max-Planck para a Astronomia, Heidelberg, Alemanha) e D. Lafrenière (Universidade de Montreal, Canadá). Dados preparatórios  preliminares foram obtidos com o instrumento IRCS montado no telescópio Subaru.

Fontes e referências

ESO: VLT Captures First Direct Spectrum of an Exoplanet

Nova técnica permite a descoberta de exoplanetas em imagens antigas do acervo do telescópio Hubble

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1 menção

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