Gliese 1214 b: Astrônomos Encontram Super Terra com Atmosfera Densa, Inóspita e Coração Gelado

Gliese 1214 b em trânsito

GJ 1214 b em trânsito: Esta impressão artística mostra como a Super Terra que orbita a estrela próxima GJ 1214 poderia se parecer. Descoberto pelo projeto MEarth e investigado pelo espectrógrafo HARPS do telescópio de 3,6 metros em La Silla, GJ 1214 b é a segunda Super Terra da qual os astrônomos determinaram a massa e diâmetro, dando-nos pistas vitais sobre a sua estrutura. O exoplaneta GJ1214-b tem uma massa de 6,55 vezes a massa da Terra e deve ser bastante quente, com uma atmosfera bem densa e possivelmente inabitável para a vida como a conhecemos aqui na Terra.

Os astrônomos descobriram um segundo exoplaneta do tipo Super Terra [1], para o qual determinaram a massa e o raio. Estes cálculos forneceram indicadores vitais sobre sua estrutura. Este é exoplaneta é também a primeira Super Terra onde foram encontradas evidências da existência de uma atmosfera. O exoplaneta orbita uma pequena estrela a 40 anos-luz de distância e esta nova descoberta abre uma nova e dramática perspectiva na busca por mundos habitáveis. O exoplaneta, GJ 1214 b, 6,55 vezes a massa da Terra e o seu interior é provavelmente constituído  massivamente por água. Sua superfície parece ser relativamente quente e o planeta encontra-se envolvido por uma densa atmosfera,  que talvez o torne inóspito para hospedar as formas de vida complexas tais como as que conhecemos sobre a Terra.

O anúncio da descoberta foi publicado na revista Nature [2]. É a segunda vez que uma Super Terra em trânsito é detectada, depois da recente descoberta do planeta CoRoT-7b [3]. O cenário que chamamos de ‘trânsito’ ocorre quando a órbita do planeta está alinhada da tal maneira que o vemos atravessar a face da sua estrela-mãe. Assim, GJ 1214 b tem cerca de 6,55 vezes a massa da Terra e 2,68 vezes o seu raio, ficando com as dimensões entre a Terra e os gigantes gelados do Sistema Solar: Urano e Netuno.

Embora a massa de GJ 1214 b seja similar à de CoRoT-7b, seu raio é muito maior, e isto nos sugere que a composição dos dois planetas deve ser muito diferente. Enquanto CoRoT-7b tem provavelmente um núcleo rochoso e poderá estar coberto de lava, os astrônomos pensam que 75% de GJ 1214 b seja composto por água e os 25% restantes constituídos por silício e ferro. Devido a pressão hidrostática, parte da água deste exoplaneta deve estar sob a forma de um tipo especial de gelo, o ice VII

GJ 1214 b orbita a sua estrela hospedeira em cerca de 38 horas em uma distância de apenas dois milhões de quilômetros, ou seja, 70 vezes mais próximo da sua estrela do que a Terra está do Sol. “Estando tão perto da sua estrela mãe, o exoplaneta deve ter uma temperatura de superfície na ordem de 200º Celsius, quente demais para que a água se encontre no estado líquido”, disse David Charbonneau, autor principal do artigo que relata esta descoberta.

A massa vs raios dos exoplanetas. Créditos: ESO/Charbonneau et al. Nature

A massa vs raios dos exoplanetas. Créditos: ESO/Charbonneau et al. Nature

Atmosfera detectada em Super Terra

Quando os astrônomos compararam o raio medido de GJ 1214 b com modelos teóricos  de planetas, descobriram que o raio observado excede os padrões dos modelos: existe algo mais do que a superfície sólida do planeta a bloquear a luz da estrela – uma atmosfera circundante, com cerca de 200 km de espessura. “Esta atmosfera é muito mais espessa do que a da Terra, por isso a alta pressão e a ausência de luz excluem a possibilidade de vida, tal como a conhecemos”, disse Charbonneau, “mas estas condições são igualmente interessantes, uma vez que podem originar uma química bastante complexa”.

Porque o exoplaneta é quente demais para ter mantido uma atmosfera por um tempo tão longo, GJ 1214 b representa a primeira oportunidade de estudar uma atmosfera recentemente formada, circundando um mundo orbitando outra estrela”, acrescentou o membro do time Xavier Bonfils. “Como o exoplaneta se encontra bem próximo de nós, será possível estudar a sua atmosfera mesmo com os equipamentos e infra-estruturas que dispomos atualmente”.

O planeta foi descoberto inicialmente como um objeto em trânsito, dentro das atividades do projeto MEarth, que acompanha cerca de 2.000 estrelas de baixa massa na busca trânsitos de exoplanetas [4]. Para confirmar a natureza planetária de GJ 1214 b e obter a sua massa (utilizando o efeito Doppler), os astrônomos  necessitaram da notável precisão do espectrógrafo HARPS, montado no telescópio de 3,6 metros do ESO em La Silla, Chile. Sendo um instrumento com uma estabilidade sem precedentes e uma grande precisão, o HARPS atualmente é o mais bem sucedido descobridor de pequenos exoplanetas de todo o mundo.

“Esta é a segunda Super Terra para a qual a massa e o raio foram calculados, permitindo assim determinar a densidade e daí inferir sobre a sua estrutura interna,” acrescenta o co-autor Stephane Udry. “Em ambos os casos, os dados do HARPS foram essenciais para caracterizar o planeta”.

As diferenças em composição entre estes dois planetas são relevantes na procura de mundos habitáveis”, concluiu Charbonneau. Se os planetas Super Terra estão, em geral, envolvidos por uma atmosfera similar à de GJ 1214 b, poderá bem acontecer que sejam inóspitos ao desenvolvimento da vida tal como a conhecemos em nosso próprio planeta.

No abstract do artigo da Nature os astrônomos escreveram:

“Há uma década, as detecções dos primeiros planetas extrasolares em trânsito forneceram restrições em sua composição e abriram as portas para a investigação espectroscópica direta de suas atmosferas planetárias extrasolares. Porque tais estudos destas características são factíveis somente através da observação de sistemas em trânsito que estão próximos da Terra e para os quais a razão do diâmetro do planeta VS estrela é relativamente grande, as estrelas próximas de pequeno porte têm sido pesquisadas intensivamente. Os estudos através do efeito Doppler e micro lentes gravitacionais descobriram uma população de exoplanetas como massas entre 1,9 e 10 vezes a massa da Terra (M), classificados como Super Terras. Aqui nós relatamos observações a respeito do planeta em trânsito GJ 1214b, o qual tem uma massa de 6,55M e um raio de 2,68 R, indicando que este exoplaneta tem dimensões intermediárias entre a Terra e os gigantes gelados do Sistema Solar (Urano e Netuno). Nós descobrimos que a massa planetária e seu raio são consistentes com uma composição primária de água cercado por uma camada de hidrogênio/hélio que representa apenas 0,05% da massa total do exoplaneta. Provavelmente a atmosfera está escapando de forma hidrodinâmica, o que é um indicativo que a atmosfera tem passado por uma significativa evolução durante a história do exoplaneta. A estrela GJ 1214 é pequena e está a apenas 13 parsecs [ 40 anos-luz ] de distância. Assim, sua atmosfera é factível de ser estudada através dos observatórios existentes.”

Notas

[1] Uma Super Terra é definida como um planeta com massa entre duas a dez vezes a massa da Terra. Um exoplaneta é um planeta que orbita uma estrela diferente do Sol.

[2] A estrela GJ 1214 é cinco vezes menor que o nosso Sol, é intrinsecamente 300 vezes menos brilhante que o Sol e fica na constelação de Ophiuchus.

[3] CoRoT-7b é o menor e mais rápido (considerando a rotação em torno da sua estrela) exoplaneta conhecido. Tem uma densidade bastante semelhante à da Terra, o que sugere um mundo sólido, rochoso. Descoberto pelo satélite CoRoT como um objeto em trânsito, a sua verdadeira natureza foi revelada pelo HARPS (ESO 33/09).

[4] O projeto MEarth utiliza um conjunto de oito pequenos telescópios, cada um com um diâmetro de 40 cm, situados no topo do Mount Hopkins, Arizona, EUA. MEarth procura estrelas que mudam de brilho. O objetivo é descobrir um planeta que passe em frente da sua estrela, ou seja, que se encontre em trânsito. Durante tal mini-eclipse, o planeta bloqueia uma pequena parte da luz da estrela, tornando-a menos brilhante. A missão Kepler da NASA utiliza igualmente os trânsitos para procurar planetas do tamanho da Terra em órbita de estrelas do tipo solar. No entanto, tais sistemas apenas diminuem de brilho em uma parte em dez mil. A alta precisão necessária para determinar esta baixa variação de luminosidade significa que tais mundos podem apenas ser detectados a partir do espaço. Em contraste, uma Super Terra transitando uma pequena estrela anã vermelha  origina um maior aumento proporcional em brilho e conseqüentemente um sinal maior que pode ser detectado a partir do solo terrestre.

O time de cientistas que realizou a descoberta é composto por David Charbonneau, Zachory K. Berta, Jonathan Irwin, Christopher J. Burke, Philip Nutzman, Lars Buchhave, David W. Latham, Ruth A. Murray-Clay, Matthew J. Holman, e Emilio E. Falco (Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics, Cambridge, USA), Christophe Lovis, Stephane Udry, Didier Queloz, Francesco Pepe, e Michel Mayor (Observatoire de Genève, Suiça), Xavier Bonfils, Xavier Delfosse, e Thierry Forveille (Université Joseph Fourier — Grenoble 1/CNRS, LOAG, Grenoble, França), e Joshua N. Winn (Kavli Institute for Astrophysics and Space Research, MIT, Cambridge, USA).

Sobre o ESO:

O ESO, o Observatório do Sul Europeu, é a mais importante organização européia intergovernamental para a investigação em astronomia e é o observatório astronômico mais produtivo do mundo. O ESO é financiado por 14 países: Áustria, Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Itália, Holanda, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça. O ESO destaca-se por levar a cabo um programa de trabalhos ambicioso, focado na concepção, construção e funcionamento de observatórios astronômicos terrestres de ponta, que possibilitam aos astrônomos importantes descobertas científicas. O ESO também tem um papel importante na promoção e organização de cooperação na investigação astronômica. O ESO mantém em funcionamento três observatórios de ponta, no Chile: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera  o Very Large Telescope, o observatório astronômico, no visível, mais avançado do mundo. O ESO é o parceiro europeu do revolucionário telescópio  ALMA, o maior projeto astronômico que existe atualmente. O ESO se encontra desenvolvendo o planejamento o European Extremely Large Telescope, E-ELT, um telescópio de 42 metros que observará na banda do visível e próximo infravermelho. O E-ELT será “o maior olho no céu do mundo”.

Fontes e referências

ESO:

Nature: “A Super-Earth Transiting a Nearby Low-Mass Star”, por David Charbonneau et al.

Centauri Dreams: A ‘Super-Earth’ with an Atmosphere

._._.

4 comentários

3 menções

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    • raquel thomé em 10/02/2010 às 20:34
    • Responder

    já tem até agua, to impressionada quero me mudar pralá na pascoa

    • raquel thomé em 10/02/2010 às 20:32
    • Responder

    achei lindo o 1214b

    • raquel thomé em 10/02/2010 às 20:29
    • Responder

    quero a foto do planeta

      • ROCA em 10/02/2010 às 21:01
        Autor

      Dê uma olhada no vídeo que o pessoal do ESO gravou:

      http://www.eso.org/public/videos/eso0950a/

  1. […] estrela no território limítrofe entre as anãs marrons e estrelas. No segundo caso, o famoso Gliese 1214b, foi o projeto MEarth que descobriu um planeta com 6,6 vezes a massa da Terra orbitando uma estrela […]

  2. […] GJ 1214 b, um massivo exoplaneta rochoso menor que Netuno que orbita uma estrela na direção da constelação de Ofiucus a 40 anos luz de distancia de nós. […]

  3. […] HARPS, instalado no telescópio de 3,6 metros do ESO, situado no Chile (artigo ESO0950: Gliese 1214 b: Astrônomos Encontram Super Terra com Atmosfera Densa, Inóspita e Coração Gelado) [1]. Os resultados iniciais indicavam que este exoplaneta tinha uma atmosfera, a qual foi agora […]

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