
M82, a galáxia do Charuto, é uma galáxia peculiar da classe “starburst galaxy” (galáxia explosiva). Análise criteriosa dos raios-gama emanados pela M82 ajudou aos cientistas do VERITAS a comprovar a teoria sobre a origem dos misteriosos raios-gama. Créditos: NASA, ESA, The Hubble Heritage Team, (STScI / AURA), M. Mountain (STScI), P. Puxley (NSF), J. Gallagher (U. Wisconsin)
O que acelera os raios cósmicos até velocidades próximas a velocidade da luz? Os astrônomos têm debatido esta questão por quase 100 anos e agora uma nova evidência suporta a teoria sustentada há 20 anos que os raios cósmicos são gerados por supernovas e por ventos estelares. “Esta descoberta tem sido prevista há cerca de 20 anos, mas até agora nenhum instrumento tinha sido sensível o suficiente para atestar isto”, disse Wystan Benbow, astrofísico do Smithsonian Astrophysical Observatory, que coordenou este projeto de pesquisa para a colaboração com o Very Energetic Radiation Imaging Telescope Array System (VERITAS).
Há quase 100 anos os cientistas detectaram os primeiros sinais dos raios cósmicos. Convém esclarecer que raios cósmicos NÃO SÃO RAIOS ou feixes de luz. Os raios cósmicos de fato são partículas subatômicas (em geral prótons ionizados) que viajam através do espaço a velocidades relativísticas (velocidades muito próximas da velocidade da luz). Para entender o que significa em termos energéticos basta compararmos: uma única minúscula partícula (um próton – o núcleo do Hidrogênio iônico) componente dos raios cósmicos mais energizados tem um impulso equivalente a uma bola de beisebol atirada a 160 km/hora. Os astrônomos têm questionado quais são as forças naturais que conseguem acelerar tais partículas até esta imensa velocidade e energia.
Alguns dos mais raros raios cósmicos carregam consigo mais de 100 bilhões de vezes a energia gerada pelos aceleradores de partículas na Terra (obs.: essa é uma das razões para não temermos estas máquinas). Diversos métodos engenhosos para detectar raios cósmicos que se chocam com a atmosfera terrestre têm sido criados pelos cientistas. Entretanto, a atividade de caça aos raios cósmicos tem se mostrado bastante complexa.

A fantástica imagem acima é uma composição em imagens a partir de múltiplos comprimentos de onda da galáxia ativa M82. Para formar este mosaico foram usadas fotos de três grandes observatórios espaciais: Hubble Space Telescope, Chandra X-Ray Observatory e Spitzer Space Telescope. A visão de raios-X do Chandra (cortesia de NASA/CXC/JHU/D.Strickland) aparece em tons de azul; a visão em infravermelho do Spitzer (cortesia da NASA/JPL-Caltech/C. Engelbracht (Universidade do Arizona)) está em vermelho; As visões do Hubble (cortesia da NASA, ESA, e The Hubble Heritage Team (STScI/AURA)) da emissão a partir do gás Hidrogênio aparecem em laranja e a luz visível aparece em amarelo esverdeado.
A galáxia explosiva M82 forneceu as pistas…
VERITAS encontrou novas evidências dos raios cósmicos na “Galáxia do Charuto”, a Messier 82 ou M82. Esta galáxia dista 12 milhões de anos-luz da Terra e fica na direção da constelação da Ursa Maior. As características peculiares da M82 suportam fortemente a teoria bem sedimentada que são as supernovas e os ventos estelares gerados por estrelas massivas os aceleradores dominantes das partículas que compõem os raios cósmicos.
A M82 é um objeto exótico, classificado como uma galáxia irregular que está em ‘guerra gravitacional’ com galáxia M81, conforme já mostramos aqui no artigo: “Galáxias em Guerra: M81 contra M82 fotografadas por Rainer Zmaritsch e Alexander Gross“
As galáxias com altos níveis de formação estelar como a M82, pertencente ao grupo das “starburst galaxies” (galáxias explosivas), têm também uma alta taxa de ocorrência de supernovas e forte presença de estrelas massivas (fonte dos violentos ventos estelares). Se a teoria está correta então as “starburst galaxies” forçosamente devem emanar mais raios cósmicos que as galáxias comuns. A descoberta do VERITAS confirma esta expectativa, indicando que a densidade dos raios cósmicos em M82 é cerca de 500 vezes a média apurada em nossa galáxia, a Via Láctea.
“Este achado fornece uma visão fundamental da real origem dos raios cósmicos”, exclamou Rene Ong, professor de física na Universidade da Califórnia em Los Angeles, EUA. Rene Ong é o porta-voz do programa VERITAS.

Esta figura em cores representativas mostra a emissão dos raios-gama-de-ultra-alta-energia detectada pelo VERITAS a partir da Galáxia do Charuto (M82). A estrela negra representa a localização da região ativa de explosão de estrelas. A emissão a partir da galáxia explosiva M82 é efetivamente pontual para o VERITAS e o círculo em branco indica o tamanho simulado de uma fonte pontual. Assim, a galáxia M82 inteira estaria contida dentro de um círculo associado a uma fonte pontual. Créditot: CfA/V.A. Acciari
Dedução indireta: usar os raios gama para inferir a presença dos raios cósmicos
O VERITAS não poderia detector diretamente a presença dos raios cósmicos da M82 simplesmente pela razão deles estarem retidos dentro da Galáxia do Charuto. Assim, o VERITAS procurou por pistas indiretas da presença dos raios cósmicos: os raios-gama. Os raios-gama representam a forma mais energética de radiação luminosa, muito mais poderosa que a luz ultravioleta e que os raios-X. Quando os raios cósmicos interagem com o gás interestelar dentro da M82, são produzidos os raios-gama que por sua vez escapam da sua galáxia hospedeira e chegam até aqui em nossos detectores.
Dois anos de criteriosa coleta de dados foram necessários para discernir o tênue sinal proveniente da M82. “Nós sabíamos que a detecção dos sinais da M82 teria implicações científicas sérias. Para obter resultados, nos agendamos uma exposição de excepcionalmente longa duração quando o experimento se tornou totalmente operacional”, disse Benbow. “Os dados necessitaram sofrer análise meticulosa para extrair os sinais dos raios-gama, que são milhões de vezes mais fracos que o ruído de fundo. Embora o sinal é apenas uma pequena fração dos dados, nós fizemos grande número de verificações para confirmação e estamos confiantes que o sinal é genuíno”.
“A detecção da atividade na M82 indica que o Universo está repleto de aceleradores de partículas naturais e que como as observações terrestres dos raios-gama continuam a evoluírem, novas descobertas se fazem inevitáveis”, disse Martin Pohl, professor de física da Universidade Estadual do Iowa, que ajudou na liderança deste estudo. O observatório raios-gama de alta energia da nova geração, Advanced Gamma-ray Imaging System (AGIS), já está em desenvolvimento.

O Very Energetic Radiation Imaging Telescope Array System (VERITAS) é um conjunto com quatro telescópios detectores de Cherenkov de 12-metros usados para detectar fontes astrofísicas de raios-gama de ultra-alta-energia. Crédito: Steve Criswell, SAO
VERITAS (Very Energetic Radiation Imaging Telescope Array System) é um novo e também um dos principais observatórios terrestres de raios-gama. O sistema VERITAS possui uma rede com 4 refletores óticos de 12 metros projetados para capturar os raios-gama na faixa de GeV a TeV (Giga elétron-volt a Tera elétron-volt).A rede de telescópios do VERITAS está implantada de forma que tenha a máxima versatilidade e forneça a maior sensibilidade possível na faixa de freqüências 50 GeV a 50 TeV, com a sensibilidade máxima na faixa de 100 GeV a 10 TeV. Este observatório dedicado a capturar a radiação de ultra-alta-energia irá efetivamente complementar o trabalho do observatório espacial FERMI.
VERITAS é operado atravpes da colaboração de mais de 100 cientistas de 22 differentes instituções nos EUA, Irlanda, Inglaterra e Canadá.
Fontes e referências
Harvard Smithsonian Center for Astrophysics: VERITAS Telescopes Help Solve 100-Year-Old Mystery: The Origin of Cosmic Rays
Universe Today: Solving the Mystery of Cosmic Rays’ Origins por Nancy Atkinson
VERITAS: the Very Energetic Radiation Imaging Telescope Array System
._._.
2 menções
[…] galaxies” (galáxias com surto explosivo de formação estelar), tais como a M82, a M94, a NGC 253, a NGC 3310, a NGC 1313 e a UGC 11411, todas essas já abordadas aqui em nosso […]
[…] A Terra é constantemente bombardeada por partículas de alta-energia (prótons, elétrons e núcleos atômicos) de origem cósmica, partículas que compõem os chamados “raios cósmicos”. […]