Viagem até Marte? Cuidado com os raios cósmicos!

viagem a Marte

Colônia em Marte? Cuidado com os raios cósmicos ao explorar o planeta vermelho!

Esqueça o risco de uma explosão acidental de foguetes ou de receber um golpe de algum escombro espacial errante. O maior problema a ser enfrentado pelos astronautas em uma missão espacial de longa duração, fora da órbita inferior terrestre (onde reside a ISS – Estação Espacial Internacional) é, de fato, evitar os danosos raios cósmicos que o campo magnético e a consistente atmosfera terrestre nos protege. Tais ameaças oriundas do espaço exterior podem ser um dos maiores desafios para uma possível futura missão tripulada para Marte.

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Chuva de raios cósmicos. Crédito: Simon Swordy (U. Chicago), NASA

Quais são os planos atuais da NASA?

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Órbitas de Fobos e Deimos

Um painel encabeçado pela Casa Branca para rever as atividades da NASA relacionadas as atividades humanas no espaço (New Scientist, 22 de agosto de 2009) sugere o possível envio de astronautas para uma das luas de Marte, Fobos ou Deimos, junto com outras alternativas levantadas no relatório publicado recentemente (SUMMARY REPORT of the Review of U.S. Human Space Flight Plans Committee).

A partir da órbita marciana os astronautas poderiam coordenar os robôs para explorar a superfície em Marte e obter amostras, tanto do planeta vermelho como das suas luas para posterior estudo mais detalhado na Terra. Uma missão orbital de longa duração (uma ‘estação espacial marciana’) iria evitar a necessidade do desenvolvimento de equipamento de altíssimo custo para suportar uma missão humana mais complexa na superfície de Marte. Da mesma forma esta missão híbrida de robôs e humanos evitaria o já conhecido e complexo problema de engenharia espacial a enfrentar: ‘Como pousar cargas massivas de equipamentos em Marte’ (“The Mars Landing Approach: Getting Large Payloads to the Surface of the Red Planet”).

Fobos: visão da cratera Stickney fotografada pela câmera HiRISE da MRO (Mars Renonnaissance Orbiter)

Fobos: visão da cratera Stickney fotografada pela câmera HiRISE da MRO (Mars Renonnaissance Orbiter)

“Eu mesmo iria a Fobos ou Deimos sem pestanejar, mesmo que não tenha qualquer esperança de pousar em Marte”, diz o cientista planetário Pascal Lee do Instituto Marte, uma organização de pesquisa da Califórnia, EUA.

O cruel desafio da radiação cósmica

A temível ameaça dos raios cósmicos deveria manter os astronautas confinados e bem perto de casa. Os raios cósmicos (o termo ‘raios’, infelizmente, é ligeiramente confuso, pois não se trata de radiação eletromagnética) são, na verdade, prótons e elétrons livres em velocidades altíssimas e também núcleos atômicos mais pesados que “chovem” em nosso Sistema Solar vindos de todas as direções do espaço, originados tanto no Sol como em outras partes da galáxia. Essas partículas altamente energéticas têm a capacidade de danificar o DNA das células humanas e eventualmente provocar o câncer.

Raios cósmicos de mais alta energia vêm dos núcleos de galáxias ativas. Crédito da ilustração: Pierre Auger Observatory Team

Raios cósmicos de mais alta energia vêm dos núcleos de galáxias ativas. Crédito da ilustração: Pierre Auger Observatory Team

De onde vêm os raios cósmico galácticos de mais alta energia? O Auger Observatory, o observatório número 1 na pesquisa dos raios cósmicos, há dois anos deu a solução para esta questão centenária. Há um século nós já sabíamos que as partículas fundamentais de alta energia atravessam o Universo em velocidades relativísticas. Mas, como os raios cósmicos de energia ultra elevada são tão raros e as direções de onde são provenientes são tão imprecisas, não se conhecia de forma inambígua quais são os objetos que os originavam. Os resultado do projeto Auger indicaram que 12 entre 15 partículas ultra energéticas têm direções no céu estatisticamente consistentes com a posição de núcleos de galáxias ativas próximas. Estes centros galácticos são responsáveis pela emissão de grandes quantidades de luz e radiação e são energizados por intensos buracos negros. Os resultados do projeto Auger também indicam que os raios cósmicos galácticos de mais alta energia são prótons, uma vez que a maior carga elétrica dos demais núcleos atômicos de alta energia iria forçar o campo magnético da Via Láctea a defletí-los e efetivamente distorcer a direção do objeto progenitor.

Uma partícula altamente energética ao colidir com a atmosfera terrestre gera uma família de subpartículas. Imaginemos então uma destas energéticas partículas colidindo contra um desprotegido astronauta no espaço...

Uma partícula altamente energética ao colidir com a atmosfera terrestre gera uma família de subpartículas. Imaginemos então uma destas energéticas partículas colidindo contra um desprotegido astronauta no espaço…

As pessoas no solo terrestre estão muito bem protegidas pela grossa atmosfera do nosso planeta e seu poderoso campo magnético, o qual também fornece alguma proteção para os astronautas na ISS (Estação Espacial Internacional) que residem em uma órbita de baixa altitude. As 9 missões lunares tripuladas (6 pousos na Lua) foram suficientemente curtas para manter o risco da exposição dos astronautas em um nível suportável e a própria Lua atuou eventualmente como um escudo e bloqueou cerca de 50% destas partículas nas missões americanas do programa Apollo. Assim os 24 astronautas que orbitaram a Lua (três deles fizeram duas missões) foram os únicos humanos até agora que se aventuraram fora da órbita baixa terrestre e suportaram diretamente os efeitos dos raios cósmicos, mas por pouco tempo. Por outro lado, futuras jornadas de longa duração além da órbita inferior terrestre não serão beneficiadas de tais proteções.

Como minimizar o risco da exposição prolongada aos raios cósmicos?

Os escudos leves existentes de alumínio ou de plástico conseguem bloquear as partículas ionizadas advindas do Sol. Mas eles são insuficientemente fortes ou consistentes para parar os raios cósmicos de alta-energia galácticos, originados fora do Sistema Solar. “Usar blindagem (escudos espaciais) não seria uma solução para sanar o risco”, disse Frank Cucinotta, cientista líder da divisão de estudos da radiação no Johnson Space Center em Houston, Texas, EUA (JSC). Assim, os cientistas do JSC consideram impraticável o uso de escudos pesados e espessos para bloquear os raios cósmicos de alta energia de galáxias ativas como a M87.

Bolhas de plasma atuando como defletores cósmicos? Ainda estamos bem longe disso...

Bolhas de plasma atuando como defletores cósmicos? Ainda estamos bem longe disso…

Uma solução com uso de tecnologia alternativa, como por exemplo, a geração de bolhas de plasma que poderiam proteger a espaçonave sem adicionar muito peso, ainda encontra-se em estágios iniciais de desenvolvimento.

Assim, quão perigosa seria uma missão a Marte? As estimativas atuais de quanto pode suportar um astronauta sem risco de câncer são incertas. Mas os cálculos feitos por Cucinotta e seu time de cientistas sugerem que tal viagem excederia as regras atuais da NASA, que tem como objetivo manter o risco de câncer fatal causado pelos raios cósmicos e pela radiação espacial abaixo do nível crítico de 3%.

Assim, para as grandes jornadas fora do campo magnético terrestre, os astronautas atingiriam o limite técnico em apenas 200 dias (!) dentro de espaçonaves com paredes grossas de alumínio com 4 centímetros de espessura, considerando o pior cenário possível (conforme o documento Radiation Measurements, DOI: 10.1016/j.radmeas.2006.03.011).

Estamos falando aqui de missões de exploração de Marte com durações de longo prazo, tipicamente em torno de 750 dias. Como tal duração colocará os astronautas em exposição acima do limite de risco permitido atualmente, o painel indagou a NASA se seria possível aceitar níveis maiores de riscos para essas missões de longa duração. Steven Lindsey, diretor da NASA pensa que a maioria dos astronautas possivelmente está aberta a aceitar tomar maiores riscos. “Isto depende do indivíduo”, ele disse, “Nós temos tripulantes que aceitariam voar sob quaisquer condições (!)”.

Será essa a solução do impasse? Simplesmente aceitar os riscos? Ou desenvolver novas tecnologias de proteção?

Fontes e referências

Como mandar o Homem para Marte?

New Scientist: Too much radiation for astronauts to make it to Mars por David Shiga

NASA: Summary report from the Review of U.S. Human Space Flight Plans Committee

Universe Today: The Mars Landing Approach: Getting Large Payloads to the Surface of the Red Planet por Nancy Atkinson

Evaluating shielding effectiveness for reducing space radiation cancer risks por Francis A. Cucinotta, Myung-Hee Y. Kim e Lei Ren

A galáxia M87 é uma fonte de raios cósmicos. Vemos neste painel: No topo, à esquerda tempo uma imagem da M87 obtida pelo VLBA que mostra a emissão dos jatos de rádio em uma escala de 200.000 anos-luz. Nos demais quadros temos zooms subseqüentes aproximando-se do núcleo galáctico onde está o buraco negro supermassivo. Na concepção artística vemos a ilustração do buraco negro central cujo horizonte de eventos é tão grande quando nosso sistema solar, uma pequena fração do tamanho da galáxia M87, mas com 6 bilhões de vezes a massa do Sol. Credita: Bill Saxton, NRAO/AUI/NSF

A galáxia M87 é uma fonte de raios cósmicos ultra energéticos. Vemos neste painel: No topo, à esquerda temos uma imagem da M87 obtida pelo VLBA que mostra a emissão dos jatos de rádio em uma escala de 200.000 anos-luz. Nos demais quadros temos zooms subseqüentes aproximando-se do núcleo galáctico onde está o buraco negro supermassivo. Na concepção artística vemos a ilustração do buraco negro central cujo horizonte de eventos é tão grande quando nosso sistema solar, uma pequena fração do tamanho da galáxia M87, mas com 6 bilhões de vezes a massa do Sol. Crédito: Bill Saxton, NRAO/AUI/NSF

1 comentário

5 menções

  1. Eu aceito viajar a Marte sob quaisquer condições…morrer em Marte seria Digno! Melhor que morrer no Brasil e ter que ainda por cima, bancar pra ser enterrado…bah.

  1. […] Quando o campo magnético de uma CME conecta com o da Terra, são injetadas partículas de alta energia na magnetosfera. Devido à pressão do vento solar, as linhas de campo magnético do Sol se centrarão na Terra, curvando-se atrás do nosso planeta. As partículas injetadas no “lado diurno” serão canalizadas para as regiões polares da Terra interagindo com nossa atmosfera e gerando a luz através das auroras. Durante esta época, o Cinturão de Van Allen ficará “super carregado eletricamente”, criando uma região ao redor da Terra que pode causar problemas  tanto aos astronautas desprotegidos como nos satélites sem escudos. Para mais detalhes, leia: “Radiation Sickness, Cellular Damage and Increased Cancer Risk for Long-term Missions to Mars“, “New Transistor Could Side-Step Space Radiation Problem.” e Viagem até Marte? Cuidado com os raios cósmicos! […]

  2. […] Quando o campo magnético de uma CME conecta com o da Terra, são injetadas partículas de alta energia na magnetosfera. Devido à pressão do vento solar, as linhas de campo magnético do Sol se centrarão na Terra, curvando-se atrás do nosso planeta. As partículas injetadas no “lado diurno” serão canalizadas para as regiões polares da Terra interagindo com nossa atmosfera e gerando a luz através das auroras. Durante esta época, o Cinturão de Van Allen ficará “super carregado eletricamente”, criando uma região ao redor da Terra que pode causar problemas aos astronautas desprotegidos e nos satélites sem escudos. Para mais detalhes, leia: “Radiation Sickness, Cellular Damage and Increased Cancer Risk for Long-term Missions to Mars“, “New Transistor Could Side-Step Space Radiation Problem.” e Viagem até Marte? Cuidado com os raios cósmicos! […]

  3. […] no The Journal of Leukocyte Biology. Além da forte probabilidade em contrair câncer devido à exposição demorada aos raios cósmicos somada à intensa radiação espacial, os astronautas terão outros problemas à enfrentar […]

  4. […] no The Journal of Leukocyte Biology. Além da forte probabilidade em contrair câncer devido à exposição demorada aos raios cósmicos somada à intensa radiação espacial, os astronautas terão outros problemas à enfrentar […]

  5. […] nuclear para reduzir dramaticamente o trânsito entre a Terra e Marte. Quanto mais curta a jornada, menor a exposição dos astronautas a perigosa radiação cósmica, bem como o tempo que permaneceriam em ambiente de microgravidade, […]

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