Hubble: Estrelas em fuga revelam o embate gravitacional ocorrido em um sistema que se desmantelou séculos atrás na Nebulosa Kleinmann-Low dentro do Complexo de Órion

Enquanto as famílias reais inglesas lutavam a Guerra das Rosas no século XV para controlar o trono da Inglaterra, um grupo de estrelas travava uma luta contenciosa: uma autêntica guerra estelar  em Órion.

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Essa imagem capturada pelo Hubble mostra um grupo de jovens estrelas, a que damos o nome de Aglomerado do Trapézio (note as 4 estrelas mais luminosas no centro que formam um trapézio). A 1ª inserção realça a localização das três estrelas analisadas no recente estudo. O local do nascimento do sistema múltiplo está marcado como “initial position”. Duas das estrelas ( “BN” e “I”, para fonte I ) foram descobertas há décadas atrás. A fonte I está encoberta por poeira espessa e não pode ser vista por telescópios óticos. Descobriu-se recentemente que a terceira estrela, “x”, para fonte x, se moveu bastante entre 1998 e 2015, tal como mostra a 2ª inserção. Créditos: NASA, ESA, K. Luhman (Universidade Estatal da Pensilvânia) e M. Robberto (STScI)

Estrelas lutavam entre si em um conflito gravitacional, que terminou com o sistema se desmantelando, com pelo menos três estrelas ejetadas em direções diferentes. Contudo, as velozes estrelas desertoras passaram desapercebidas durante centenas de anos até que, nas últimas décadas, duas delas foram detectadas em observações no rádio e no infravermelho, os comprimentos de onda capazes de penetrar a espessa poeira da Nebulosa de Órion.

As observações mostraram que as duas estrelas viajavam a altas velocidades em direções opostas uma da outra. A origem desse movimento dessas estrelas, no entanto, era um mistério. Dessa forma, os astrônomos rastrearam ambas as estrelas até 540 anos no passado, até um mesmo local, e inferiram que ambas que faziam parte do mesmo, atualmente extinto, sistema múltiplo. No entanto, a energia cinética combinada medida da dupla, que agora está levando-as para fora, não explicava completamente o cenário. Os pesquisadores argumentaram que deveria haver pelo menos um outro culpado no ‘jogo’, um corpo que roubou energia do embate estelar.

Agora, o Telescópio Espacial Hubble da NASA ajudou os astrônomos a descobrirem a peça final do quebra-cabeças, ao encontrar a terceira estrela fugitiva. Os astrônomos seguiram o percurso da estrela recém-descoberta de volta ao mesmo local onde as duas estrelas anteriormente conhecidas estavam localizadas há 540 anos. O trio reside em uma pequena região de jovens estrelas chamada Nebulosa Kleinmann-Low, perto do centro do vasto complexo da Nebulosa de Órion, que reside a cerca de 1.300 anos-luz da Terra.

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Imagem da Nebulosa Kleinmann-Low, que faz parte do complexo da Nebulosa de Órion, composta por imagens óticas e infravermelhas do Hubble. A radiação em infravermelho permite perscrutar através da poeira da nebulosa e observar as estrelas no seu interior. As estrelas reveladas têm um tom avermelhado. Os astrônomos liderados por Kevin Luhman procuravam por exoplanetas flutuantes e anãs marrons (anãs castanhas). Como efeito colateral, descobriram uma veloz estrela fugitiva. Créditos: NASA, ESA/Hubble

O investigador líder Kevin Luhman, membro da Universidade Estatal da Pensilvânia, EUA, explicou:

As novas observações a partir do Hubble fornecem evidências muito fortes de que as três estrelas foram expelidas de um sistema múltiplo. Os astrônomos já tinham encontrado, anteriormente, alguns outros exemplos de estrelas em rápido movimento cujas trajetórias emergiram de sistemas estelares múltiplos e que provavelmente foram arremessadas. Mas estas três estrelas são os exemplos mais jovens de estrelas ejetadas. O trio tem provavelmente apenas algumas centenas de milhares de anos. De fato, com base nas imagens na faixa do infravermelho, as estrelas ainda são jovens o suficiente para terem abrigado discos de material deixados para trás quando da sua formação.

Todas as três estrelas se movem extremamente rápido em fuga da Nebulosa Kleinmann-Low, a quase 30 vezes acima da velocidade da maioria dos habitantes estelares da nebulosa. Com base em simulações de computador, os astrônomos estimam que estas guerras gravitacionais ocorram em aglomerados jovens, onde as estrelas recém-nascidas se aglomeram.

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Esta ilustração demonstra a maneira pela qual um grupo estelar pode se fragmentar, ejetando os seus componentes para o espaço interestelar. Painel 1: membros de um sistema múltiplo orbitam entre si; Painel 2: duas das estrelas se movem para mais perto uma da outra ao longo das suas órbitas; Painel 3: as duas estrelas eventualmente ou se fundem ou formam um binário de contato. Este evento libera energia gravitacional suficiente para expulsar para o espaço todas as demais estrelas do sistema. Créditos: NASA, ESA e Z. Levy (STScI)

Kevin Luhman acrescentou:

Mas não temos observado muitos exemplos, especialmente em aglomerados muito jovens…  A Nebulosa de Órion pode estar recheada de outras estrelas ejetadas no passado e que agora fogem para o espaço.

Luhman deparou com a terceira estrela em fuga, chamada de “fonte x,” enquanto caçava exoplanetas flutuantes (exoplanetas errantes que não estão gravitacionalmente ligados a nenhuma estrela hospedeira) na Nebulosa de Órion como membro de uma equipe internacional liderada por Massimo Robberto do STScI (Space Telescope Science Institute) em Baltimore, Maryland, EUA. A equipe usou a capacidade de infravermelho do instrumento WFC3 (Wide Field Camera 3) do Hubble para realizar o levantamento. Durante a análise, Luhman comparava novas imagens infravermelhas obtidas em 2015 com observações de 1998 pelo NICMOS (Near Infrared Camera and Multi-Object Spectrometer). Ele notou que a “fonte x” havia mudado consideravelmente de posição, em relação às estrelas próximas, nos 17 anos entre as imagens do Hubble, indicando que a estrela se movia rapidamente, a mais de ‪200.000 km/h.

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O vídeo mostra o movimento de uma estrela em fuga dentro da Nebulosa de Órion. A composição em dois quadros foi capturada com 17 anos de intervalo entre si pelo Hubble. A 1ª imagem é de 1998 e foi obtida pela Near Infrared Camera junto com o Multi-Object Spectrometer; a 2ª imagem é de 2015 e foi obtida pela câmera WFC3 (Wide Field Camera 3). O objeto brilhante à direita é uma estrela em primeiro plano que não se relaciona ao evento. A estrela em fuga, chamada de “fonte X” se move a mais de 200.000 km/h. A “fonte X” e pelo menos duas outras estrelas foram ejetadas em diferentes direções. Crédito: NASA/ESA/Hubble

Os astrônomos então voltaram os olhos para as posições anteriores da estrela, projetando o seu caminho de volta no tempo. Ele percebeu que, na década de 1.470, a “fonte x” estava perto da mesma localização inicial na Nebulosa Kleinmann-Low que as outras duas estrelas fugitivas: Becklin-Neugebauer (BN) e “fonte I.”

‘BN’ foi descoberta em 1967 com recurso das imagens infravermelhas, mas o seu rápido movimento só foi detectado em 1995, quando observações no rádio determinaram que a velocidade da estrela rondava os ‪96.000 km/h. A “fonte I” viaja a aproximadamente 35.400 km/h. A estrela só havia sido detectada no rádio; considerando que está fortemente envolta em poeira, a sua luz visível e também em infravermelho está amplamente bloqueada.

As três estrelas provavelmente foram expulsas do seu lar natal quando se envolveram em um “jogo de bilhar” gravitacional, esclareceu Luhman. O que muitas vezes acontece quando um sistema múltiplo desmorona é que duas das estrelas se aproximam o suficiente uma da outra, fundem-se ou formam um binário muito íntimo. Em ambos os casos, o evento libera energia gravitacional suficiente para impulsionar para fora todas as estrelas do sistema. O episódio energético também produz um fluxo massivo de material, que pode ser visto em imagens do dispositivo NICMOS como “dedos” de matéria que flui para longe da posição da embebida estrela apelidada de “fonte I”.

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Essa imagem com anotações (régua e compasso) capturada pelo Hubble mostra um grupo de jovens estrelas, a que damos o nome de Aglomerado do Trapézio (repare nas 4 luminosas estrelas que estão no centro da foto). A inserção realça a localização das três estrelas analisadas pelo novo estudo. O local do nascimento do sistema múltiplo está marcado como “initial position”. Duas das estrelas ( “BN” e “I”, para fonte I ) foram descobertas há décadas atrás. A fonte I está encoberta por poeira espessa e não pode ser vista por telescópios óticos. Créditos: NASA, ESA, K. Luhman (Universidade Estatal da Pensilvânia) e M. Robberto (STScI)

Os telescópios do futuro, como o JWST (James Webb Space Telescope), vão ser capazes de observar uma grande faixa da Nebulosa de Órion. Através da comparação de imagens da nebulosa, obtidas pelo JWST, com aquelas imagens obtidas anos antes pelo Hubble, os astrônomos esperam identificar mais estrelas fugitivas que se separaram de outros sistemas múltiplos desmantelados.

Os resultados da equipe foram publicados na edição de 20 de março de 2017 no The Astrophysical Journal Letters.

Fontes

Hubblesite: Hubble Discovery of Runaway Star Yields Clues to Breakup of Multiple-Star System

ESA/Hubble: heic1705 — New Hubble mosaic of the Orion Nebula / Hunting for rogue planets and runaway stars

APOD (21/03/2017): Fast Stars and Rogue Planets in the Orion Nebula – Créditos: NASAESAHubble

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