Não Há Dia Sem História
18 de maio de 1966
Nikolai Kamanin: A tola ansiedade dos patriotas
No dia 18 de maio de 1966, há 50 anos, um memorando assinado por Nikolai Petrovich Kamanin, oficial da aviação militar, alto funcionário burocrático e herói nacional da União Soviética, circulou pelos escritórios do Kremlin, da Cidade das Estrelas e da Academia Militar Zhukovskiy.
Já havia passado quatro anos desde o vôo pioneiro de Gagarin. O programa espacial soviético evoluíra. O documento de Kamanin descrevia um “triste estado de coisas”. A primeira queixa era de que “não havia um único órgão do Estado Soviético encarregado de gestão sistemática do programa espacial”. Criticava nominal e diretamente autoridades por “tratarem o programa espacial como um mero ítem de expediente”. Os termos eram bem claros: “… não há ninguém na Academia das Ciências, na indústria, ou no Ministério da Defesa encarregado de gerir um vôo espacial tripulado (apenas 4% – 8 de 200 lançamentos por parte da União Soviética – foram missões tripuladas), nos últimos seis anos nenhuma nova espaçonave tripulada foi lançada (a Voskhod é apenas uma modificação da Vostok), a nova nave espacial Soyuz está com 3 ou 4 anos de atraso, devido à insistência de ela ser plenamente capaz de fazer a acoplagem automática no espaço; somente componentes não adequados para naves tripuladas vem sendo entregues”. Salta aos olhos o desprezo pelo aprimoramento da “acoplagem automática no espaço”.
Tudo indica que Kamanim, embora fosse um soviético exemplar e um notável membro da nomenklatura, concordava – ou invejava – com a escola aeroespacial norte americana dos anos 60, que era obstinada pela presença humana nos vôos. Os norte-americanos tinham um bom motivo para isso: eles precisavam chegar à Lua num vôo tripulado, para recuperar a dignidade diante da seqüência de derrotas sofridas para os “bolchevistas”. Já os engenheiros soviéticos, liderados por Sergey Korolev, mais realistas e menos influenciados por necessidades espetaculosas, ,esmo porque haviam vencido todas as etapas da corrida espacial até então, anteviam as necessidades futuras e agiam com objetivos de eficácia, economia. Kamanin mordera a isca. A escola de Korolev, não.
Entre soviéticos e americanos o que ocorria era uma disputa inteligentíssima, de gênios contra gênios. E de ambos os lados do tabuleiro o que estes gênios estavam defendendo era a astronáutica, bem mais do que o conceito de pátria. Nikolai Kamanin, não obstante herói nacional, hábil piloto, membro notável da nomenklatura, um grande patriota e tudo mais, parece não ter entendido aquele xadrêz sofisticado. Ao assinar um documento em que desprezava a importância do aprimoramento das acoplagens automáticas, ele revelou ignorar que o futuro estava traçado para as estações orbitais – Salyut, Mir, Skylab, ISS – e que a engenharia aeroespacial soviética vinha trabalhando nisso, silenciosa e pacientemente.
Hoje, 49 anos depois, podemos ver que a arquitetura e logística de uma estação espacial é um puro exercício de acoplagem e que a manutenção e a segurança depende fundamentalmente de cargueiros não tripulados, eficazes, práticos, baratos, automáticos. A precipitação de Kamanin, além de ser um documento que encerra um notável dado de pesquisa histórica, provou que Korolev estava trabalhando no rumo certo.
Milton W.
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