Big Bang? Não! Grande Explosão? Não! O Universo começou com o “Grande Silêncio”

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SHHH! SILÊNCIO! O GRANDE SILÊNCIO!!!!

Três teorias candidatas a “teoria do tudo” convergem na revolucionária ideia: o Universo nasceu em uma fração de segundo onde suas diversas partes não estavam conectadas entre si.

TODOS NÓS sabemos que, no espaço, ninguém pode ouvir seus gritos. No entanto, poucos conseguem perceber quão profundamente quieto o cosmos pode ser. No momento em que nosso Universo veio a existir, o silêncio era verdadeiramente extraordinário. Foi uma fração de segundo de total isolamento em que nada e nenhum lugar estava ligado. Se você deixou escapar um grito, ele não iria nem mesmo soar através dos seus lábios.

Aurélien Barrau, cosmologista da Universidade Joseph Fourier em Grenoble, França, disse:

Cada ponto do espaço vivia sua própria existência.

Esta é uma mudança radical na concepção do nosso quadro habitual da fábrica do espaço-tempo, pensado anteriormente como um tecido suave e contínuo. Esta mudança conceitual vem como uma cortesia dos pesquisadores que tentam aplicar e desenvolver a teoria quântica em nossa compreensão atual do Universo, que se baseia na TGR (Teoria Geral da Relatividade) de Albert Einstein. Tal faz um bom trabalho ao descrever a gravidade na escala das estrelas e das galáxias, mas quando se trata de toda a história do Universo, a TGR deixa lacunas…

Em um certo sentido, a relatividade geral prevê sua própria morte. Quando voltamos no tempo, no relógio no cosmos, o conteúdo do Universo fica mais próximo entre si e a gravidade torna-se cada vez mais forte. Como a relatividade geral estabelece, o cosmos surgiu de um ponto de densidade infinita denominado singularidade, onde o espaço e o tempo se curvam tão radicalmente que a física que conhecemos se quebra. Portanto, a relatividade geral por si só não consegue contar toda a história do nascimento do Universo, em seus primórdios.

Sabemos que quando tratamos do “muito pequeno”, a teoria quântica reina. Para descrever o início de tudo, então, precisamos das duas teorias combinadas em uma única teoria, a chamada “gravidade quântica”.

Ao contrário do que você pode ter ouvido até agora sobre o nascimento do Cosmos, nós temos mecanismos de como fazer isso. A teoria das cordas é o exemplo mais conhecido. Ela descreve como a matriz confusa de partículas que compõem a matéria e as forças, incluindo a gravidade, pode ser reduzida a vibrações de cordas unidimensionais. Mas isso não nos diz muito sobre a natureza fundamental do espaço e do tempo, por isso várias hipóteses alternativas têm surgido nos últimos anos.

Embora ainda seja cedo para tecermos conclusões e nós ainda não saibamos se algumas dessas teorias vai funcionar em todos os detalhes, já estamos observando alguns resultados fascinantes. O mais surpreendente de tudo isso é que, pelo menos, três teorias de gravidade quântica, totalmente independentes, sugerem que o cosmos iniciou com algo que poderíamos chamar de um “momento de grande silêncio”.

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O GRANDE SILÊNCIO – teorias sobre a gravidade quântica preveem que o espaço-tempo, em algum momento, se quebrou em pedaços desconectados, nos instantes iniciais do nascimento do Universo. Em uma fase, a luz e o som conseguem propagar-se em um espaço tempo contínuo (membrana azul, acima). Em outra fase do Universo, nada se propaga em um espaço fraturado (membrana pontilhada, embaixo).

Voltando o relógio para trás no tempo, parece que chegamos em um momento em que cada ponto no espaço torna-se desconectado de todos os outros pontos. Isso significa que nada, nenhum som, nenhuma informação, nenhuma luz, poderia se propagar entre eles. Talvez este momento de silêncio nos dê uma nova narrativa da história mais antiga do Universo?

Steven Carlip, Universidade da Califórnia, foi um dos primeiros a identificar que os vários caminhos para a gravidade quântica têm convergido. Em 2012, Steven Carlip reuniu todas as teorias e descobriu que muitas delas inseriram uma dimensão espacial ou duas enquanto o Universo esteve no seu quente e denso início. Em outras palavras, a geometria do cosmos parece ter sido radicalmente diferente no início.

O momento de silêncio vai além e vê o espaço e o tempo se acabarem completamente. Exatamente como e quando isso aconteceu é difícil de conceber, mas parece surgir a partir das flutuações quânticas primordiais. Carlip e seus colegas têm feito os cálculos em um ramo da teoria das cordas chamado gravidade dilaton. Eles mostraram que o espaço estava dividido em pedaços discretos nos primeiros 5,4 x 10-44 segundos iniciais do Universo (o intervalo de Planck). Cada minúsculo pedaço interagia com nada além da sua própria existência (veja o diagrama).

A mesma concepção é sugerida pela teoria conhecida como Triangulação Dinâmica Causal (CDT – Causal Dynamical Triangulation), em que o Universo é composto de unidades de espaço-tempo com formato de pirâmides com bases triangulares. A forma pelas quais as pirâmides se encaixam fornece a curvatura do espaço e tempo que a relatividade geral sustenta ser causada pela presença da massa e da energia.

Um parto tranquilo?

Na CDT, os blocos de espaço-tempo podem ser diferentes e as simulações via computador podem combiná-los em bilhões de formas diferentes. A ideia é que ao comparar os diferentes resultados simulados podemos identificar os cenários que surgem com maior frequência. Assim, os casos mais comuns contam as histórias mais prováveis ​​do Universo.

Renate Loll, Radboud University Nijmegen, Holanda, um dos criadores da teoria, afirmou:

Esperamos que nossas simulações nos darão uma indicação de como o Universo se comportou perto da singularidade inicial, sem organizarmos as coisas arbitrariamente.

Curiosamente, porém, certas combinações das escolhas podem resultar em Universos totalmente diferentes, tão diferentes “quanto o gelo é do vapor”.

O Universo segundo a teoria CDT pode existir em uma de três “fases” distintas. Uma delas é a mais familiar para nós, onde as diferentes regiões estão conectadas e interagem entre si através da transmissão de sinais ou forças. Outra “fase” é a de um Universo que é apenas um fluido homogêneo, onde tudo é efetivamente parte de todo o resto. A terceira “fase” apresenta o espaço-tempo em unidades completamente desconectadas, onde cada pedaço está sozinho, completamente isolado das demais unidades. Tal seria o alegado “momento de silêncio”, em outras palavras.

Embora seja muito cedo para se dizer com certeza, a ideia de que o Universo poderia ter se alternado entre estas três “fases” podem prenunciar uma nova compreensão da gravidade quântica.

Sabine Hossenfelder, Instituto Nórdico de Física Teórica, em Estocolmo, Suécia, afirmou:

O Universo primordial é a nossa porta de entrada mais confiável para a gravidade quântica. A investigação de tal transição de fase no início do Universo nos permitirá aumentar a nossa compreensão sobre como são o espaço e o tempo, essencialmente.

A manifestação mais recente do “momento de silêncio” veio por meio de uma teoria conhecida como gravidade quântica em loop (loop quantum gravity). Nesta teoria, o espaço-tempo é constituído por um tecido de fios entrelaçados e nós. A forma como os fios se entrelaçam cria um zoológico de partículas e forças.

Uma forma dos pesquisadores tentarem validar a teoria é através da Cosmologia Quântica em Loop (LQC – Loop Quantum Cosmology), que procura maneiras onde a gravidade quântica em loop poderia ter esculpido com precisão a história cósmica. Ele tenta ver como as tranças e os nós teriam se comportado no ambiente de alta energia, sob as condições da alta densidade presentes no início do Universo.

Quando Barrau e seus colegas voltaram para trás a expansão no Universo LQC (retornando no tempo), eles viram condições que retardam a passagem de luz. Quando eles continuaram comprimindo o Universo em estados ainda mais quentes e mais densos, o Universo LQC finalmente chegou a um ponto em que a luz (radiação) não poderia mais viajar, de forma alguma. Se a luz (radiação) não pode viajar, a comunicação não pode acontecer, nenhuma força pode ser transmitida e cada região do espaço-tempo é desconectada das demais. Este é  mais um “momento de silêncio“.

Vamos com calma! Os pesquisadores não estão tomando seu modelo tão a sério assim. “Nós temos que considerar toneladas de suposições”, Barrau admitiu. Mas eles estão animados uma vez que a hipótese LQC já se juntou ao grupo de hipóteses que apontam para um nascimento cósmico tranquilo. Jakub Mielczarek da Universidade Jagiellonian em Cracóvia, Polônia, colega de Barrau explicou:

 O silêncio pode nos ajudar a compreender as relações entre essas formulações.

Um atributo da LQC nos dá um motivo particular de otimismo: a “inflação cósmica” aparece de uma forma surpreendentemente natural. A “inflação cósmica” é um período de crescimento ultrarrápido do Universo que os cosmologistas pensam que deve ter acontecido nos instantes iniciais após o seu nascimento. Esta hipótese foi reforçada pela descoberta da assinatura da radiação cósmica de fundo, quando o Universo deixou de ser opaco e permitiu que a luz (radiação) primordial fluísse, cerca de 370 mil anos após o instante zero do Cosmos.

A grande história do ‘Big Bang’ conta sobre o período da “inflação”. No modelo LQC, a “inflação” acontece como uma consequência natural do que é chamado de “o salto“. Este é o momento primordial do nosso Universo. LQC não vê o nascimento do nosso Universo como o começo de tudo. Em 2006, Parampreet Singh, membro da Louisiana State University e seus colegas demonstraram que, se você volta para trás o relógio em um Universo em loop quântico, você eventualmente encontra um momento em que as tranças e os nós estão sobrecarregados com energia e criam uma força repulsiva que faz com que o espaço se vire do avesso e comece a se expandir de novamente.

Se esse Universo contém qualquer forma de “campo escalar”, uma qualidade tipo névoa, que exerce um certo tipo de força em cada ponto do espaço, o resultado é um período natural de “inflação”. Isto não é tão artificial que possa parecer, todas as teorias cosmológicas colocam um “campo escalar” em seu modelo de Universo, como uma semente para as várias forças. Em um Universo que dá um salto com um “campo escalar”, a inflação é quase inevitável. Barrau alegou:

 Você tem que ajustar as condições, se você quiser evitar a inflação.

O modelo pode até mesmo dizer-nos quanto tempo a inflação durou! A LQC prevê um período de inflação duas vezes mais longo que as observações cosmológicas estimam que realmente durou. Isso não é ruim, Mielczarek pensou. Poderia ter sido 10, 10 mil ou 10 trilhões de vezes maior… E, pelo menos aqui, há um valor. Mielczarek explicou:

Eu não conheço nenhum outro modelo em que a duração da inflação é computável.

O modelo LQC, de fato, tem uma peculiaridade, uma que causou comemoração e consternação em igual medida. Se você ‘apertar’ o Universo ‘um pouco mais forte’, de modo que vai além do momento de silêncio, a luz começa a se mover novamente, embora de uma forma muito estranha. Neste lado do silêncio, a velocidade torna-se um número imaginário (a raiz quadrada de um número negativo). Nas equações, isso significa que a dimensão do tempo realmente se transformou em uma dimensão espacial. Ou melhor, ficamos com quatro dimensões do espaço e absolutamente sem a dimensão temporal.

Todos os caminhos convergem

Embora este seja um problema conceitual para a maioria de nós, para Barrau e seus colegas o problema proporcionou um momento “eureca”. Os “sinos tocam”, dizem eles, da mesma forma como Stephen Hawking e James Hartle anteviram uma maneira de ignorar a singularidade primordial. Eles conseguiram fazer isso usando um Universo com quatro dimensões espaciais mas sem o incluir o tempo.

Outros, como Martin Bojowald na Universidade Estadual da Pensilvânia, veem essa transição para o espaço 4D como um possível problema. Bojowald julga as consequências deste modelo fascinante, mas acha que o caminho modelado por Barrau e seus colegas pode ser equivocado e é possível que os tenha empurrado para longe da realidade.

Martin falou:

Eu admito, ele sabe como fazê-lo melhor. Os resultados mostram-nos uma série de novas questões que as pessoas não esperavam. Isto pode realmente ser muito estimulante.

Já Singh não é tão benevolente. Ele vê o momento de silêncio, como consequência de pressupostos que são “muito preliminares e especulativos”, como ele mesmo disse:

As conclusões são bastante prematuras e improváveis para ser verdade.

Vai transcorrer um longo tempo antes de podermos testar adequadamente quaisquer desses modelos contra o Universo real. A melhor chance encontra-se em características sutis da radiação cósmica de fundo (CMB – Cosmic Microwave Background). Os dados do satélite da ESA (Agência Espacial Europeia) Planck, por exemplo, estão criando nosso mapa mais detalhado da desta radiação por todo o céu. Mesmo assim, o observatório não tinha a sensibilidade para verificar o modelo LQC da criação. Barrau explicou:

Nós vamos ter que esperar por medições pós-Planck.

Se Steven Carlip for persuasivo na especulação, ele acha que há uma chance de mapas recentes da radiação cósmica de fundo feitas pelo telescópio BICEP2 poderiam sondar regiões relevantes para o grande silêncio ou dimensões desaparecendo. Carlip disse:

 É concebível que alguma assinatura observacional existe.

Contudo, Steven Carlip não tem pistas de como isto poderia parecer…

Os pesquisadores LQC concordam que nada disto está visível agora, mas outras pistas podem vir de experiências firmemente enraizadas em laboratório (veja a nota [1] “Cosmologia simulada de mesa”).

Tais são temas altamente especulativos, é claro, talvez demasiadamente especulativos para alguns. Mas a sinergia entre os vários modelos de gravidade quântica fornece uma boa razão para continuarmos a explorar este território. Singh aponta a ressonância entre a teorias LQC e CDT ao olhar para o momento quando o espaço-tempo virou de quântico para clássico. Mesmo que as abordagens tenham surgido a partir de pontos de partida diferentes, ambas dão uma visão do espaço-tempo antes do Universo ter uma chance de se expandir significativamente.

Singh disse:

Isso provavelmente nos diz que os resultados são um reflexo de uma verdade mais profunda sobre a natureza quântica do espaço-tempo.

Hossenfelder também está animada com as semelhanças. “Cada abordagem tem seus prós e contras”, disse ela. Mas se diferentes caminhos nos levam a conclusões semelhantes, Hossenfelder acha que devemos certamente prestar atenção. “Parece que essa convergência está tentando nos dizer alguma coisa.” Shhh [silêncio!]…

Nota

[1] Cosmologia simulada de mesa

Será que o Universo começou não com um estrondo (um Big Bang), mas um silêncio? Tal alegação não é nada fácil de se verificar. Mas há uma possibilidade tentadora, e se trata de uma fonte surpreendente: materiais artificiais têm sido desenvolvidos, como capas de invisibilidade.

Os chamados metamateriais podem fazer coisas estranhas com a radiação. Enquanto a maioria dos materiais desvia as micro-ondas ou a luz visível em uma determinada direção, os metamateriais podem dobrá-las na direção oposta. Mas eles também podem retardá-la ou acelerá-la da mesma forma que as mudanças na densidade de energia o fez no início do Universo.

Isso significa que os metamateriais poderiam ser usados para criar uma simulação de mesa da evolução das condições durante os primeiros momentos do Universo primordial. Igor Smolyaninov já está trabalhando em tais Universos de mesa em seu laboratório na Universidade de Maryland. Igor fez metamateriais a partir de colunas de partículas magnéticas suspensas em um fluido e tem mostrado que a mudança de temperatura pode simular Universos aparecerem e desaparecem no multiverso.

Jakub Mielczarek da Universidade Jagiellonian em Cracóvia, Polônia, aponta para um paralelo entre a experiência de Smolyaninov e gravidade quântica. A equivalência, segundo ele, refere-se ao fato de que os átomos desses tipos de materiais magnéticos têm uma propriedade chamada spin que pode ser orientada de forma aleatória ou alinhados. Quando as rotações são aleatórias, que acontece acima de uma certa temperatura, não há nenhum campo magnético resultante. Reduza a temperatura e então  os spins se alinham para criar um campo magnético.

Da mesma forma, é possível que os pedaços do quente Universo primordial foram alinhados aleatoriamente, gerando um cosmos com quatro dimensões espaciais, mas não com o tempo. Quando o Universo esfriou, uma direção se estabeleceu em algo que nos referimos como a flecha do tempo. Explorando essa transição no laboratório, Mielczarek acha que pode trazer pistas de que o Universo passou por essas mudanças de fase.

Fonte

New Scientist CapaNew Scientist: Goodbye Big Bang, hello Big Silence por Michael Brooks

._._.

3 menções

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