ESO: depois de um longo jejum cósmico o buraco negro supermassivo no centro de nossa galáxia vai se alimentar

Esta ilustração mostra o resultado de uma simulação de como a nuvem de gás se comportará ao circundar o buraco negro supermassivo, sendo despedaçada nos próximos anos. O remanescente da nuvem aparece nas cores vermelho e amarelo e a órbita da nuvem na linha vermelha. As estrelas que orbitam o buraco negro são mostradas ao longo de suas órbitas nas linhas azuis. Esta visão mostra a situação esperada no ano 2021. Crédito: ESO/MPE/Marc Schartmann

Observando através do complexo de telescópios do Very Large Telescope, em Cerro Paranal, Chile, os astrônomos do ESO investigam uma nuvem de gás interestelar, com várias vezes a massa da Terra, em processo de aproximação do buraco negro supermassivo que habita o núcleo da nossa galáxia, a Via Láctea. Trata-se, de fato, da primeira vez que uma nuvem “condenada” foi efetivamente vista neste cenário.

Ao longo de extenso programa de 20 anos o ESO utiliza seus telescópios para monitorar o movimento das estrelas em volta do buraco negro supermassivo situado no centro da nossa galáxia (veja sobre isto em Buraco Negro no centro da Via-Láctea teve sua presença comprovada[1]. Agora, uma equipe de astrônomos liderada por Reinhard Genzel (Instituto Max-Planck para a Física Extraterrestre – MPE- Garching, Alemanha), descobriu um objeto único em queda na direção do buraco negro.

O fato notável é que nos últimos sete anos, a velocidade deste objeto praticamente duplicou, atingindo mais de 8 milhões de km/hora. A nuvem de poeira e gás perfaz uma órbita bem alongada [2] e estima-se que em meados de 2013 será vista passando a uma distância de apenas 40 bilhões de quilómetros do horizonte de eventos do buraco negro (ponto a partir do qual o objeto deixa de ser visto), uma distância que equivale a cerca de 36 horas-luz [3]. Este cenário trata-se, em termos astronômicos, de um real encontro entre um objeto e um buraco negro supermassivo.

Esta nuvem é bem mais fria do que as estrelas circundantes (atualmente com uma temperatura de apenas cerca de 280º Celsius) e é essencialmente composta de hidrogénio e hélio. Trata-se de uma nuvem de poeira e gás ionizado com uma massa de cerca de três vezes a da Terra. Esta nuvem brilha sob a intensa radiação ultravioleta emitida por estrelas quentes próximas, que se residem no núcleo superlotado da Via Láctea.

Fim do jejum cósmico

Outro fato em destaque é que a atual densidade da nuvem é muito maior do que o gás quente que rodeia o buraco negro, o que denota o jejum pelo qual o buraco negro supermassivo tem passado nos últimos tempos. No entanto, à medida que a nuvem chega perto do monstro esfomeado, a pressão externa que vai aumentando, irá comprimir a nuvem. Ao mesmo tempo, a grande força gravitacional do buraco negro, o qual tem uma massa de aproximadamente quatro milhões de vezes a do nosso Sol, continuará a acelerar seu movimento para o interior e a esticará ao longo da sua órbita.

Stefan Gillesseen (MPE), autor principal do artigo científico que descreve os resultados, explicou:

A imagem de um astronauta, próximo de um buraco negro, a ser esticado até ficar como um espaguete é bastante comum em ficção científica. E agora poderemos efetivamente observar este fenômeno nesta nuvem de matéria, que certamente não vai sobreviver à experiência.

As bordas da nuvem começam já a se rasgar e espera-se que a nuvem se esfacele completamente em pedaços nos próximos anos [4]. Os astrônomos têm reparado nos sinais claros do aumento da perturbação no período de 2008 a 2011.

Espera-se também que o material se torne muito mais quente à medida que se aproxime do buraco negro em 2013 e comece a emitir raios-X. Atualmente existe pouco material próximo do buraco negro, por isso a refeição recém-chegada será o combustível dominante do buraco negro durante os próximos anos.

Qual a origem da nuvem?

Uma explicação para a formação da nuvem é que o material que a compõe possa ter vindo de estrelas jovens de grande massa que se encontram nas proximidades e que perdem massa muito rapidamente devido a ventos estelares. Estrelas deste tipo sopram literalmente o seu gás para o exterior. A colisão de ventos estelares de uma estrela dupla conhecida que orbita em torno do buraco negro central pode ter levado à formação da nuvem.

Reinhard Genzel concluiu:

Os próximos dois anos serão muito interessantes e deverão trazer-nos informação extremamente valiosa sobre o comportamento da matéria em torno destes objetos massivos tão extraordinários.

Este trabalho será apresentado no artigo científico “A gas cloud on its way towards the super-massive black hole in the Galactic Centre”, por S. Gillessen et al., que será publicado a 5 de Janeiro de 2012 na revista  Nature.

A equipe deste trabalho foi composta por S. Gillessen (Max-Planck-Institut für extraterrestrische Physik [MPE], Alemanha), R. Genzel (MPE; Department of Physics, University of California [UC], EUA), T. Fritz (MPE, Alemanha), E. Quataert (Department of Astronomy, UC, EUA), C. Alig (Universitätssternwarte der Ludwig-Maximilians-Universität [LMU], Alemanha), A. Burkert (MPE; LMU), J. Cuadra (Departamento de Astronomía y Astrofísica, Pontificia Universidad Católica de Chile, Chile), F. Eisenhauer (MPE), O. Pfuhl (MPE), K. Dodds-Eden (MPE), C. Gammie (Center for Theoretical Astrophysics, University of Illinois, EUA), T. Ott (MPE).

Notas

[1] Buraco nego supermassivo galáctico: O buraco negro que se encontra no centro da Via Láctea é formalmente conhecido por Sgr A* (Sagitarius A). É o buraco negro supermassivo mais próximo que se conhece e por isso é um ótimo local para estudar os buracos negros de forma detalhada.

[2] NACO: As observações foram obtidas com a câmara infravermelha de óptica adaptativa NACO e com o espectrógrafo infravermelho SINFONI, ambos instalados no Very Large Telescope do ESO, no Chile. O centro da Via Láctea situa-se por detrás de espessas nuvens de poeira, que espalham e absorvem a radiação visível. Por isso, temos que o observar no infravermelho, radiação para a qual as nuvem se tornam mais transparentes.

[3] Hora-luz: Uma hora-luz é a distância que a luz percorre numa hora. É um pouco mais do que a distância entre o Sol e o planeta Júpiter. Em termos de comparação, a distância entre o Sol e a estrela mais próxima é superior a quatro anos-luz. A nuvem passará a uma distância do buraco negro correspondente a menos de dez vezes a distância do Sol a Netuno.

[4] Este efeito é bem conhecido da mecânica dos fluidos e pode ser observado quando, por exemplo, estamos a despejar xarope num copo de água. A corrente de xarope que cai na água é destruída e a gota desfaz-se – diluindo de modo eficaz o xarope na água.

Fonte

ESO: A Black Hole’s Dinner is Fast Approaching — VLT spots cloud being disrupted by black hole

3 comentários

1 menção

  1. 2013 anotado 🙂

  2. Prezado Ricardo, sou jornalista do Correio Braziliense e estou fazendo uma matéria sobre as teorias conspiratórias do fim do mundo. Vi seu post sobre a inversão dos pólos e gostaria muito de citá-lo na matéria, com os devidos créditos. É possível? Obrigada! Meu email é [retirado para manter a privacidade] com e o site do jornal é http://www.correiobraziliense.com.br

      • ROCA em 04/01/2012 às 13:24
        Autor

      Será um prazer ser citado. Mandei e-mail para você, Paloma.

  1. […] negro, o que torna o evento provavelmente não relacionado com diretamente com a nuvem G2 [ Leia: ESO: depois de um longo jejum cósmico o buraco negro supermassivo no centro de nossa galáxia vai s… […]

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