Astrônomos do ESO analisaram a atmosfera de uma super-Terra através do VLT (Very Large Telescope), em Monte Paranal, Chile. O exoplaneta, conhecido como GJ 1214 b, foi estudado quando transitou na frente da sua estrela hospedeira. Os cientistas aproveitaram esta oportunidade para observar uma fração da radiação estelar que atravessou sua atmosfera. Sabemos agora que a atmosfera deste exoplaneta é composta essencialmente por água, que se apresenta sob a forma de vapor ou dominada por nuvens espessas ou névoas.

Gráficos de previsões teóricas do espectro de GJ 1214 b são comparados com os dados medidos (pontos pretos). Em laranja a composição da estrela hospedeira (sem o trânsito), em azul o modelo de uma atmosfera 100% saturada de vapor d'água e em verde o modelo com 30% de hidrogênio e 70% de água. Crédito: Nature
O exoplaneta GJ 1214 b foi descoberto em 2009 através do dispositivo HARPS, instalado no telescópio de 3,6 metros do ESO, situado no Chile (artigo ESO0950: Gliese 1214 b: Astrônomos Encontram Super Terra com Atmosfera Densa, Inóspita e Coração Gelado) [1]. Os resultados iniciais indicavam que este exoplaneta tinha uma atmosfera, a qual foi agora confirmada e estudada em detalhe por uma equipe internacional de astrônomos, liderada por Jacob Bean (Harvard–Smithsonian Center for Astrophysics), utilizando o instrumento FORS montado no VLT (Very Large Telescope) do ESO. Jacob Bean afirmou:
Esta é a primeira super-Terra para a qual analisamos detalhadamente a atmosfera, alcançando assim um marco verdadeiramente notável na caracterização destes mundos.
O exoplaneta GJ 1214 b tem um raio cerca de 2,6 vezes maior do que o da Terra e possui cerca de 6,5 vezes mais massa que a Terra, 2% da massa de Júpiter (0,02 ± 0,0027 MJ), o que o coloca naturalmente na classe das super-Terras. A sua estrela hospedeira reside a cerca de 40 anos-luz de distância da Terra na constelação de Ofiúco (ou Serpentário).
GJ 1214 é uma estrela anã vermelha, com baixa luminosidade [2] e também pequena no seu diâmetro, o que quer dizer que o tamanho do exoplaneta é relativamente grande quando comparado com o disco estelar, tornando-o razoavelmente fácil de estudar [3]. O exoplaneta passa em frente do disco da estrela progenitora a cada 38 horas, à medida que a orbita a uma distância de apenas dois milhões de quilômetros: cerca de setenta e cinco vezes mais perto da sua estrela que a órbita da Terra em torno do Sol.
Para estudar a atmosfera, a equipe observou a radiação vinda da estrela à medida que o exoplaneta passava à sua frente [4]. Durante estes trânsitos, uma pequena fração da radiação estelar atravessa a atmosfera do exoplaneta e, felizmente, dependendo da composição química e do tempo atmosférico no exoplaneta, comprimentos de onda específicos são absorvidos. A equipe comparou depois estas novas e precisas medições com o que se esperaria observar para várias composições atmosféricas específicas.
Antes destas observações, três atmosferas possíveis para GJ 1214 b foram propostas:
- Rodeado por água: como este exoplaneta está perto demais de sua estrela, grande parte da água estaria na atmosfera como vapor;
- Atmosfera de hidrogênio: uma exoplaneta rochoso rodeado de nuvens altas ou nevoeiros opacos que obscureceriam sua visão;
- Um Mini-Netuno: um exoplaneta com pequeno núcleo rochoso e uma atmosfera muito espessa, rica em Hidrogênio.
As novas medições em no especto próximo do infra-vermelho (780 a 1.000 nanômetros) não mostram sinais de forte abundância de hidrogênio e por isso a terceira hipótese está definitivamente excluída. Portanto, ficamos com as opções 1 e 2: ou a atmosfera ou é rica em vapor ou encontra-se coberta por nuvens ou nevoeiros, semelhantes aos observados nas atmosferas de Vênus e Titã em nosso Sistema Solar, as quais escondem a assinatura do hidrogênio. Jacob Bean completa afirmando:
Embora ainda não possamos dizer exatamente a composição da atmosfera, este foi um grande passo na direção da caracterização da atmosfera de um mundo tão distante, diminuindo as opções para uma atmosfera constituída ou por vapor ou por nevoeiro. Agora são necessárias novas observações no espectro do infravermelho para determinar qual opção de atmosfera existe realmente em GJ 1214b.

Infográfico (modelado antes deste estudo) sobre a hipotética composição da estrutura de GJ 1214 b, uma super-Terra 100% oceânica de baixa densidade (1,9 g/cm³), com massa 6,6 vezes a da Terra e tamanho 2,7 vezes maior, totalmente coberto de água e com uma atmosfera opaca. Com estas características, embora mais massivo que a Terra, nesta super-Terra a gravidade na superfície do oceano seria menor que a em nosso planeta (Geoffrey Marcy; Extrasolar planets: Water world larger than Earth; Nature 17/Dez/2009).
Bean vai mais além, afirmando:
Uma atmosfera de vapor d’água teria que ser altamente densa (cerca de 1/5 de vapor d’água por volume) se compararmos com a nossa Terra que possui uma atmosfera que tem 80% de Nitrogênio e 20% de Oxigênio com traços de vapor d’água. Dentro de um ano teremos respostas mais sólidas sobre como este exoplaneta realmente se parece.
Até antes desta pesquisa tínhamos descoberto gases como hidrogênio e vapor de sódio nas atmosferas de “Júpiteres quentes” através do estudo do trânsito, situação quando o exoplaneta passa entre sua estrela e a Terra, permitindo-nos ver em que comprimentos a radiação luminosa da estrela é absorvida. A assinatura química resultante nos permite decompor os elementos químicos presentes na atmosfera de um exoplaneta, um mundo cuja imagem nós não conseguimos ver diretamente. Neste caso, GJ 1214 b atravessa a sua estrela hospedeira durante cinqüenta minutos de cada órbita de 38 horas. Este cenário nos abriu uma passagem para os estudos da atmosfera de uma super-Terra que futuramente será revelada em maiores detalhes.
O artigo científico que trata deste tema foi publicado na revista Nature em 2 de dezembro de 2010. A equipe do estudo foi composta por Jacob Bean (Harvard–Smithsonian Center for Astrophysics, USA), Eliza Miller-Ricci Kempton (Universidade da Califórnia, Santa Cruz, USA) e Derek Homeier (Institute for Astrophysics, Göttingen, Alemanha).
Notas
[1] O número de exoplanetas confirmados atingiu os 500 em 19 de Novembro de 2010. Desde essa data, mais exoplanetas tem sido rotineiramente confirmados. Para as contagens mais recentes. Para saber mais sobre estes exomundos, visite a enciclopédia de exoplanetas em: http://exoplanet.eu/catalog.php
[2] Se a estrela anã vermelha GJ 1214 fosse observada à mesma distância de nós que o nosso Sol (1 UA), seria 300 vezes menos brilhante.
[3] Uma vez que a própria estrela GJ 1214 é bastante tênue – mais de 100 vezes menos brilhante na radiação visível do que as estrelas hospedeiras dos dois exoplanetas mais estudados do tipo Júpiter quente, a grande área coletora disponível no Very Large Telescope foi indispensável na aquisição de luz suficiente para as medições.
[4] A composição atmosférica de GJ 1214 b foi estudada utilizando o dispositivo FORS pertencente no Very Large Telescope, com o qual é possível fazer espectroscopia de objetos múltiplos com elevada sensibilidade na região infravermelha do espectro eletromagnético. FORS foi um dos primeiros instrumentos a ser instalado no Very Large Telescope.
Fontes e referências
ESO: First Super-Earth Atmosphere Analysed
Centauri Dreams: Probing a ‘Super-Earth’ Atmosphere
Notas do exoplaneta GJ 1214 b e sua estrela na enciclopédia de exoplanetas
Artigos científicos
A ground-based transmission spectrum of the superEarth planet GJ 1214b por Jacob L. Bean, Eliza Miller-Ricci Kempton e Derek Homeier (Nature)
ArXiv.org: Three Possible Origins for the Gas Layer on GJ 1214b
._._.
5 comentários
1 menção
Pular para o formulário de comentário
Ainda é cedo para afirmar. Alguns suponha que ele seja um mini-netuno, outros cientistas (li em outros artigos) acreditam que acontece um enorme efeito estufa, dada a velocidade, proximidade da estrela, e claro, as informações colhidas. Só o fato de detectarem água na atmosfera de um exoplaneta a 40-42 anos-luz, é ótima novidade. Só saberemos maiores detalhes com o Hubble, ou com o Telescópio Espacial James Webb, q o substituirá em 2015 (infelizmente nosso tempo é curto, mas temos de aguardar). Vou além: me arrisco dizendo que ainda encontraremos dentro desse sistema um GJ 1214 “c” ou “d”, onde as condições serão mais propícias à vida. Se essa estrela tiver uma idade próxima ao limite suposto pelo Ricardo de 10 bilhões (sei q a expectativa é de 3 a 10 bilhões), mas imagina o tempo disponível para evolução de vida!
Autor
Um planeta eminentemente oceânico não é muito favorável a vida, pois a vida (que conhecemos) surgiria no solo do oceano, nas suas profundezas, junto a fontes termais. Reparou na enorme profundeza hipotética em GJ 1214 b ? São quilômetros de profundidades e pressões elevadíssimas, centenas a milhares de vezes a que presenciamos no fundo das nossas fossas oceânicas da Terra.
Autor
Miguel,
Tem razão, lembra mais um ‘mini-netuno’ quente. A densidade de Netuno (16,4 q/cm³) é um pouco menor que a de GJ 1214b (1,9 g/cm³).
http://pt.wikipedia.org/wiki/Neptuno_(planeta)
Ricardo, muito interessante o artigo, esse mundo é mesmo fascinante. Ficam algumas duvidas?
1. É possível que esse planeta, mesmo estando tão próximo à estrela, seja uma bola de neve em sua superficie, visto que a sua atmosfera bloqueia a maior parte da luz da estrela, ainda nas camadas mais altas? Pergunto isso porque acho que seria detectavel pelo alto nivel de albedo.
2. A estrela hospedeira tem a sua idade estimada? Pois se lá houver alguma forma de vida, e parecem haver certas condições, a idade da estrela seria uma boa pista.
Autor
Guillherme,
Boas e interessantes dúvidas!
1. Como dissemos o exoplaneta está próximo demais de sua estrela (0,014 AU = 1,4% da distância Terra X Sol), ele completa a órbita em apenas 38 horas viajando a 99 km/s. Lembre-se que o vapor d’água é um gás que favorece o efeito estufa, assim, embora haja um alto albedo reflexivo, o calor proveniente dos raios infravermelhos (esta estrela é uma anã vermelha!) penetram na atmosfera e o calor ficaria retido. Não creio que haja gelo por lá, por causa do efeito estufa.
2. A estrela tem idade estimada entre 3 a 10 bilhões de anos. Sua massa é de 15,3% da massa do nosso Sol. Consulte: http://exoplanet.eu/planet.php?p1=GJ+1214&p2=b . Olhando pelo ponto de vista da idade da estrela, você tem razão, alguma forma extrema de vida pode ter se desenvolvido por lá. Se GJ 1214 b for um planeta oceânico as criaturas estariam protegidas da proximidade e instabilidade inerente da estrela anã vermelha (*) pela espessa atmosfera mais o profundo oceano. No entanto, trata-se de um mundo muito diferente do nosso. A vida por lá seria algo que não conhecemos.
(*) Flare stars
As anãs vermelhas mais tênues são estrelas instáveis de pequeno porte que em geral se comportam como “Flare Stars”. Em uma explosão (flare) as estrelas emitem 10.000 mais raios-X que uma explosão comum no nosso Sol. Estrelas anãs-vermelhas são letais para exoplanetas próximos. Cuidado com isso…
Leia: http://www.stellar-database.com/flare.html
[…] perto do que a órbita da Terra em torno do Sol.Leiam todo o artigo no ESO em português, Público, Eternos Aprendizes, ESO em inglês, NASA, Scientific American, SpaceRef.Comparação entre a Terra, este exoplaneta, e […]