ESO usa o Very Large Telescope para investigar a galáxia mais distante conhecida

Ilustração mostra as galáxias durante a era da reionização (z=8).

Uma equipe de astrônomos europeus utilizou o Very Large Telescope (VLT) do ESO para medir a distância à galáxia mais distante conhecida até hoje. Ao analisar cuidadosamente a fraca luminosidade da galáxia, a equipe descobriu que está na realidade a observar esta galáxia quando o Universo tinha apenas 600 milhões de anos (o que corresponde a um desvio para o vermelho z=8,6). Estas são as primeiras observações que confirmam os dados desta galáxia primordial cuja radiação está dissipando o denso nevoeiro de hidrogênio que enchia o Universo recém formado.


“Utilizando o VLT do ESO (Very Large Telescope) confirmamos que uma galáxia descoberta anteriormente através do Hubble é o objeto mais distante identificado até agora no Universo” [1], disse Matt Lehnert (Observatoire de Paris), autor principal do artigo que apresentou esses resultados. “O poder do VLT e do espectrógrafo SINFONI permitiu-nos medir efetivamente a distância a esta galáxia primordial que aparece muito tênue e descobrimos que, na realidade, estamos a observá-la quando o Universo tinha apenas de 600 milhões de anos de idade.”

A sequência de imagens mostra simulação do Universo para 4 distâncias onde o desvio para o vermelho era z=14, 10, 8 e 6, da esquerda para a direita. As regiões ionizadas são azuis e translúcidas, as frentes de ionização são vermelhas e brancas e as regiões neutras são escuras e opacas. A reionização é um processo não-homogêneo mesmo em largas escalas, com largas regiões ionizadas antes de outras. Crédito: Alvarez et. al.

A sequência de imagens mostra simulação do Universo para 4 distâncias onde o desvio para o vermelho era z=14, 10, 8 e 6, da esquerda para a direita. As regiões ionizadas são azuis e translúcidas, as frentes de ionização são vermelhas e brancas e as regiões neutras são escuras e opacas. A reionização é um processo não-homogêneo mesmo em largas escalas, com largas regiões ionizadas antes de outras. Crédito: Alvarez et. al.

Estudar estas galáxias antigas é extremamente difícil. Quando a sua luz originalmente brilhante chega aqui na Terra, já nos parece muito enfraquecida. Além disso, a radiação tênue que chega até nós está fortemente desviada para região infravermelha do espectro eletromagnético, uma vez que seu comprimento de onda foi esticado devido ao efeito Doppler. A expansão do Universo, onde as galáxias mais distantes se afastam mais rapidamente, produz um este efeito conhecido como “desvio para o vermelho”. Para tornar as coisas ainda piores, nos primeiros tempos do Universo, menos de um bilhão  de anos depois do Big Bang, o Universo não era completamente transparente, como hoje, encontrando-se cheio de nevoeiros de hidrogênio que absorvia a intensa radiação ultravioleta emitida pelas galáxias jovens. Este período em que o nevoeiro ainda estava a ser dissipado pela radiação ionizante ultravioleta é conhecido como a Era da Reionização [2]. Apesar destes desafios, a nova Câmera WFC3 (Câmera de Campo Largo versão 3) do Telescópio Espacial Hubble da NASA/ESA descobriu em 2009 vários objetos candidatos a galáxias brilhando na era da reionização [3]. Confirmar as distâncias a tais objetos tão distantes e tênues constitui um enorme desafio e apenas pode ser conseguido com o uso de espectroscopia feita por telescópios terrestres muito grandes [4], ao medir o desvio para o vermelho da radiação da galáxia.

Matt Lehnert continua: “Depois do anúncio do Hubble sobre as galáxias candidatas, fizemos um pequeno cálculo e ficamos entusiasmados ao descobrir que o imenso poder coletor do VLT, quando combinado com a sensitividade do espectrógrafo infravermelho SINFONI, e um tempo de exposição muito longo poderia permitir-nos detectar o brilho tênue de uma destas galáxias distantes e assim medir a sua distância.”

A galáxia UDFy-38135539 descoberta pelo Hubble. À esquerda vemos a galáxia dentro da imagem de campo ultra profundo do Hubble – HUDF (Hubble Ultra Deep Field).

A equipe fez um pedido especial ao Diretor Geral do ESO, obteve tempo de observação no VLT e observou a galáxia candidata UDFy-38135539 [5] durante 16 horas. Depois de dois meses de análise detalhada dos dados e teste dos resultados, a equipe descobriu que tinha efetivamente detectado o brilho muito fraco vindo do hidrogênio a um desvio para o vermelho z=8,6, o que torna esta galáxia no objeto mais distante alguma vez confirmado por espectroscopia. Um desvio para o vermelho da ordem de 8,6 corresponde a uma galáxia vista a apenas 600 milhões de anos depois do Big Bang.

A co-autora Nicole Nesvadba (Institut d´Astrophysique Spatiale) comentou: “Medir o desvio para o vermelho da galáxia mais distante é bastante importante por si só, mas as implicações astrofísicas desta detecção são ainda mais importantes. Esta é a primeira vez que sabemos com toda a certeza que estamos a observar uma das galáxias que dissipou o nevoeiro que enchia o Universo primordial.”

Um fato surpreendente relativo a esta descoberta é que o brilho da UDFy-38135539 parece não ser suficientemente forte por si só para dissipar o nevoeiro de hidrogênio. “Devem existir outras galáxias, provavelmente menos brilhantes e de menor massa, companheiras da UDFy-38135539 que também ajudaram a tornar o espaço entre as galáxias transparente. Sem esta ajuda adicional, a radiação da galáxia, por mais brilhante que fosse, ficaria presa no nevoeiro de hidrogênio circundante e não a teríamos observado”, explicou o co-autor Mark Swinbank (Universidade de Durham).

O co-autor Jean-Gabriel Cuby (Laboratoire d´Astrophysique de Marseille) disse: “Estudar a era da reionização e da formação de galáxias é levar ao extremo as capacidades dos atuais telescópios e instrumentos, mas será apenas ciência de rotina quando o European Extremely Large Telescope do ESO – que será o maior telescópio do mundo a trabalhar nas bandas do visível e infravermelho próximo – estiver operacional.”

Este trabalho foi apresentado num artigo científico “Spectroscopic confirmation of a galaxy at redshift z=8.6, Lehnert et al.”, que sairá no número de 21 de Outubro de 2010 da revista Nature.

A equipe desta pesquisa foi composta por:

  • M. D. Lehnert (Observatoire de Paris – Laboratoire GEPI / CNRS-INSU / Université Paris Diderot, França);
  • N. P. H. Nesvadba (Institut d’Astrophysique Spatiale / CNRS-INSU / Université Paris-Sud, França);
  • J.-G.Cuby (Laboratoire d’Astrophysique de Marseille / CNRS-INSU / Université de Provence, França);
  • M. Swinbank (University of Durham, UK), S. Morris (University of Durham, UK);
  • Clément (Laboratoire d’Astrophysique de Marseille / CNRS-INSU / Université de Provence, França);
  • J. Evans (UK Astronomy Technology Centre, Edinburgh, UK);
  • M. N. Bremer (University of Bristol, UK);
  • S. Basa (Laboratoire d’Astrophysique de Marseille / CNRS-INSU / Université de Provence, França).

Notas

[1] Um resultado ESO anterior (eso0405) noticiava um objeto a uma distância maior (desvio para o vermelho de 10). No entanto, trabalho posterior não confirmou este resultado, não se encontrando um objeto de igual brilho nessa posição. Observações recentes do Telescópio Espacial Hubble mostraram-se inconclusivas. A identificação deste objeto com uma galáxia muito distante já não é considerada válida pela maioria dos astrônomos.

[2] Quando o Universo esfriou logo após o Big Bang, há cerca de 13,73 bilhões de anos, os elétrons e os prótons livres se combinaram para formar hidrogênio gasoso. Este gás escuro frio era o constituinte principal do Universo durante a chamada Idade das Trevas, quando não existiam ainda objetos luminosos. Esta fase terminou eventualmente quando as primeiras estrelas se formaram e a sua intensa radiação ultravioleta foi lentamente tornando transparente este nevoeiro de hidrogênio ao separar outra vez os átomos de hidrogênio em elétrons e prótons, um processo conhecido por reionização. Esta época do Universo primordial durou desde os 150 aos 800 milhões de anos depois do Big Bang. Compreender como é que se processou a reionização e como se formaram e evoluíram as primeiras galáxias é um dos maiores desafios da cosmologia moderna.

[3] Estas observações Hubble foram descritas em http://www.spacetelescope.org/news/heic1001/

[4] Os astrônomos dispõem de duas maneiras principais de encontrar e medir distâncias às galáxias primordiais. Podem obter imagens muito profundas através de diferentes filtros e medir o brilho de muitos objetos a diferentes comprimentos de onda e seguidamente comparar estes brilhos ao que é esperado de galáxias de diferentes tipos em diferentes alturas da história do Universo. Esta é a única maneira disponível atualmente para descobrir galáxias muito pouco luminosas e é a técnica utilizada pela equipe do Hubble. Mas esta técnica nem sempre é confiável. Por exemplo, o que parece ser uma galáxia muito distante e pouco luminosa pode, por vezes, ser simplesmente uma estrela fria na nossa Via Láctea.

A medida que objetos candidatos são descobertos, medidas mais apuradas da distância (medidas do desvio para o vermelho) podem ser obtidas ao separar a radiação emitida por um candidato nas suas componentes de cor e procurando indícios da emissão de hidrogênio ou de outros elementos na galáxia. Esta aproximação espectroscópica é o único meio pelo qual os astrônomos podem obter medições de distância, as mais confiáveis e exatas possíveis.

[5] Este nome estranho indica que este objeto foi encontrado no rastreio do céu Ultra Deep Field e o número dá a posição precisa do respectivo objeto no céu.

Fontes

ESO: Clearing the Cosmic Fog – The Most Distant Galaxy Ever Measured

Hubble: Hubble finds most distant primeval galaxies

Artigos Científicos

Spectroscopic confirmation of a galaxy at redshift z=8.6 por Lehnert et al.

Enhanced Detectability of Pre-reionization 21-cm Structure por Marcelo A. Alvarez, Ue-Li Pen e  Tzu-Ching Chang

Links

AstroPT: Limpando o Nevoeiro Cósmico – Medida a galáxia mais distante

Science Daily: Most Distant Galaxy Ever Measured: Faint Glow from When the Universe Was Only 600 Million Years Old

._._.

2 menções

  1. […] mais distante no Universo visível), e uma galáxia com desvio para o vermelho de z=8,6 (veja em ESO usa o Very Large Telescope para investigar a galáxia mais distante conhecida), este novo quasar é centenas de vezes mais brilhante que estes objetos distantes. Entre os […]

  2. […] This post was mentioned on Twitter by Ana Luisa Manciola and Twi Sci, Estefferson Torres. Estefferson Torres said: ESO usa o Very Large Telescope para investigar a galáxia mais distante conhecida: Uma equipe de astrônomos europeu… http://bit.ly/ajaTZ3 […]

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