Ausência de hidrogênio e acetileno na superfície de Titã seriam indícios da presença de vida alienígena? [ATUALIZADO]

Lago de hidrocarbonetos em Titã. Crédito da concepção artística: NASA/JPL

Lago de hidrocarbonetos em Titã. Crédito da concepção artística: NASA/JPL

Duas assinaturas potenciais da presença da vida em Titã, lua de Saturno, foram encontradas pela sonda robótica Cassini. Os cientistas, no entanto, apontam que reações químicas não biológicas também podem gerar tais cenários.

Titã tem um clima frio demais para suportar a existência de água líquida em sua superfície. No entanto, alguns exobiólogos têm sugerido que formas exóticas de vida poderiam viver em seus lagos líquidos de metano e etano que pontuam a superfície desta gigantesca lua.

Em 2005, Chris McKay do Ames Research Center da NASA em Moffett Field, junto com Heather R. Smith do International Space University em Strasbourg, França, sugeriram que tais micróbios poderiam existir através da respiração do gás hidrogênio e se alimentando da molécula orgânica acetileno, criando o metano como resíduo do processo digestivo.

Este processo biológico implicaria na falta de acetileno em Titã e na exaustão do hidrogênio na superfície lunar, onde os micróbios habitariam, os cientistas alegam.

Agora, medições realizadas pela sonda Cassini confirmaram estas previsões, sugerindo que este tipo de vida poderia lá estar presente.

 

Steven Hobbs Titan lake

Rio de hidrocarbonetos em Titã, lua de Saturno (Crédito: Steven Hobbs, Brisbane, Austrália)

Famintos por hidrogênio?

Medições na superfície de Titã no espectro infravermelho foram tomadas através do Visual and Infrared Mapping Spectrometer (VIMS) e mostraram ausência do acetileno, mesmo quando a luz ultravioleta solar deveria estar constantemente provocando sua produção dentro da espessa atmosfera de Titã.

O estudo realizado através do dispositivo VIMS, liderado por Roger Clark do US Geological Survey em Denver, Colorado, será publicado no Journal of Geophysical Research.

As medidas da Cassini também sugerem que o hidrogênio está desaparecendo na superfície de Titã, de acordo com o estudo a ser publicado na Icarus por Darrell Strobel da Johns Hopkins University em Baltimore, Maryland.

Além disso, observações com o instrumento Ion and Neutral Mass Spectrometer da Cassini e seu Composite Infrared Spectrometer revelaram que o hidrogênio produzido pelas reações químicas provocadas pelos raios em ultravioleta na atmosfera de Titã está fluindo tanto para cima, escapando para o espaço, quanto na direção da superfície lunar.

Ainda assim, sabemos agora que o hidrogênio não está se acumulando próximo a superfície, sugerindo que algum processo químico o está consumindo. Os resultados revelam “uma química bem rara e atualmente inexplicada”, disse McKay a New Scientist. “Não é uma prova da existência da vida, mas certamente interessante”.

Muito devagar

Existe a possibilidade de que o hidrogênio está se combinando com o carbono na superfície de Titã para gerar o metano. Mas como as baixas temperaturas prevalecem em Titã, estas reações químicas normalmente ocorreriam de forma lenta demais para serem as responsáveis pelo desaparecimento do hidrogênio superficial.

De forma semelhante, as reações químicas inorgânicas poderiam também transformar acetileno em benzeno, um hidrocarboneto que o dispositivo VIMS também detectou na superfície de Titã. Mas, neste caso específico, um catalisador seria necessário para acelerar os processos reativos, aumentando as taxas de consumo do acetileno e tornar-se responsável pelo seu esgotamento.

“O conservadorismo científico sugere que explicações biológicas deveriam ser a última opção depois de esgotarem-se todas as outras possíveis explicações inorgânicas”, disse Mark Allen do JPL (Jet Propulsion Laboratory), em Pasadena, Califórnia. “Nós temos muito a trabalhar para excluir todas as possíveis explicações não biológicas”.

Jonathan Lunine da Universidade do Arizona em Tucson, um membro do time de Clark concorda com estes argumentos. No entanto, Lunine afirma que talvez não seja possível para nos distinguirmos entre explicações biológicas e não-biológicas sem a execução de novas missões exploratórias em Titã. “O único modo de sabermos com certeza seria isolarmos este organismo alienígena e mostrarmos que ele está vivo”, concluiu Lunine.

Há controvérsias…

Chris McKay, do Ames Research Center da NASA, em Moffett Field Califórnia questionou o tema no site do programa Cassini-Huygens, o Ciclops.org (“Have we discovered evidence for life on Titan?“):

Embora estas descobertas sejam interessantes para exobiologia e irão requerer a verdadeira existência de uma vida baseada em metano, uma teoria que eu mesmo (McKay) propus 5 anos atrás, hoje eu a considero como uma “estranha idéia”.

Em 2005, eu (McKay) e Heather Smith (McKay and Smith, 2005) sugerimos que a vida baseada em metano (diferentemente da baseada em água), chamada de metanogens, em Titã, poderia consumir hidrogênio, acetileno e etano. A conclusão chave deste artigo era “Os resultados da sonda Huygens poderiam indicar a presença de tal tipo de vida pelo esgotamento anômalo do acetileno e etano, assim como o do hidrogênio na superfície [de Titã]”.

Embora estes dois novos artigos de 2010 pareçam mostrar evidências destes 3 cenários em Titã, eu afirmo que ainda há um longo caminho para dizermos que se trata de “evidências de vida”. Entretanto, o tema é extremamente interessante.

Mas, o que efetivamente McKay pensa sobre o tema?

“Infelizmente, se eu hoje estivesse apostando, a explicação mais plausível seria que os resultados de Darrel Strobel estão incorretos e que mais estudos irão mostrar que deve haver outra explicação para os dados os quais Strobel está tentando encaixar. Eu ficaria bem feliz se nós conseguíssemos confirmar os dados, mas nos devemos seguir passo a passo”.

Eu (McKay) forneço abaixo 4 possibilidades para os achados recentes, listados na ordem de probabilidade:

  1. A determinação que existe um forte fluxo de hidrogênio sobre a superfície é errônea. “Será interessante ver se outros pesquisadores, ao tentar duplicar os resultados de Strobel, conseguem chegar as mesmas conclusões”.
  2. Existe o processo físico que está transportando o H² a partir da alta atmosfera para a atmosfera inferior. Uma possibilidade é a absorção pelas partículas sólidas da névoa orgânica que eventualmente caem sobre o solo. Entretanto, isto seria um fluxo de H² e não uma perda diferencial do H².
  3. Se a perda do hidrogênio na superfície é um argumento correto, uma explicação não-biológica requer que deve haver algum tipo de elemento catalisador na superfície, atualmente desconhecido, que poderia fomentar a reação na temperatura de 95K (-178º C), encontrada na superfície de Titã. “Isto seria um fato muito interessante e uma descoberta fascinante, mas não tão fascinante quanto a presença de vida”.
  4. O esgotamento do hidrogênio, acetileno e etano pode ser devido a um novo tipo de vida baseada em metano como previsto em estudos anteriores (Benner et al. 2004, McKay e Smith 2005, Schulze-Makuch e Grinspoon 2005 (Astrobiology, vol. 5, no. 4., p. 560-567).

Se análise mais profunda mostrar que há um forte fluxo de hidrogênio sobre a superfície então “minhas duas primeiras explicações devem ser descartadas e ficamos apenas com duas notáveis alternativas, ambas contendo alguma misteriosa catalise em andamento. Na baixa temperatura de 95K, isto é realmente difícil de imaginar e teríamos implicações significativas indicando uma rara descoberta da engenharia química. A segunda alternativa é que existe um novo tipo de vida, o que é ainda bem mais espantoso”.

“Assim, para que tudo isto faça sentido, devemos confirmar os resultados de Darrel Strobel que existe realmente o fluxo de H² sobre a superfície de Titã, que é algo também inesperado e infelizmente, estamos falando de explicações extraordinárias que exigem evidências também extraordinárias. O artigo de Strobel seria, assim, um primeiro passo nesse sentido.

O que McKay acha do sensacionalismo na mídia na questão da vida em titã?

“Bem, eu penso que isto reflete a fascinação humana e o forte desejo de encontramos vida lá fora. Nós queremos que isto seja verdade. Quando nos dão uma série de fatos e se estes estão consistentes com a biologia nós logo pulamos para as explicações orgânicas em primeiro lugar. A justificativa mais interessante do ponto de vista biológico é logo a primeira que escolhemos.”

“Nós deveríamos até dar um nome para tal comportamento, algo como a ‘Navalha de Carl Sagan (Carl Sagan’s Razor) em oposição ao princípio da “Navalha de Occam” (Occam’s Razor). Este ‘novo princípio’ assim estipularia ‘A explicação mais excitante é assumida como verdadeira até prova em contrário’.” 🙂

Fontes e referências

AstroPT: Vida em Titã

Centauri Dreams: Complex Reactions on Titan

New Scientist: Hints of life found on Saturn moon

Icarus: Molecular hydrogen in Titan’s atmosphere: Implications of the measured tropospheric and thermospheric mole fractions

Journal of Geophysical Research

Ciclops.org: Have we discovered evidence for life on Titan?

._._.

3 comentários

1 menção

  1. Mas se a panspermia sugere que a vida veio à terra por atividade de cometas, isso abre portas para que o mesmo tenha ocorrido em outros mundos. É mais provável que eventuais titanianos surgidos da panspermia sejam ligados aos cometas (atraídos por saturno e colidindo em titan) do que a pedaços da terra que estariam mais restritos ao sistema solar interior.

  2. haha excelente o Carl Sagan’s Razor 🙂

    @ZIG “Mas precisamos lembrar que também é muito provável que qualquer forma de vida encontrada em outro lugar do nosso sistema solar tenha sua origem aqui, no nosso planeta.”

    Em todo caso, nós mesmos provavelmente viemos de substâncias que aqui chegaram “na cauda de cometas” – ou pelo menos que eu saiba, a panspermia é uma teroia bastante considerada pelos biólogos e astrobiológos…

    Abs
    raph

  3. É exatamente isso que estou vendo através dos alertas que recebo do google no meu gmail: a explicação mais excitante tomando o lugar da mais provável.

    Eu também quero muito ver alguma outra forma de vida fora da Terra.

    Mas precisamos lembrar que também é muito provável que qualquer forma de vida encontrada em outro lugar do nosso sistema solar tenha sua origem aqui, no nosso planeta.

    Isso porque os planetas e satélites do nosso sistema trocam materiais através de colisões de asteróides e meteoros.

    Então, infelizmente, mesmo que encontremos vida em algum satélite de Saturno ou Júpiter ou no planeta Marte, ainda teremos que provar que essa vida não veio daqui (e que portanto é apenas vida como a nossa, não-extraterrestre de fato [origem]).

    🙁

  1. […] mais, em português, aqui. Leiam mais, em inglês, aqui, aqui, aqui, aqui, e aqui. Uma crítica excelente ao sensacionalismo, […]

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