ESO: Teoria planetária foi posta em cheque com a descoberta de 6 exoplanetas retrógrados

Concepção artística do trânsito do exoplaneta retrógrado WASP 8b. Crédito: ESO/L. Calçada

Concepção artística do trânsito do exoplaneta retrógrado WASP 8b. Crédito: ESO/L. Calçada

Foi anunciada no Encontro Nacional de Astronomia do Reino Unido (RAS National Astronomy Meeting, NAM2010) a descoberta de nove novos exoplanetas através da técnica da observação do seu trânsito. Ao combinar os novos achados com as observações anteriores de exoplanetas em trânsito, os astrônomos ficaram intrigados com o fato de seis deles, uma parte considerável em uma amostragem de 27, orbitarem na direção oposta ao sentido de rotação de sua estrela hospedeira. Assim, estes 6 exoplanetas orbitam na direção contrária ao que presenciamos aqui, com os 8 planetas do nosso Sistema Solar. Estas novas descobertas põem em cheque, de maneira séria e contundente, as teorias correntes sobre a formação planetária. Estas descobertas também sugerem que sistemas que possuem exoplanetas do tipo ‘Júpiter quente’ provavelmente não devem conter exoplanetas rochosos como a Terra.

“Esta notícia é uma verdadeira bomba que lançamos nas ciências planetárias”, disse Amaury Triaud, estudante de doutoramento no Observatório de Genebra que, junto com Andrew Cameron e Didier Queloz, liderou a maior parte da campanha observacional.

O famoso ‘caçador de exoplanetas’ Didier Queloz também afirmou com relação aos ‘Júpiteres Quentes’: “Um dramático efeito colateral deste processo é que ele eliminaria quaisquer outros exoplanetas menores tipo Terra nestes sistemas“.

Impressão artística de 5 (WASP 2b, 8b, 15b, 17b e 33b) dos 6 exoplanetas retrógrados descobertos pelo WASP juntamente com os telescópios do ESO os quais apresentam órbitas retrógradas. As estrelas hospedeiras estão em escala, com seu eixo de rotação apontado para cima e com cores realistas. Os exoplanetas aparecem como círculos negros durante o trânsito. Para comparação, o último exoplaneta, abaixo, à direita, WASP 5b apresenta órbita normal. Crédito: ESO/A. C. Cameron

Impressão artística de 5 (WASP 2b, 8b, 15b, 17b e 33b) dos 6 exoplanetas retrógrados descobertos pelo WASP juntamente com os telescópios do ESO os quais apresentam órbitas retrógradas. As estrelas hospedeiras estão em escala, com seu eixo de rotação apontado para cima e com cores realistas. Os exoplanetas aparecem como círculos negros durante o trânsito. Para comparação, o último exoplaneta, abaixo, à direita, WASP 5b apresenta órbita normal. Crédito: ESO/A. C. Cameron

O que estipula a hipótese planetária tradicional?

A hipótese da formação planetária estima que os planetas se originam no disco de gás e poeira que circunda sua jovem estrela . Naturalmente, espera-se que este disco protoplanetário rode na mesma direção do giro da própria estrela e até agora se esperava que os planetas formados a partir desse disco orbitariam, com mínimas variações, no mesmo plano do disco protoplanetário. Além disso, a hipótese sugere que os planetas orbitariam na mesma direção que a da rotação da estrela. Este é exatamente o cenário observado para os planetas do Sistema Solar.

Confirmação dos resultados e análise detalhada

Depois da detecção preliminar dos 9 novos exoplanetas [1] com o dispositivo WASP (Wide Angle Search for Planets [2]), a equipe de astrônomos, seguindo as ‘práticas usuais da busca de exoplanetas’, utilizou outros telescópios para confirmar estas 9 descobertas e detalhar suas características. Além disso, os cientistas analisaram não só os 9 novos exoplanetas em trânsito como também os mais antigos. Para tal estudo, foram utilizados o espectrógrafo HARPS, montado no telescópio de 3,6 metros do ESO, no observatório de La Silla, Chile, os dados coletados pelo telescópio suíço Euler, também em operação em La Silla, além de dados fornecidos por outros telescópios [3].

Surpreendentemente, quando a equipe comparou os novos dados com as observações mais antigas, descobriu dois fatos surpreendentes:

  • Mais de 50% dos exoplanetas da categoria ‘Júpiter quente’ [4] nesta amostra tem órbitas desalinhadas com o eixo de rotação das suas estrelas hospedeiras;
  • 6 dos 27 exoplanetas nesta amostragem (dos quais 2 pertencem ao grupo com as 9 novas descobertas) têm movimentos retrógrados, ou seja, orbitam a sua estrela na direção “errada”.

“Estes novos resultados desafiam claramente o conhecimento convencional de que os planetas devem sempre orbitar na mesma direção da rotação das suas estrelas,” disse Andrew Cameron da Universidade de St Andrews, que divulgou os resultados no Encontro Nacional de Astronomia do Reino Unido, em Glasgow.

A origem dos exoplanetas do tipo Júpiter quente tem sido um enigma, desde a descoberta do primeiro deles, há 15 anos. São exoplanetas com massas que regulam com a de Júpiter ou maiores, mas que orbitam extremamente próximos de sua estrela hospedeira. A hipótese estipula que os núcleos dos planetas gigantes se formam de uma mistura de partículas de rocha e gelo, material que se encontra apenas nas regiões mais frias e afastadas do sistema planetário. Desde modo, estes exoplanetas gigantes gasosos devem surgir afastados da sua estrela e subseqüentemente acabam por migrar para órbitas interiores, bem mais próximas da estrela hospedeira. Há astrônomos que pensam que este fenômeno se deve a interações gravitacionais com o disco de poeira a partir do qual se formam. Este cenário se desenvolve ao longo de alguns milhões de anos e termina por resultar em uma órbita alinhada com o eixo de rotação da estrela hospedeira. Este cenário permite igualmente a formação subseqüente de planetas rochosos do tipo da Terra. Infelizmente esta teoria não explica estas novas observações.

Novas explicações

Para explicar os novos exoplanetas retrógrados agora descobertos uma teoria de migração alternativa sugere que a proximidade deste tipo de exoplanetas às suas estrelas não se deve a interações com o disco de poeira, mas sim a um processo de evolução mais lento que envolve uma “luta” gravitacional com companheiros planetários ou estelares mais distantes, durante centenas de milhões de anos. Depois destas perturbações gravitacionais levarem um exoplaneta gigante a uma órbita inclinada e alongada, este sofrerá fricções de maré, perdendo energia de cada vez que a sua órbita o aproxima da estrela. Deste modo, ficará eventualmente “estacionado” numa órbita quase circular mas inclinada de maneira aleatória, próximo da estrela hospedeira. “Um efeito secundário dramático deste processo seria o de que qualquer pequeno planeta do tipo da Terra seria varrido destes sistemas,” disse Didier Queloz do Observatório de Genebra.

Dois dos 9 novos exoplanetas retrógrados descobertos mostraram já ter companheiros de grande massa, mais distantes, que poderiam ser as potenciais causas deste efeito. Estes novos resultados irão fomentar uma busca intensa de corpos adicionais noutros sistemas planetários.

Este trabalho foi apresentado no Encontro Nacional de Astronomia do Reino Unido (NAM2010, United Kingdom National Astronomy Meeting), em Glasgow, na Escócia. Na mesma ocasião, o consórcio WASP obteve um prêmio da Royal Astronomical Society (2010 Royal Astronomical Society Group Achievement Award).

Notáveis avanços

Luiz Lopes do AstroPT ressaltou mais dois importantes aspectos sobre estas novas descobertas:

  1. “De notar que o WASP-33b é o primeiro planeta detectado em trânsito em torno de uma estrela de tipo espectral A (A5 no caso);”
  2. “Com 33 descobertas, o Super-WASP é de longe o projecto mais produtivo na detecção de exoplanetas utilizando o método dos trânsitos.”

Notas

[1] A contagem mais recente soma 452 exoplanetas conhecidos, segundo o ESO em 13/04/2010.

[2] Os nove novos exoplanetas foram descobertos pelo instrumento WASP (do inglês Wide Angle Search for Planets). O WASP tem dois observatórios robóticos, cada um com oito câmaras de grande ângulo que monitorizam o céu simultaneamente e continuamente à procura de eventos de trânsito planetário. Um trânsito ocorre quando um planeta passa em frente da sua estrela hospedeira, bloqueando temporariamente parte da radiação emitida pela estrela. As oito câmaras de grande ângulo conseguem monitorizar milhões de estrelas em simultâneo, no sentido de detectar estes raros acontecimentos de trânsito. As câmaras WASP são operadas por um consórcio que inclui a Queen’s University de Belfast, as Universidades de Keele, Leicester e St. Andrews, a Open University, o Grupo Isaac Newton de La Palma e o Instituto Astrofísica Canárias. Consulte a página do programa superWASP para conhecer dados dos exoplanetas: http://www.superwasp.org/wasp_planets.htm

[3] Para confirmar a descoberta e caracterizar um novo planeta em trânsito, é necessário fazer um estudo de velocidade radial para detectar as oscilações da estrela hospedeira em torno do centro de massa comum (estrela + planeta). Isto é feito com uma rede internacional de telescópios equipados com espectrômetros sensíveis. No hemisfério norte o Nordic Optical Telescope nas ilhas Canárias e o instrumento SOPHIE montado no telescópio de 1,93 metros do Observatório de Haute Provence em França lideram a busca. No sul, o HARPS montado no telescópio de 3,6 metros do ESO e o espectrômetro CORALIE montado no telescópio suíço EULER, ambos em La Silla, foram utilizados para confirmar a descoberta dos novos planetas e medir o ângulo que a órbita de cada planeta faz com o equador da respectiva estrela. Os telescópios robóticos Faulkes no Observatório Las Cumbres, situados no Havaí e Austrália, forneceram medições de brilho para a determinação do tamanho dos planetas. Observações subseqüentes dos candidatos a exoplaneta WASP foram obtidas pelo telescópio suíço Euler em La Silla, Chile (em colaboração com colegas do Observatório de Genebra), pelo Nordic Optical Telescope em La Palma e pelo telescópio de 1,93 metros do Observatório de Haute Provence em França (em colaboração com colegas do Institut d’Astrophysique de Paris e do Laboratoire d’Astrophysique de Marseille).

O estudo dos ângulos de inclinação orbital dos exoplanetas WASP foi feito com o instrumento HARPS montado no telescópio de 3,6 metros e com o instrumento CORALIE montado no telescópio suíço Euler, ambos em La Silla, no hemisfério sul, e no Observatório Tautenburg, no Observatório McDonald e no Nordic Optical Telescope, no hemisfério norte.

[4] Exoplanetas do tipo Júpiter quente são planetas com massas similares ou maiores do que a de Júpiter, que orbitam as suas estrelas hospedeiras em órbitas muito mais próximas da estrela do que qualquer planeta do nosso Sistema Solar se encontra do Sol. Como são grandes e estão próximos das  suas estrelas hospedeiras são mais fáceis de detectar através do seu efeito gravitacional sobre a estrela e ao mesmo tempo têm mais probabilidade de transitar o disco da estrela. A maior parte dos primeiros exoplanetas descobertos pertence a esta classe de objetos.

Fontes e referências

ESO:

Royal Astronomical Society: Turning planetary theory upside down

Centauri Dreams: Do ‘Hot Jupiters’ Rule Out Terrestrial Planets?

Las Cumbres: New exoplanets turn planetary theory upside down

._._.

4 comentários

1 menção

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    • Gutislo, o godo em 07/06/2011 às 21:47
    • Responder

    Ih! Danou-se! Foram descobertos planetas orbitando na contra-mão…

    E o Júpiter quente, não seria engolido pela estrela, ou sequer era para existir, pois a gravidade não teria feito a massa de ambos um corpo só?

    A astronomia já sabe demais, no entanto somente está engatinhando mesmo; o problema maior é a falta de uma perspectiva a longo prazo, pois as escalas temporais do universo são absurdamente grandes, comparadas à nossa célere vida.

    Com relação a uma forma de divulgar este site – um de meus preferidos da internet – acho o Facebook uma excelente opção.

    • Artur de Oliveira em 04/06/2011 às 19:53
    • Responder

    Isto pode pode ter outra explicação inesperada.
    Os planetas retrogrados podem simplesmente ter sido capturados pela gravidade da estrela quando se aproximaram o suficiente da sua influência.
    Assim, esses planetas retrógrados não são originários do sistema solar que os acolheu mas são planetas isolados acolhidos pela estrela e o sentido da orbita é o sentido inicial quando foram aprisionados graviticamente por esta.

  1. Muito bom, como sempre. O blog de vocês merece maior divulgação!

      • ROCA em 15/04/2010 às 14:06
        Autor

      Então, Danilo, ajude-nos a divulgá-lo !!!

  1. […] aclamada Teoria da Atração de Corpos não é válida a todo universo. Planetas fora do Sistema Solar não orbitam sua estrela na mesma direção ou rotação similar que o seu astro rei. Esse fato se comprova através dos […]

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