Telescópio APEX do ESO mostra fábricas de estrelas nos confins do Universo através de lente gravitacional

Esta impressão artística da galáxia longínqua SMM J2135-0102 mostra nebulosas brilhantes com centenas de anos-luz de tamanho, que são regiões de ativa formação estelar. Crédito:ESO/M. Kornmesser

Esta impressão artística da galáxia longínqua SMM J2135-0102 mostra nebulosas brilhantes com centenas de anos-luz de tamanho, que são regiões de ativa formação estelar. Crédito:ESO/M. Kornmesser

Pela primeira vez, os astrônomos mediram diretamente o tamanho e o brilho de regiões de formação estelar numa galáxia longínqua, graças a uma descoberta inesperada através do telescópio APEX [3]. A galáxia encontra-se tão distante e sua luz demorou 10 bilhões de anos para nos atingir. A feliz existência de uma “lente gravitacional” cósmica serve como uma lupa que amplifica esta galáxia, dando-nos assim uma visão detalhada que seria impossível de se obter de outra maneira. Com isto temos agora um cenário real para ilustrar a formação estelar vigorosa e agitada nas galáxias do Universo primordial, com maternidades estelares a com taxas de formação estelar cem vezes mais depressa do vemos galáxias próximas. Este trabalho foi publicado na revista Nature.

Ao observarem um aglomerado de galáxias de grande massa [1] com o telescópio Atacama Pathfinder Experiment (APEX) [3], nos comprimentos de onda do submilímetro, os astrônomos descobriram uma galáxia muito brilhante, mais distante que o aglomerado em si. Trata-se da galáxia longínqua mais brilhante já observada nos comprimentos de onda do submilímetro. Tal galáxia é extremamente brilhante porque seus grãos de poeira cósmica brilham ao serem aquecidos pela radiação de suas energéticas estrelas. A nova galáxia foi batizada com o nome de SMM J2135-0102.

Nesta ilustração os contornos desenhados mostram a estrutura reconstruída a partir das observações via lente gravitacional com o APEX. Crédito: ESO/M. Kornmesser/M. Swinbank et al.

Nesta ilustração os contornos desenhados mostram a estrutura reconstruída a partir das observações via lente gravitacional com o APEX. Crédito: ESO/M. Kornmesser/M. Swinbank et al.

As lentes gravitacionais são máquinas do tempo cósmicas

“Ficamos surpreendidos ao descobrir um objeto extremamente brilhante que não se encontrava na posição esperada. Rapidamente compreendemos que se tratava de uma galáxia previamente desconhecida que se encontrava bem mais distante mas que estava sob amplificação pelo efeito de lente gravitacional causado pelo aglomerado de galáxias mais próximo de nós,” disse Carlos De Breuck do ESO, membro da equipe [4]. Carlos De Breuck estava a observar no telescópio APEX [3] no planalto do Chajnantor, nos Andes Chilenos, a uma altitude de 5.000 metros.

A nova galáxia SMM J2135-0102 é muito brilhante devido ao aglomerado de galáxias de grande massa que se encontra alinhado com este objeto. A enorme massa do aglomerado curva a luz que vem da galáxia mais distante, atuando como uma lente gravitacional [2]. Tal como acontece com uma lupa, esta lente gravitacional amplia e torna bem mais luminosa a imagem da galáxia longínqua. Graças ao alinhamento fortuito entre o aglomerado e a galáxia longínqua, esta última é foi fortemente ampliada, por um fator de 32x.

eso1012e aglomerado galáctico MACS J2135-010217

Esta imagem mostra o aglomerado de galáxias MACS J2135-010217 (centro) que está atuando como lentre gravitacional sobre a galáxia distante SMM J2135-0102, que reside a 10 bilhões de anos-luz. Crédito:NASA/ESA Hubble Space Telescope

Os detalhes da galáxia levaram 10 bilhões de anos para chegarem até nós

“A ampliação nos mostra a galáxia com um detalhe sem precedentes, embora se encontre tão distante que a sua luz levou cerca de 10 bilhões de anos para chegar até nós,” explicou Mark Swinbank, da Universidade de Durham, autor principal do artigo científico que relata a descoberta. “Nas observações que se seguiram, obtidas com o telescópio Submillimeter Array, pudemos estudar melhor as nuvens onde estrelas se formam nesta galáxia com notável precisão.”

A ampliação proporcionada pela lente gravitacional permite que as nuvens de formação estelar possam ser isoladas na galáxia até uma escala de algumas centenas de anos-luz – quase do mesmo tamanho das nuvens gigantes da nossa própria Via Láctea. Para podermos observar este nível de detalhes sem a ajuda de lentes gravitacionais precisaríamos de telescópios ainda não disponíveis tais como o ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array), o qual se encontra em construção atualmente no mesmo planalto que o APEX [3]. Este descoberta fortuita deu aos astrônomos uma antevisão do que será possível realizar daqui a alguns anos.

Esta composição mostra a descoberta da galáxia gigante SMM J2135-0102. A imagem à esquerda mostra o enxame galáctico MACS J2135-010217 (centro), que age como lente gravitacional sobre SMM J2135-0102. A imagem do canto superior direito mostra a galáxia SMM J2135-0102 em comprimentos de onda submilimétricos, descoberta pelo ESO usando câmera LABOCA no telescópio Atacama Pathfinder Experiment (APEX).. A imagem no canto inferior direito foi obtida pelo SMA e revela as nuvens onde as estrelas se formam na galáxia, com grande nível de detalhes. A nossa visão da galáxia é ampliada pela lente gravitacional, que também produz imagens duplas do objeto focado: as 8 aparentes regiões nas observações do SMA na realidade representam 4 regiões distintas de formação estelar na galáxia. Crédito: ESO/APEX/M. Swinbank et al. (4); NASA/ESA/Telescópio Espacial Hubble & SMA

Esta composição mostra a descoberta da galáxia gigante SMM J2135-0102. A imagem à esquerda mostra o aglomerado de galáxias MACS J2135-010217 (centro), que age como lente gravitacional sobre SMM J2135-0102. A imagem do canto superior direito mostra a galáxia SMM J2135-0102 em comprimentos de onda submilimétricos, descoberta pelo ESO usando câmera LABOCA no telescópio Atacama Pathfinder Experiment (APEX). A imagem no canto inferior direito foi obtida pelo SMA e revela as nuvens onde as estrelas se formam na galáxia, com grande nível de detalhes. A nossa visão da galáxia é ampliada pela lente gravitacional, que também produz imagens duplas do objeto focado: as 8 aparentes regiões nas observações do SMA na realidade representam 4 regiões distintas de formação estelar na galáxia SMM J2135-0102. Crédito: ESO/APEX/M. Swinbank et al. (4); NASA/ESA/Telescópio Espacial Hubble & SMA

A taxa de formação é de 250 estrelas por ano

Estas “fábricas de estrelas” ou “berçários estelares” são semelhantes as que observamos aqui na Via Láctea, mas são uma centena de vezes mais luminosas, sugerindo que a formação estelar no início de vida das galáxias é um processo muito mais vigoroso do que é geralmente encontrado em galáxias mais maduras, próximas  de nós no tempo e no espaço. As nebulosas parecem com núcleos densos de nuvens de formação estelar que temos visto em galáxias mais próximas.

“Estimamos que a SMM J2135-0102 tenha a uma taxa de produção estelar equivalente a cerca de 250 sóis por ano,” disse de Breuck. “A formação estelar nas suas enormes nuvens de poeira é diferente da que observamos no Universo próximo. No entanto, as nossas observações sugerem igualmente que deverá ser possível utilizar o mesmo tipo de física que usamos para analisar as maternidades estelares mais densas nas galáxias próximas, de modo a compreender a formação estelar nestas galáxias mais longínquas.”

A galáxia distante, SMM J2135-0102, vista aqui em observações de 870 micrómetros pelo SMA, foi ampliada gravitacionalmente por um enxame galáctico no pano da frente. A luz da galáxia foi ampliada e distorcida pela gravidade para produzir imagens de cada das 4 regiões de formação estelar (legendadas de A a D). Se a galáxia fosse observada sem distorção, apareceria como a pequena imagem no canto superior esquerdo. As regiões A e D estão separadas por menos de 6000 anos-luz. A pequena imagem no canto inferior direito mostra a resolução da imagem do SMA. Crédito: Mark Swinbank (Durham) e Steven Longmore (SAO)

A galáxia distante, SMM J2135-0102, vista aqui em observações de 870 μm pelo SMA, foi ampliada gravitacionalmente por um aglomerado de galáxias à sua frente. A luz da galáxia foi ampliada e distorcida pela gravidade para produzir imagens de cada uma de 4 regiões de formação estelar (legendadas de A a D). Se a galáxia fosse observada sem distorção, apareceria como a pequena imagem no canto superior esquerdo. As regiões A e D estão separadas por menos de 6.000 anos-luz. A pequena imagem no canto inferior direito mostra a resolução da imagem do SMA. Crédito: Mark Swinbank (Durham) e Steven Longmore (SAO)

Este trabalho foi apresentado no artigo científico, “Intense star formation within resolved compact regions in a galaxy at z=2,3” (A. M. Swinbank et al.), publicado na revista Nature.

Notas

[1] Os aglomerados de galáxias encontram-se entre os objetos de maior massa do Universo, mantidos coesos por ação da gravidade. São compostos por centenas de milhares de galáxias, as quais contribuem com apenas cerca de um décimo para a massa total do aglomerado. A maior parte da massa, que corresponde a mais de um bilhão de vezes [1015] a massa solar, é composta por gás quente e matéria escura. Neste caso específico, o aglomerado observado tem a designação de MACS J2135-010217 (ou MACS J213512.10-010258.5), e se encontra a uma distância estimada em 4 bilhões de anos-luz.

[2] O efeito de lente gravitacional foi previsto pela teoria geral da relatividade de Albert Einstein. Devido à enorme massa e à sua posição intermédia entre nós e galáxias muito distantes, os enxames de galáxias atuam como lentes gravitacionais extremamente eficientes, curvando a radiação que vem das galáxias que se encontram por trás deles. Dependendo da distribuição da massa do aglomerado, vários efeitos interessantes são produzidos, tais como amplificação, distorções de forma, arcos gigantes e imagens múltiplas da mesma fonte.

[3] O Atacama Pathfinder Experiment (APEX) é um telescópio de 12 metros, situado a uma altitude de 5.100 metros no planalto árido do Chajnantor, nos Andes Chilenos. O APEX trabalha nos comprimentos de onda do milímetro e submilímetro. Esta região de comprimentos de onda encontra-se relativamente mal explorada em astronomia, necessitando de detectores avançados e dum local extremamente alto e seco, como é o caso do Chajnantor. APEX, o maior telescópio milimétrico e submilimétrico do hemisfério sul, nasceu de uma colaboração entre o Instituto Max Planck para a radioastronomia, o Observatório Espacial Onsala e o ESO. A operação do APEX no Chajnantor está a cargo do ESO. O APEX é o precursor do ALMA – é baseado num protótipo de uma antena construída para o projeto ALMA, encontra-se situado no mesmo planalto e observará muitos objetos que poderão ser posteriormente estudados pelo ALMA em grande detalhe.

[4] A equipe da pesquisa contou com a participação de A. M. Swinbank, I. Smail, J. Richard, A. C. Edge, e K. E. K. Coppin (Institute for Computational Cosmology, Durham University, UK), S. Longmore, R. Blundell, M. Gurwell, e D. Wilner (Harvard-Smithsonian Center For Astrophysics, USA), A. I. Harris e L. J. Hainline (Department of Astronomy, University of Maryland, USA), A.J. Baker (Department of Physics and Astronomy, Rutgers, University of New Jersey, USA), C. De Breuck, A. Lundgren e G. Siringo (ESO), R. J. Ivison (UKATC e Royal Observatory of Edinburgh, UK), P. Cox, M. Krips e R. Neri (Institut de Radio Astronomie Millimétrique, France), B. Siana (California Institute of Technology, USA), D. P. Stark (Institute of Astronomy, University of Cambridge, UK), e J. D. Younger (Institute for Advanced Study, USA).

Fontes

CfA: Astronomers Get Sharpest View Ever of Star Factories in Distant Universe

ESO: APEX Snaps First Close-up of Star Factories in Distant Universe

Artigo Científico

Intense star formation within resolved compact regions in a galaxy at z=2,3

._._.

3 comentários

  1. Quando vi a foto no início da matéria, pensei que fossem duas galáxias espirais em colisão.

  2. Que incrível…

    Poderiamos, com os futuros telescópios com capacidade de “ver o passado” de maior potência, vermos o universo logo após o Big Bang?

      • ROCA em 24/03/2010 às 18:17
        Autor

      Sim, é isso que já está sendo feito: lentes gravitacionais para medir a idade do Universo.

      Astronomically Large Lenses Measure the Age and Size of the Universe
      http://home.slac.stanford.edu/pressreleases/2010/20100301.htm

      Publicarei sobre isto na sexta-feira.

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