Refinando a hipótese da Terra Rara: o que seria ‘o suficientemente adequado’ para os exoplanetas?

Para a menina “Cachinhos Dourados” da popular história “Cachinhos Dourados e os Três Ursos”, a sopa não deveria ser muito fria ou muito quente... A temperatura certa é tudo o que ela necessitava.

Para a menina “Cachinhos Dourados” da popular história “Cachinhos Dourados e os Três Ursos”, a sopa não deveria ser muito fria ou muito quente… A temperatura certa é tudo o que ela necessitava.

Para um exoplaneta similar a Terra hospedar a vida complexa como nós conhecemos (a vida multicelular), a temperatura é sem dúvida fundamental, mas o que mais é importante? O que faz com que a temperatura de uma ‘exo-Terra’ seja “suficientemente justa”?

Estudos recentes concluíram que responder estas perguntas pode ser surpreendentemente difícil e que algumas das respostas são até curiosas.

Obliquidade, Terra-Bola-de-Neve e efeito estufa descontrolado

Vamos inicialmente considerar a inclinação do eixo de uma ‘exo-Terra’, que denominamos de obliqüidade.

Na hipótese da “Terra Rara” este é um dos pontos que faz parte do critério apelidado de “Cachinhos Dourados”, por causa da popular história “Cachinhos Dourados e os Três Ursos”. A menos que a tendência seja permanecer estável (graças a estabilização proporcionada pela nossa Lua) e em um ângulo “adequado” o clima não pode variar muito para que seja estabelecida e mantida a vida multicelular. As possibilidades do exoplaneta passar por várias fases tipo ‘Terra-bola-de-neve’ (onde o exoplaneta permanece por milhões de anos totalmente coberto de gelo e neve, como o que ocorreu na Terra entre 790 e 630 milhões de anos atrás) ou ter o risco da ocorrência do mortal efeito estufa descontrolado, observado em Vênus, devem ser minimizadas.

"Terra-Bola-de-Neve" - na ilustração vemos, da frente para o fundo, a "Terra-Bola-de-Neve", a Terra em uma violenta era glacial, a Terra como é hoje e ao fundo, a Terra sem as calotas polares.

“Terra-Bola-de-Neve” – na ilustração vemos, da frente para o fundo, a “Terra-Bola-de-Neve”, a Terra em uma violenta era glacial, a Terra como é hoje e ao fundo, a Terra sem as calotas polares.

David Spieguel da Columbia University e equipe trabalharam em uma extensa série de modelos de simulação dos efeitos da obliqüidade, cobertura do solo / oceano e rotação de planetas semelhantes à Terra. Spieguel escreveu  [1]:

Descobrimos que nas exo-Terras com pequenas frações de oceanos ou com continentes polares cobrindo os polos, poderão ocorrer graves variações sazonais do clima.

Por outro lado, Spieguel sugere que “somando os resultados obtidos, tais planetas poderiam também manter condições sazonais de habitabilidade em áreas regionais em uma gama mais ampla de raios orbitais que os planetas similares a Terra“. E qual foi a surpresa real? “Nossos resultados fornecem indícios de que os modelos climáticos são um pouco menos suscetíveis as transições de dinâmicas de bola de neve nos exoplanetas de grande obliqüidade.” Em outras palavras, uma exo-Terra muito inclinada (como Urano), pode ser menos propensa a sofrer eventos do tipo ‘Terra-bola-de-neve’ que a nossa Terra “Terra-Cachinhos-Dourados”!

Visão do Sol em ultravioleta. Crédito: SOHO

Visão do Sol em ultravioleta. Crédito: SOHO

Radiação Ultravioleta (UV)

Na verdade, “a radiação ultravioleta é a faca de dois gumes da vida. Se ela for muito forte, os sistemas biológicos serão irremediavelmente danificados. E se é muito fraca, a síntese de muitos dos compostos bioquímicos simplesmente não poderá avançar”, disse Guo Jianpo Yunnan Observatório Yunnan na China [2]. “Para a maioria das estrelas com temperaturas efetivas menores que 4.600 K, as zonas-habitáveis-UV são mais próximas que as zonas habitáveis para a existência de água líquida e isto exclui as estrelas classe M. Para estrelas com temperaturas efetivas acima de 7.137 K, as zona-habitáveis-UV estão mais longe do que a zonas habitáveis para a água líquida“, o que exclui as estrelas das classes A e B e possivelmente algumas sub-classes F. Esse resultado não altera o que já sabíamos sobre as zonas habitáveis ao redor de estrelas da seqüência principal, mas exclui definitivamente a possibilidade da manutenção da vida em torno de estrelas que saíram da seqüência principal e se tornaram gigantes vermelhas (supondo que algum tipo de vida sobreviva à fase de gigante vermelha de sua estrela mãe!).

A Terra e suas nuvens. A presença de nuvens tem influência direta na distância habitável da exo-Terra a sua estrela mãe.

A Terra e suas nuvens. A presença de nuvens tem influência direta na distância habitável da exo-Terra a sua estrela mãe.

O efeito das nuvens na exo-Terra

De uma maneira geral, os cálculos da faixa de zona habitável (a faixa orbital ideal onde o exoplaneta gira ao redor de sua estrela-mãe e seja capaz de sustentar a vida como a conhecemos) para estrelas da seqüência principal assumem um céu permanentemente limpo (como o paraíso dos astrônomos), praticamente sem nuvens. Mas a Terra freqüentemente tem nuvens e as nuvens definitivamente têm um efeito sobre a temperatura média global. “O efeito albedo é apenas fracamente dependente do espectro estelar incidente porque as propriedades ópticas (especialmente o albedo de espalhamento) permanecem praticamente constantes na gama de comprimentos de onda que a radiação incidente estelar”, concluiu um estudo recente realizado por uma equipe alemã [3] sobre os efeitos das nuvens sobre a habitabilidade (observando estrelas da seqüência principal das classes espectrais F, G, K e M). Isso pode até soar como “Gaia é amiga de Cachinhos Dourados”, no entanto: “O efeito de estufa das nuvens altas, por outro lado, depende da temperatura da baixa atmosfera, que por sua vez é uma conseqüência indireta dos diferentes tipos estrelas hospedeira“, concluiu a equipe (lembre-se que a temperatura global de uma exo-Terra depende tanto do efeito albedo quanto do efeito estufa).

Portanto, qual seria a nossa mensagem?

Os planetas como a Terra, com nuvens em suas atmosferas, podem se localizar mais perto ou mais longe da sua estrela central, se comparado com exoplanetas com atmosferas livres límpidas. As alterações nas distâncias [da zona habitável] dependem dos tipos de suas nuvens. Em geral, nuvens baixas resultam em uma diminuição na distância, devido ao efeito albedo, enquanto nuvens altas levam a um aumento na distância [em relação a estrela-mãe].

Conclusão? É bem difícil determinar o que é “justamente adequado” para a vida considerando uma gama tão diversificada de fatores.

Fonte

Universe Today: Nailing Down Goldilocks: What’s “Just Right” for Exo-Earths?

Artigos Científicos

[1] Autor principal: David Spieguel; Co-autores: Kristen Manou da Princeton University e Caleb Scharf  da Colombia University: “Habitable Climates: The Influence of Obliquity“, The Astrophysical Journal, Volume 691, Número 1, pp. 596-610 (2009) [arXiv:0807.4180]
[2] Autor principal: Guo Jianpo Yunnan; Co-autores: Fenghui Zhang, Xianfei Zhang e Zhanwen Han, todos do Yunnan Observatory: “Habitable zones and UV habitable zones around host stars“, Astrophysics and Space Science, Volume 325, Number 1, pp. 25-30 (2010)
[3] “Clouds in the atmospheres of extrasolar planets. I. Climatic effects of multi-layered clouds for Earth-like planets and implications for habitable zones“, Kitzmann et al., publicado em Astronomy & Astrophysics (2010) [arXiv:1002.2927]

._._.

2 comentários

3 menções

  1. Aqui outro artigo

    LIFE AROUND A RED DWARF (dM) STAR WITH SPECIAL EMPHASIS ON GLIESE 581

    http://www.lpi.usra.edu/meetings/abscicon2010/pdf/5163.pdf

  2. Exelente site, parabéns.
    Quanto a radiação UV esse artigo
    linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0019103507003521 (UV habitable zones around M stars) ao que parece não exclui as estrelas da classe M.
    Aqui um site que especula a vida em um ambiente exótico como esse.
    http://www.exoplaneten.de/uvceti/english.html

  1. […] noção de que a estabilidade da obliquidade da Terra é importante para o desenvolvimento da vida [Hipótese da Terra Rara]. Embora ainda possa ser verdade que oscilações rápidas possam ser prejudiciais e, certamente, […]

  2. […] Refinando a hipótese da Terra Rara: o que seria ‘o suficientemente adequado’ para os exoplaneta… […]

  3. […] Refinando a hipótese da Terra Rara: o que seria ‘o suficientemente adequado’ para os exoplaneta… […]

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