ESO NTT revela os segredos da galáxia canibal Centaurus A

Esta imagem da região central da galáxia elíptica Centaurus A revela os restos em formato de paralelogramo de uma galáxia elíptica menor canibalizada pela galáxia gigante. Crédito: ESO/Y. Beletsky

Esta imagem da região central da galáxia elíptica Centaurus A revela os restos em formato de paralelogramo de uma galáxia elíptica menor canibalizada pela galáxia gigante. Crédito: ESO/Y. Beletsky

Usando uma técnica especial que utiliza imagens na faixa de frequências próximas do infravermelho, através telescópio do ESO New Technology Telescope (NTT) de 3,58 metros, os astrônomos foram capazes de olhar através das camadas espessas de poeira da galáxia canibal gigante Centaurus A. Assim, conseguiram nos revelar sua última refeição com detalhes inéditos: uma galáxia espiral menor canibalizada, atualmente torcida e deformada. Esta imagem extraordinária mostra igualmente, espalhados como jóias, milhares de aglomerados estelares em movimento dentro de Centaurus A.

Comparação de duas imagens de Centaurus A. À esquerda vemos a imagem capturada pelo dispositivo WFI (Wide-Field Imager) do telescópio MPG/ESO de 2,2-metros. À direita temos a visão infravermelha do instrumento SOFI do NTT (New Technology Telescope), também em La Silla. A imagem capturada pelo SOFI foi processada para ‘olhar através’ das camadas de poeira cósmica, fornecendo uma visão clara do centro galáctico e revelando um novo e até então desconhecido anel de estrelas e aglomerados estelares. Crédito: ESO/Y. Beletsky

Comparação de duas imagens de Centaurus A. À esquerda vemos a imagem capturada pelo dispositivo WFI (Wide-Field Imager) do telescópio MPG/ESO de 2,2-metros. À direita temos a visão infravermelha do instrumento SOFI do NTT (New Technology Telescope), também em La Silla. A imagem capturada pelo SOFI foi processada para ‘olhar através’ das camadas de poeira cósmica, fornecendo uma visão clara do centro galáctico e revelando um novo e até então desconhecido anel de estrelas e aglomerados estelares. Crédito: ESO/Y. Beletsky

Centaurus A (NGC 5128) é a galáxia elíptica gigante mais próxima de nós, que fica a cerca de 11 milhões de anos-luz de distância. Por sua características e proximidade tornou-se um dos objetos mais estudados no céu meridional. Já em 1847 a sua aparência única tinha suscitado o interesse do famoso astrônomo inglês John Herschel, que catalogou os céus austrais, ao compilar uma relação detalhada das nebulosas visíveis.

No entanto, Herschel não podia saber que esta linda e espetacular aparência se deve a uma camada opaca de poeira que cobre a parte central da galáxia. Pensa-se que esta poeira seja os escombros remanescentes de uma fusão cósmica entre uma galáxia elíptica gigante e uma galáxia espiral menor poeirenta.

Os astrônomos estimam que Centaurus A, há cerca de 200 – 700 milhões de anos, consumiu uma pequena galáxia espiral rica em gás e o conteúdo da qual parece encontrar-se em movimento no interior do núcleo de Centaurus A, provavelmente dando origem a novas gerações de estrelas.

Há alguns anos, as primeiras evidências dos restos desta refeição galáctica foram descobertas pelo Observatório Espacial Infravermelho da ESA (ESA Infrared Space Observatory), o qual revelou uma estrutura com a largura de 16.500 anos-luz, similar a uma pequena galáxia barrada. A seguir, o Telescópio Espacial Spitzer da NASA mostrou uma estrutura de paralelogramo, o qual pode ser explicado como a matéria remanescente de uma galáxia espiral rica em gás que se encontra em queda na direção da galáxia elíptica Centaurus A e vai se deformando ao longo do processo. A fusão de galáxias é um mecanismo que eventualmente resulta na formação de galáxias elípticas gigantes.

Imagens livres da poeira cósmica

As novas imagens SOFI, obtidas com o telescópio de 3,58 metros, ESO-NTT (New Technology Telescope) instalado em La Silla, no Chile, forneceram uma visão ainda mais nítida da estrutura desta galáxia, livre de sua poeira. As imagens originais, obtidas no infravermelho próximo através de três filtros diferentes (J, H, K) foram combinadas utilizando uma nova técnica que retira o efeito de obscurecimento causado pela poeira cósmica, resultando assim uma imagem limpa do centro galáctico.

Assim, surpreendentes descobertas aconteceram: “Existe claramente um anel de estrelas e aglomerados escondido por trás das camadas de poeira e nossas imagens as mostram muito bem, com detalhes inéditos,” disse Jouni Kainulainen, autor líder do artigo que apresenta estes resultados. “Uma análise mais detalhada desta estrutura fornecerá importantes indicações sobre como terá sido o processo de fusão e qual terá sido o papel da formação estelar durante o mesmo.”

A equipe científica está motivada com as capacidades que nova técnica permite: “Estes são os primeiros passos no desenvolvimento de novas habilidades que têm o potencial de traçar, em alta resolução e de maneira eficaz, nuvens de gás gigantes em outras galáxias,” explica João Alves, colaborador no estudo. “Saber como estas nuvens gigantes se formam e evoluem é compreender como é que as estrelas se formam nas galáxias.”

Esperando pelos novos telescópios planejados, tanto terrestres como espaciais, “esta técnica é complementar dos dados rádio que o ALMA obterá para galáxias próximas, e ao mesmo tempo abre boas perspectivas de investigação de populações estelares extragalácticas, com o futuro European Extremely Large Telescope do ESO e com o Telescópio Espacial James Webb, uma vez que a poeira é onipresente nas galáxias,” disse Yuri Beletsky, que também trabalhou na pesquisa.

Observações anteriores feitas com o dispositivo ISAAC montado no VLT demonstraram que reside um buraco negro supermassivo no coração de Centaurus A. A massa do BN está estimada em cerca de 200 milhões de vezes a massa do nosso Sol, ou seja, 50 vezes mais massivo que o buraco negro central da nossa Via Láctea. Contrastando com a nossa galáxia, o buraco negro supermassivo da Centaurus A está sendo continuamente alimentado pela matéria em acresção, fazendo com que esta galáxia canibal permaneça em violenta atividade. Conseqüentemente, Centaurus A é uma das fontes de rádio mais brilhantes do céu (por isso foi designado o sufixo “A” em seu nome). Jatos de partículas altamente energéticas oriundas do seu núcleo são também observadas nos espectros de radiação tanto de rádio como de raios-X.

A nova imagem de Centaurus A é um excepcional exemplo de como ciência avançada pode ser combinada com aspectos estéticos. Belas imagens de Centaurus A tinham sido obtidas com o Very Large Telescope do ESO (ESO PR Photo 05b/00) e com o instrumento Wide Field Imager montado no telescópio de 2,2 metros MPG/ESO em La Silla.

Este trabalho foi publicado na revista Astronomy and Astrophysics (vol. 502): “Uncovering the kiloparsec-scale stellar ring of NGC5128”, por J.T. Kainulainen et al.

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Equipe da pesquisa

A equipe do estudo liderada por J. T. Kainulainen (Universidade de Helsínquia, Finlândia, e MPIA, Alemanha) contou com J. F. Alves (Observatório de Calar Alto, Espanha e Universidade de Viena, Áustria), Y. Beletsky (ESO), J. Ascenso (Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics, USA), J. M. Kainulainen (TKK/Departamento de Ciência e Engenharia Rádio, Finlândia), A. Amorim, J. Lima, e F. D. Santos (SIM-IDL, Universidade de Lisboa, Portugal), A. Moitinho (SIM-IDL, Universidade de Lisboa, Portugal), R. Marques e J. Pinhão (Universidade de Coimbra, Portugal), e J. Rebordão (INETI, Amadora, Portugal).

Observatório do ESO em La Silla, Chile. Crédito: ESO

Observatório do ESO em La Silla, Chile. Crédito: ESO

La Silla – o primeiro observatório do ESO

O Observatório de La Silla, 600 km ao norte de Santiago do Chile, situa-se a uma altitude de 2.400 metros e tem sido a pedra chave do ESO desde os anos 60. É lá que o ESO mantém vários dos mais produtivos telescópios do mundo, da classe dos 4 metros. O New Technology Telescope (NTT – Telescópio de Nova Tecnologia) de 3,58 metros foi o primeiro telescópio no mundo a ter um espelho principal controlado por computador (ótica ativa), uma tecnologia desenvolvida no ESO, e agora aplicada à maior parte dos grandes telescópios mundiais. No telescópio de 3,58 metros do ESO está instalado o HARPS (High Accuracy Radial velocity Planet Searcher, ou instrumento de busca de planetas através de velocidade radial de grande precisão), um espectrógrafo com uma precisão sem paralelo, dedicado à procura de exoplanetas.

O observatório de La Silla tem a certificação ISO 9001 (Sistema de Qualidade de Administração). A infra-estrutura de La Silla é igualmente usada por muitos dos países membros do ESO para projetos direcionados tais como o Telescópio Suíço Euler de 2,2 metros, o Rapid-Eye Mount (REM) e o detector de explosões de raios gama TAROT. De igual modo, existem em La Silla infra-estruturas mais comuns para os utilizadores tais como o telescópio de 2,2 metros Max Planck e os telescópios dinamarqueses de 1,5 metros. A câmara de grande campo de 67 milhões de pixels montada no telescópio de 2,2 metros obteve muitas imagens extraordinárias de objetos celestes, algumas das quais se tornaram famosas.

Com cerca de 300 publicações científicas atribuídas ao trabalho executado no observatório, La Silla permanece na linha da frente da astronomia. La Silla proporcionou um enorme número de descobertas científicas, incluindo vários trabalhos pioneiros. O espectrógrafo HARPS é, sem dúvida, um instrumento sem igual na descoberta de planetas extrasolares de baixa massa. HARPS detectou um sistema em torno da estrela Gliese 581, que contém o primeiro planeta rochoso conhecido, na zona de habitabilidade, descoberto fora do Sistema Solar (ESO 22/07). Vários telescópios de La Silla desempenharam um papel crucial na compreensão das explosões de raios gama – as mais energéticas explosões no Universo, após o Big Bang – como um fenômeno ligado diretamente a explosões de estrelas de grande massa. Desde 1987, que o Observatório de La Silla do ESO desempenhou igualmente um importante papel no estudo e seguimento da mais recente supernova próxima, SN 1987A.

O Observatório de La Silla situa-se nos arredores do deserto do Atacama no Chile, um dos locais mais secos e isolados do planeta. Tal como os outros observatórios desta área geográfica, La Silla encontra-se longe de poluição luminosa e tal como o Observatório do Paranal, local do Very Large Telescope, possui um dos céus mais escuros que existem na Terra.

Fontes

._._.

2 menções

  1. […] galáxia ‘canibal’ Centaurus A é retratada aqui em uma famosa imagem dos arquivos de alta-resolução do Hubble Space […]

  2. […] Para saber mais detalhes desta peculiar galáxia recomendamos a leitura do artigo ESO NTT revela os segredos da galáxia canibal Centaurus A. […]

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