Um buraco negro supermassivo pode construir sua própria Galáxia?

Este desenho mostra como os jatos de partículas e radiação emanados do buraco negro supermassivo podem forjar galáxias, explicando também a razão pela qual os maiores buracos negros centrais são encontrados em galáxias que contém mais estrelas. Crédito: ESO

Este desenho mostra como os jatos de partículas e radiação emanados do buraco negro supermassivo podem forjar galáxias, explicando também a razão pela qual os maiores buracos negros centrais são encontrados em galáxias que contém mais estrelas. Crédito: ESO

O que vem primeiro, os buracos negros supermassivos ou as enormes galáxias nas quais eles residem? Um novo cenário surgiu de um conjunto recente de observações extraordinárias feitas de um buraco negro sem casa: os buracos negros podem “construir” a sua própria galáxia hospedeira? O quasar observado pode bem ser o elo perdido, há muito procurado, que explica a  razão de que as massas dos buracos negros são maiores em galáxias que contêm maior número de estrelas.

Quem nasceu primeiro?

A questão do tipo ‘quem nasceu primeiro, ovo ou a galinha’ a ser desvendada é: o que se forma primeiro: a galáxia ou o seu buraco negro? “Este é um dos assuntos mais debatidos na astrofísica da atualidade”, disse o autor e líder do trabalho, David Elbaz. “O nosso estudo sugere que os buracos negros supermassivos podem acionar a formação estelar, ‘construindo’ assim suas próprias galáxias hospedeiras. Este achado poderá também explicar porque as galáxias que hospedam buracos negros mais massivos possuem mais estrelas.”

QSO HE0450 2958

Mosaico mostra as diferentes visões deste sistema quasar+galáxia a partir das câmeras ACS e NICMOS do observatório espacial Hubble e o instrumento VISIR do Very Large Telescope do ESO. Crédito: Jahnke et al.

Apresentamos o  ‘quasar-construtor’ HE 0450 2958

Para chegar a uma conclusão de tal quilate, a equipe de astrônomos observou exaustivamente um objeto peculiar, o quasar HE0450-2958 (veja também: “Um buraco negro a procura de um lar”), o único quasar para o qual não havia sido detectada uma galáxia hospedeira [1]. A luz emanada pelo quasar HE0450-2958 leva 5 bilhões de anos para chegar a Terra.

Até agora se especulava que a galáxia hospedeira deste buraco negro supermassivo estaria escondida por trás de grandes quantidades de poeira, e por isso os astrônomos utilizaram um instrumento de detecção de infravermelho montado no Very Large Telescope (VLT) do ESO [2]. Em tais comprimentos de onda, as nuvens de poeira brilham intensamente são prontamente detectadas. “Observar nestes comprimentos de onda nos permite rastrear a poeira que poderia esconder a galáxia hospedeira”, disse Knud Jahnke, que liderou as observações feitas via VLT. “Entretanto, nós não encontramos poeira nenhuma. Por outro lado, nós descobrimos uma galáxia aparentemente não associada, situada na vizinhança do quasar, está excepcionalmente ativa, produzindo estrelas a uma taxa frenética.”

Uma galáxia muito prolífica

Estas observações nos forneceram uma nova visão deste sistema. Embora não haja indícios da presença de estrelas vizinhas ao quasar, sua galáxia companheira é extremamente rica em estrelas muito jovens e brilhantes. Esta galáxia incomum está criando novos sóis a uma taxa equivalente a cerca de 350 novas estrelas por ano, ou seja, uma freqüência cem vezes maior que as observadas nas galáxias típicas do Universo observável.

Na mira do buraco negro?

Observações anteriores nos mostraram que a galáxia companheira se encontra, de fato, sob a mira do buraco negro: o quasar libera por um de seus pólos um jato de partículas altamente energéticas na sua direção, acompanhado por uma corrente de gás ionizado que se move em velocidades relativísticas. Esta violenta injeção de matéria e radiação energética na galáxia alvo indica que o próprio quasar poderá estar induzindo a formação de estrelas e assim forjando sua própria galáxia hospedeira. Em um cenário com este, surge a hipótese que galáxias desenvolvem-se a partir de nuvens de gás atingidas por jatos energéticos vindos de quasares vizinhos.

“Os dois objetos estão destinados a se fundir no futuro: o quasar desloca-se na velocidade de algumas dezenas de milhares de km/h relativamente à galáxia companheira e a sua separação é de apenas 22.000 anos-luz” diz Elbaz (a colisão se daria em menos de ~1 bilhão de anos). “Embora o quasar ainda se encontre no momento “nu”, ele irá eventualmente ficar “vestido” quando se fundir com sua companheira galáctica rica em estrelas. Assim, passará finalmente a residir no núcleo de uma galáxia hospedeira assim como todos os demais quasares [que conhecemos].”

Foram os buracos negros os escultores de novas galáxias?

Conseqüentemente a equipe identificou os jatos de buracos negros como possíveis motores de formação galáctica, o que pode também representar o elo perdido, há muito procurado, para compreender porque é que a massa dos buracos negros é maior em galáxias que contêm mais estrelas [3]. “Uma extensão natural do nosso trabalho será procurar objetos similares em outros sistemas,” concluiu Jahnke.

Imagem composta do quasar HE0450-2958 que aparece 'despido' de uma galáxia hospedeira. Os jatos emanados por este quasar forjam a formação estelar na galáxia vizinha a 22.000 anos-luz de distância. A imagem foi obtida a partir do instrumento VISIR do VLT do ESO combinada com a imagem capturada pela câmera NICMOS do telescópio espacial Hubble.

Imagem composta do quasar HE0450-2958 que aparece ‘despido’ de uma galáxia hospedeira. Os jatos emanados por este quasar forjam a formação estelar na galáxia vizinha a 22.000 anos-luz de distância. A imagem foi obtida a partir do instrumento VISIR do VLT do ESO combinada com a imagem capturada pela câmera NICMOS do telescópio espacial Hubble.

Futuros equipamentos, tais como o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array, o European Extremely Large Telescope e o James Webb Space Telescope da NASA/ESA/CSA serão capazes de procurar tais objetos em grandes distâncias, confrontando e testando a relação entre os quasares e a formação de galáxias no Universo longínquo.

Este trabalho foi apresentado em artigos publicados nas revistas especializadas Astronomy & Astrophysics: “Quasar induced galaxy formation: a new paradigm?” por Elbaz et al., e Astrophysical Journal: “The QSO HE0450-2958: Scantily dressed or heavily robed? A normal quasar as part of an unusual ULIRG” por Jahnke et al.

A equipe desta pesquisa foi liderada por David Elbaz (Service d’Astrophysique, CEA Saclay, França) e contou com Knud Jahnke (Max Planck Institute for Astronomy, Heidelberg, Alemanha), Eric Pantin (Service d’Astrophysique, CEA Saclay, França), Damien Le Borgne (Paris University 6 e CNRS, Institut d’Astrophysique de Paris, França) e Géraldine Letawe (Institut d’Astrophysique et de Géophysique, Université de Liège, Bélgica).

Notas

[1] Os buracos negros supermassivos encontram-se no interior das galáxias. Diferentemente do buraco negro supermassivo que se encontra no centro da Via Láctea, atualmente esfomeado e inativo, uma fração destes buracos negros estão ativos, no sentido em que consomem enormes quantidades de matéria. Estas ações frenéticas libertam uma enorme quantidade de energia em todo o espectro eletromagnético. Mais espetaculares são os quasares, nos quais o núcleo ativo é tão brilhante que ultrapassa a luminosidade da galáxia hospedeira.

[2] Esta parte do estudo é baseada em observações feitas no infravermelho médio com o instrumento VISIR montado no VLT, que gera espectros e imagens, combinadas com dados adicionais incluindo: espectros adquiridos com o VLT-FORS, imagens no visível e infravermelho do Telescópio Espacial Hubble da NASA/ESA e observações no rádio da Austrália Telescope National Facility.

[3] A maioria das galáxias no Universo observável contém um buraco negro supermassivo com uma massa de cerca de 1/700 da massa do bojo galáctico. A origem desse buraco negro versus sua relação com a massa estelar é um dos temas mais debatidos na astrofísica moderna.

Fontes e referências

Artigos científicos:

ESO: Black Hole Caught Zapping Galaxy into Existence?

Página web de David Elbaz: http://david.elbaz3.free.fr

Página web de Knud Jahnke: http://www.mpia.de/coevolution

1 comentário

  1. Quero fazer uma maquina do tempo, mas preciso de um buraco negro.

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