Identificada uma supernova em contagem regressiva para explodir

Astrônomos encontram suspeito principal de uma Supernova de Tipo Ia

Mosaico mostra V445 Pupis ao longo de 2 ano, entre 2005 e 2007

Mosaico mostra V445 Pupis ao longo de 2 ano, entre 2005 e 2007. As imagens nos mostram uma concha bipolar, inicialmente com uma cintura muito fina e com lóbulos de cada lado. Dois nodos observados em ambos os extremos da concha, parecem deslocar-se a cerca de 8450 +/- 570 km/s. A concha – diferente de todas as observadas até agora nas explosões de ‘novas’ – encontra-se ela própria em movimento, deslocando-se cerca de 6720 +/- 650 km/s. As duas estrelas centrais estão obscurecidas por um disco espesso de poeira, que parece ter sido formado durante a última explosão. Crédito: ESO

Utilizando o sistema Very Large Telescope do ESO – Observatório do Sul Europeu (European Southern Observatory), no Chile, que tem a capacidade de obter imagens tão nítidas como se fossem obtidas a partir do espaço, os astrônomos construíram o primeiro filme de uma incomum concha de matéria ejetada por uma “estrela vampiro”. Esta gulosa anã branca gerou, em novembro de 2000, uma violenta explosão (que os astrônomos chamam de ‘nova’) depois de ter sugado parte da matéria da sua estrela companheira. Os astrônomos conseguiram determinar a distância e o brilho intrínseco deste objeto no ato da explosão. Pensa-se que este sistema binário é um candidato importante, há muito tempo procurado, a progenitor de uma supernova tipo Ia. As supernovas Ia são fenômenos explosivos cruciais para os estudos da energia escura, atuando como velas padrão cósmicas, uma vez que as supernovas Ia são sempre similares energeticamente entre si.

“Um dos principais problemas na astronomia moderna é o fato de ainda não sabermos exatamente qual o tipo de sistema estelar explode sob a forma de supernova de tipo Ia,” informou Patrick Woudt, da Universidade da Cidade do Cabo, autor principal do artigo que descreve estes resultados. “E isto é frustrante, uma vez que estas supernovas têm um papel determinante no sentido de mostrar que o Universo está atualmente em expansão acelerada, em função da energia escura.”

Esta imagem de campo largo, baseada nos dados da pesquisa Digitized Sky Survey 2, mostra a região completa em volta da nova recorrente V445 Puppis, com seu sistema binário ressaltado.

Esta imagem de campo largo, baseada nos dados da pesquisa Digitized Sky Survey 2, mostra a região completa em volta da nova recorrente V445 Puppis, com seu sistema binário ressaltado com um círculo vermelho.

Estará V445 Puppis em contagem regressiva para explodir?

Os astrônomos estudaram o sistema V445 na constelação de Puppis (Popa) com notável rigor. V445 Puppis é a primeira, e até agora a única, ‘nova’ que não mostra traços de hidrogênio. Isso nos leva a considerar como a primeira evidência de uma explosão na superfície de uma anã branca dominada por hélio. “Isto é crucial para a pesquisa, já que sabemos que as supernovas de tipo Ia apresentam um déficit de hidrogênio,” diz o co-autor Danny Steeghs, da Universidade de Warwick, Reino Unido, “e a estrela companheira da V445 Puppis também apresenta deficiência em hidrogênio, contribuindo principalmente com o hélio para a anã branca.”

Em novembro de 2000, este sistema sofreu uma explosão do tipo ‘nova’, tornando-se 250 vezes mais brilhante que antes e ejetando uma grande quantidade de matéria para o espaço.

A equipe de astrônomos utilizou o instrumento de ótica adaptativa NACO [1], montado no Very Large Telescope do ESO (VLT), para obter imagens nítidas da V445 Puppis durante um período de dois anos. As imagens nos mostram uma concha bipolar, inicialmente com uma cintura muito fina e com lóbulos de cada lado. Dois nodos observados em ambos os extremos da concha, parecem deslocar-se a cerca de 8450 +/- 570 km/s. A concha – diferente de todas as observadas até agora nas explosões de ‘novas’ – encontra-se ela própria em movimento, deslocando-se cerca de 6720 +/- 650 km/s. As duas estrelas centrais estão obscurecidas por um disco espesso de poeira, que parece ter sido formado durante a última explosão.

Imagem obtida na pesquisa Digitized Sky Survey 2, mostra um close região em volta da nova V445 Puppis.

Imagem obtida na pesquisa Digitized Sky Survey 2, mostra um close região em volta da nova V445 Puppis.

“O incrível detalhe com que podemos observar escalas tão pequenas – cerca de cem milésimos de segundos de arco, o que equivale ao tamanho aparente de uma moeda de um euro (ou a de um REAL, no Brasil) vista a cerca de 40 quilômetros de distância – é apenas possível graças à tecnologia de ótica adaptativa disponível em grandes telescópios terrestres como o sistema VLT do ESO,” disse Steeghs.

Uma supernova é um dos processos pelo qual uma estrela termina a sua vida, explodindo de forma grandiosa ejetando matéria e brilhando tão intensamente quanto a sua galáxia hospedeira. Uma família de supernovas, chamadas supernovas de tipo Ia, desperta particular interesse no campo da cosmologia já que estes objetos podem ser usados como “vela cósmica padrão” no cálculo de distâncias no Universo [2]. Utilizam-nas por isso para calibrar a expansão em aceleração do Cosmos, que se deve à energia escura.

Uma característica marcante que define as supernovas de tipo Ia é a falta de hidrogênio no seu espectro. Sabemos, no entanto, que o hidrogênio é o elemento químico mais abundante no Universo. Tais supernovas são, muito provavelmente, produzidas em sistemas compostos estrelas em um par binário, onde uma delas é o produto final da vida de estrelas do tipo do Sol, as anãs brancas [3]. Quando estas anãs brancas se comportam como vampiros estelares sugando matéria da estrela companheira por acresção, acabam por se tornar mais massivas que um determinado limite, o que as torna instáveis e conseqüentemente explodem [4].

O acumular desta matéria a mais não é um processo simples e pacato. À medida que a anã branca canibaliza a sua presa, a matéria acumula-se na sua superfície. Se esta camada se tornar demasiadamente densa,  a estrela torna-se instável e irrompe com um explosão tipo ‘nova’. Estas explosões relativamente menores (se comparadas com supernovas) ejetam parte do material acumulado de volta ao espaço. Portanto, a pergunta crucial é saber se a anã branca consegue acumular massa em detrimento destas explosões, ou seja, se alguma da matéria seqüestrada da estrela companheira permanece definitivamente na anã branca, fazendo com que ela se torne ao longo do tempo suficientemente massiva para transgredir o limite de Chandrasekhar [4] e explodir como supernova tipo Ia, como no vídeo abaixo em quicktime™:

Combinando as imagens do NACO com dados obtidos por vários outros telescópios [5] os Astrônomos puderam determinar a distância ao sistema – a cerca de 25.000 anos-luz  de distância do Sol – e o seu brilho intrínseco – mais de 10.000 vezes mais brilhante que o Sol. Estes valores indicam que a anã branca vampiro deste sistema tem uma massa relativamente elevada, que está próxima do limite fatal [4] e ao mesmo tempo continua a ser alimentada em taxas elevadas pela sua companheira gigante. “Se a V445 Puppis vai eventualmente explodir como supernova, ou se a atual explosão de nova já fez com que esse fenômeno não se produza ao ejetar demasiada matéria de volta ao espaço é algo que ainda não sabemos,” disse Woudt. “No entanto, temos agora uma excelente candidata a futura supernova de tipo Ia!”

Imagem da concha de matéria em volta da V445 Puppis em março de 2005

Imagem da concha de matéria em volta da V445 Puppis em março de 2005

Imagem da concha de matéria em volta da V445 Puppis em dezembro de 2005

Imagem da concha de matéria em volta da V445 Puppis em dezembro de 2005

Imagem da concha de matéria em volta da V445 Puppis em outubro de 2006

Imagem da concha de matéria em volta da V445 Puppis em outubro de 2006

Imagem da concha de matéria em volta da V445 Puppis em março de 2007

Imagem da concha de matéria em volta da V445 Puppis em março de 2007

Notas

[1] A ótica adaptativa é uma técnica que permite aos astrônomos obter uma imagem de um objeto livre da turbulência atmosférica. Veja a página do ESO sobre ótica adaptativa: http://www.eso.org/public/astronomy/technology/adaptive_optics.html

[2] Veja: http://www.eso.org/~bleibund/papers/EPN/epn.html

[3] As anãs brancas representam o produto final da evolução de estrelas com massas iniciais não superiores a algumas massas solares. Uma anã branca é composta por um núcleo estelar em final de combustão, abandonado quando uma estrela como o Sol ejeta as camadas exteriores no final da sua vida ativa. Este núcleo é composto essencialmente por carbono e oxigênio. Este processo normalmente dá origem à formação de uma nebulosa planetária.

[4] O ‘limite de Chandrasekhar’, assim chamado devido ao físico indiano Subrahmanyan Chandrasekhar, é cerca de 1,4 vezes a massa do Sol para anãs brancas com metalicidade similar. Quando a anã branca atinge uma massa superior a este limite, ou sugando matéria de uma estrela companheira ou juntando-se a outra anã branca, ela se transforma em uma bomba termonuclear que queimará carbono e oxigênio de maneira extremamente rápida e explosiva.

[5] A equipe utilizou também o instrumento SOFI montado no New Technology Telescope do ESO, o espectrógrafo IMACS do telescópio Magellan Baade  de 6,5 metros, e a Infrared Survey Facility e a câmara SIRIUS na estação Sutherland do Observatório astronômico da África do Sul.

Artigo de referência, a equipe e sobre o ESO

Este trabalho foi apresentado em um artigo a ser publicado em 20 de novembro de 2009 na revista Astrophysical Journal, vol. 706, p. 738 (“The expanding bipolar shell of the helium nova V445 Puppis”, por P. A. Woudt et al.).

A equipe desta pesquisa foi composta por P. A. Woudt e B. Warner (Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul), D. Steeghs e T. R. Marsh (Universidade de Warwick, Reino Unido), M. Karovska e G. H. A. Roelofs (Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics, Cambridge MA, USA), P. J. Groot e G. Nelemans (Radboud University Nijmegen, Holanda), T. Nagayama (Universidade de Kyoto, Japão), D. P. Smits (Universidade da África do Sul, África do Sul), e T. O’Brien (Universidade de Manchester, Reino Unido).

Fonte

ESO: Ticking Stellar Time Bomb Identified [Astronomers find prime suspect for a Type Ia supernova]

Artigo Científico

http://arxiv.org/abs/0910.1069

._._.

5 comentários

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    • Antonio Marcos em 06/05/2010 às 21:57
    • Responder

    Caramba!!! Este site é demaiiiissssssss! Adorei….
    Este é o assunto pelo qual , eu tenho verdadeira paixão!
    Parabéns para vcs!

  1. Obrigada pelo esclarecimento !

    Mais uma perguntinha.

    Sirius por exemplo poderá ser responsável, um dia, por eliminar a vida da Terra? Visto poder mandar uma quantidade de raios gama para a Terra e eliminar a camada de ozônio?

      • ROCA em 05/05/2010 às 20:05
        Autor

      Não, Luisa, isto não acontecerá.

      Sirius é um sistema binário. A maior estrela, Sirius A, tem ‘apenas’ 2,4 vezes a massa do Sol e jamais irá gerar uma supernova tipo II.

      Sirius B é uma anã branca massiva (com 98% da massa solar), cinzas de uma estrela que ‘morreu’ há 120 milhões de anos. Sirius B, originalmente era mais massiva que Sirius A, com 5 vezes a massa do Sol, ela perdeu sua massa quando saiu da sequencia principal e tornou-se gigante vermelha, ejetando a maior parte de sua massa para o espaço.

      Sirius B, a anã branca, poderia gerar uma supernova tipo Ia se estivesse bem próxima de Sirius A. Mas isto não ocorre, Sirius A e B distam 20 Unidades Astronomicas entre si (20 vezes a distância da Terra ao Sol) e assim não conseguirá roubar massa de Sirius A quando esta se tornar uma gigante vermelha e se expandir.

      Bibliografia:
      http://adsabs.harvard.edu/abs/2005ApJ…630L..69L

  2. Oi!!

    Existe alguma supernova proxima da terra k possa explodir e eliminar a vida na terra?

    E possível saber +/- quando isso poderá acontecer?

      • ROCA em 05/05/2010 às 09:46
        Autor

      Não, Luisa,

      Isto já foi analisado.

      Supernova tipo II:
      As estrelas massivas perigosas candidatas a supernova tipo II estão todas acima de 100 anos luz de distância.
      A estrela candidata a supernova tipo II mais próxima é a estrela primária do par binário Spica da constelação de Virgem, a 260 anos-luz de distância, mas isto ainda vai levar centenas de milhões a 1 bilhão de anos, pois a estrela tem pouco mais de 10 massas-solares e ainda está na sequência principal.
      .
      A famosa Betelgeuse, cujas supernova deve ocorrer dentro de 1.000 anos está a mais de 500 anos-luz de distância da Terra.

      Supernova tipo Ia
      A anã branca IK Pegasi B é a candidata mais próxima que se conhece a gerar uma supernova. Quando a estrela primária evoluir para uma gigante vermelha, espera-se que seu raio provoque um processo de acrescimento da anã branca à gigante em expansão. Quando a anã branca atingir o limite de Chandrasekhar, de 1,44 massas solares, explodirá em uma supernova tipo Ia. IK Pegasi B dista 150 anos luz da Terra, uma distância considerada segura para nós.
      http://pt.wikipedia.org/wiki/IK_Pegasi

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