Estará a Via Láctea condenada a sofrer o bombardeio cósmico?

Esta imagem de uma simulação em supercomputador mostra a densidade da Matéria Escura da Via Láctea. A variação do brilho (azul -> violeta -> vermelho -> amarelo) corresponde à taxa crescente da concentração da matéria. A região central mais brilhante corresponde aproximadamente à matéria convencional brilhante (bariônica) dos gases e estrelas. As bolhas ao redor indicam as galáxias anãs satélites orbitando a Via Láctea, o que chamamos de ‘subestrutura galáctica’. A simulação prevê que os halos de matéria escura das galáxias espirais estão espalhados, preenchidos com centenas de subestruturas de matéria escura que passam através do disco estelar da galáxia, deixando sua assinatura e trazendo perturbações durante o processo. Crédito: Stelios Kazantzidis, Universidade do Estado de Ohio, EUA.

Esta imagem de uma simulação em supercomputador mostra a densidade da Matéria Escura da Via Láctea. A variação do brilho (azul -> violeta -> vermelho -> amarelo) corresponde à taxa crescente da concentração da matéria. A região central mais brilhante corresponde aproximadamente à matéria convencional brilhante (bariônica) dos gases e estrelas. As bolhas ao redor indicam as galáxias anãs satélites orbitando a Via Láctea, o que chamamos de ‘subestrutura galáctica’. A simulação prevê que os halos de matéria escura das galáxias espirais estão espalhados, preenchidos com centenas de subestruturas de matéria escura que passam através do disco estelar da galáxia, deixando sua assinatura e trazendo perturbações durante o processo. Crédito: Stelios Kazantzidis, Universidade do Estado de Ohio, EUA.

À medida que os cientistas tentam aprender mais sobre a evolução e desenvolvimento das galáxias e em particular o conhecimento sobre a nossa galáxia, há uma questão que permanece em aberto: as colisões com galáxias satélites anãs vizinhas irão um dia fragmentar o disco da Via Láctea?

Não será bem assim… Há um novo estudo que sugere que este infeliz destino não acontecerá.

Embora os astrônomos considerem que tais colisões já tenham ocorrido diversas vezes no passado, as novas simulações computacionais mostraram que em vez de destruir a galáxia, estas colisões na verdade “incharam” (estufaram) o disco galáctico, principalmente em torno das bordas e produziram estruturas chamadas ‘anéis estelares’.

Este novo estudo tenta resolver dois mistérios: o provável destino da Via Láctea associado às influências de suas galáxias-satélite (tais como a Grande Nuvem de Magalhães, a mais massiva) e a origem das suas bordas estufadas, “tipo algodão-doce”, que os astrônomos já observaram em outras galáxias no Universo e as chamaram de “brilhos fulgurantes”.

O estudo também conclui que a misteriosa matéria escura, a qual constitui a maior parte da matéria do Universo, desempenha também aqui um papel importante nas interações galácticas.

Mapas de densidade dos discos de estrelas ilustram a transformação global morfológica do disco galáctico sujeito ao bombardeamento advindo das subestruturas de matéria escura. As cores mais claras indicam regiões de maior densidade dos discos estelares. O painel à esquerda mostra o disco inicial, enquanto que o painel à direita demonstra o disco final após os violentos encontros gravitacionais com as subestruturas adjacentes.  As interações esperadas das galáxias satélites e o disco primário (conforme o atual modelo cosmológico) favorecem a formação de várias assinaturas distintas nos disco da galáxia principal, tais como: anéis antigos de baixa densidade na periferia; estruturas fulgurantes; formação de barras; fracas estruturas filamentares sobre o plano do disco galáctico. Estas características morfológicas são similares as encontradas na Via Láctea, em Andrômeda e em outras galáxias espirais. Crédito: Stelios Kazantzidis, Ohio State University.

Mapas de densidade dos discos de estrelas ilustram a transformação global morfológica do disco galáctico sujeito ao bombardeamento advindo das subestruturas de matéria escura. As cores mais claras indicam regiões de maior densidade dos discos estelares. O painel à esquerda mostra o disco inicial, enquanto que o painel à direita demonstra o disco final após os violentos encontros gravitacionais com as subestruturas adjacentes. As interações esperadas das galáxias satélites e o disco primário (conforme o atual modelo cosmológico) favorecem a formação de várias assinaturas distintas nos disco da galáxia principal, tais como: anéis antigos de baixa densidade na periferia; estruturas fulgurantes; formação de barras; fracas estruturas filamentares sobre o plano do disco galáctico. Estas características morfológicas são similares as encontradas na Via Láctea, em Andrômeda e em outras galáxias espirais. Crédito: Stelios Kazantzidis, Ohio State University.

Os astrônomos julgam que todas as galáxias estão imersas em massivos e gigantescos halos de matéria escura e que a maioria das grandes galáxias situa-se em intersecções de filamentos de matéria escura que formam a imensurável teia cósmica (cosmic web) em nosso Universo. As galáxias-satélite menores fluem ao longo das tranças da teia e são arrastadas pela gravidade para a órbita de grandes galáxias como a nossa Via Láctea.

O astrônomo Stelios Kazantzidis e colegas da Universidade do Estado de Ohio realizaram simulações computacionais do modelo de formação de galáxias, visando determinar o que aconteceria se uma galáxia-satélite (tal como a Grande Nuvem de Magalhães, mais sua matéria escura intrínseca) colidisse com uma galáxia espiral como a nossa.

Stelios Kazantzidis da Ohio State University.

Stelios Kazantzidis da Ohio State University.

Qual foi conclusão que chegaram? A galáxia anã satélite vai desintegrar-se gradualmente, enquanto sua gravidade for influenciada pelas bordas da galáxia maior, arrastando consigo suas estrelas e outros materiais. O resultado seria um disco galáctico fulgurante como o da Via Láctea, que começa estreito no centro e que se alarga na direção das bordas.

Os resultados irão acalmar as mentes daqueles que temiam que nossos vizinhos galácticos e sua associada matéria escura iriam destruir nosso disco galáctico, em alguns bilhões de anos no futuro.

Entretanto, Kazantzidis não conseguiu estabelecer uma garantia de 100% sobre o futuro  da galáxia.

“Nós não podemos ter a certeza do que irá acontecer à Via Láctea, mas podemos dizer que as nossas análises se aplicam a uma grande classe de galáxias parecidas com a nossa”, disse Kazantzidis. “As nossas simulações mostraram que os impactos da galáxia-satélite não destroem a galáxia espiral — na realidade eles conduzem sua evolução, produzindo um formato brilhante e criando anéis estelares — espetaculares anéis de estrelas que temos visto em muitas galáxias espirais no Universo.”

É claro que Kazantzidis e seus colegas não fizeram este estudo tão somente para determinar o destino exclusivo de nossa Galáxia. Em dois artigos científicos publicados no Astrophysical Journal, os cientistas anunciam que as suas simulações oferecem uma nova maneira de testar (e validar) o atual modelo cosmológico do Universo.

De acordo com o modelo o Universo contém, desde o Big Bang, certa quantidade de matéria convencional ou bariônica (a matéria que forma as estrelas e planetas) e uma quantidade muito maior de matéria escura. A natureza exata da matéria escura é desconhecida e os cientistas continuam em busca de pistas ao estudar a ação gravitacional recíproca entre a matéria escura e a matéria normal.

Esta é a primeira vez que as colisões entre galáxias espirais e galáxias-satélite foram simuladas neste nível de detalhes, disse Kazantzidis. O estudo revelou que as bordas brilhantes das galáxias e os anéis estelares são sinais visíveis destas interações.

A Via Láctea tem um diâmetro estimado em 100.000 anos-luz (1 ano-luz ≈ 9,5 trilhões de quilômetros). Bem mais que isso, estamos rodeados por uma nuvem ou “halo” de matéria escura 10 vezes maior — 1 milhão de anos-luz de largura, explicou Kazantzidis.

Embora os astrônomos tenham a visão do halo de matéria escura como uma substância parcialmente difusa, o halo galáctico contém regiões densas que orbitam a nossa Galáxia em associações com as galáxias-satélites, como a Grande Nuvem de Magalhães.

“Nós sabemos, graças a simulações cosmológicas de formação galáctica, que estas galáxias menores provavelmente interagem muito freqüentemente com os discos galácticos ao longo da história cósmica. Dado que vivemos em um disco galáctico, é importante saber se estas interações podem destruir o disco,” disse Kazantzidis. “Nós vimos que as galáxias não são destruídas, mas que os encontros deixam para trás um tesouro de assinaturas consistentes com o modelo cosmológico atual e consistentes com as nossas observações de galáxias no Universo”.

Uma assinatura constatada é o aumento da fulguração nas bordas das galáxias estudada, tal como vemos nos limites da Via Láctea e em outras galáxias.

“Nós consideramos que este aumento no brilho fulgurante é uma das conseqüências observáveis mais importantes das interações entre as galáxias-satélites atraídas e o disco galáctico primário”, prosseguiu Kazantzidis em suas explicações.

Em ambos os artigos, os cientistas levaram em conta os impactos de muitas galáxias menores distintas em um disco galáctico primário bem maior. Calcularam o número provável de galáxias anãs satélites e seus percursos orbitais. A seguir, eles simularam o que aconteceria durante as colisões e interações, incluindo a influência da matéria escura quando esta interagia gravitacionalmente com o disco da galáxia espiral.

Nas simulações processadas, nenhum dos discos galácticos foi destruído, ao contrário, as galáxias primárias gradualmente desintegraram as galáxias-satélite, cujo material por fim se tornou parte integrante da galáxia maior.

As galáxias anãs satélites passaram incontáveis vezes através do disco galáctico e em cada passagem perderam parte da sua massa em um processo que eventualmente iria completamente destroçá-las.

Embora a galáxia primária tenha sobrevivido, foram formadas bordas brilhantes muito parecidas com a aparência fulgurante atual de nossa Galáxia.

“Cada galáxia espiral tem uma formação complexa e uma história evolucionária”, afirmou Kazantzidis. “Nós esperamos entender exatamente como a Via Láctea se formou e como irá se desenvolver. Talvez nós nunca tenhamos sucesso em compreender a história exata, mas devemos tentar aprender o máximo possível sobre ela e sobre outras galáxias semelhantes”, completou Kazantzidis.

Os coautores dos artigos foram: James Bullock da Universidade da Califórnia em Irvine, Andrew Zentner da Universidade de Pittsburgh, Andrey Kravtsov da Universidade de Chicago, Leonidas Moustakas do Jet Propulsion Laboratory (JPL-NASA) e Victor DebattistadaUniversidade de Central Lancashire no Reino Unido.


Fontes e referências

Centauri Dreams: Galactic Dark Matter Modeled

Astronomy.com: Galactic bombardment unlikely to destroy Milky Way

Universidade Estatal do Ohio: IS THE MILKY WAY DOOMED TO BE DESTROYED BY GALACTIC BOMBARDMENT? PROBABLY NOT, STUDY SAYS

Science Daily: Is The Milky Way Doomed To Be Destroyed By Galactic Bombardment? Probably Not, Study Says

Diário de Notícias: Via Láctea manterá forma

1 menção

  1. […] a Via Láctra parece estar numa longa fase de inatividade e outros estudos estabelecem que os halos de matéria escura sejam majoritariamente esféricos se não forem violentamente perturbados. Além do mais, os […]

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